Pesquisa da FGV Direito SP revela uso da convenção 190 da OIT em casos de assédio
Tratado internacional amplia conceito de assédio e, na ausência de um dispositivo que regulamente a ação, pode ser mais acionado no futuro.
Da Redação
segunda-feira, 9 de junho de 2025
Atualizado às 12:04
Em 2019, a OIT - Organização Internacional do Trabalho criou a C190 - Convenção 190, tratado que reúne, em um único instrumento, os princípios de igualdade e não discriminação com a promoção da segurança e saúde no trabalho.
Entre as inovações da C190, destaca-se a ampliação do conceito de assédio, especialmente nas relações de trabalho terceirizadas. O Brasil assinou a convenção e, embora ainda não a tenha ratificado, a Justiça do Trabalho brasileira já começa a citá-la em suas decisões, incorporando essas transformações à jurisprudência.
Essa é uma das principais conclusões da pesquisa "Impactos da Convenção 190 da OIT no Direito Brasileiro", desenvolvida pelo GPTD - Grupo de Pesquisa Trabalho e Desenvolvimento da FGV Direito SP.
A pesquisa revela ainda que, na maioria dos casos em que a C190 é mencionada, a referência serve para reforçar argumentos - como um fundamento adicional -, sem provocar tensões no Direito interno ou mudanças substanciais.
Segundo a coordenadora da pesquisa e professora da FGV Direito SP, Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto, a utilização da Convenção 190 é essencial: "Observamos que a C190 tem grande potencial para fazer a diferença, seja por contribuir para o reconhecimento e combate a múltiplas formas de violência, seja por ampliar a concepção de meio ambiente de trabalho, ou ainda por se aplicar além da relação típica de emprego, expandindo os horizontes do próprio Direito do Trabalho no Brasil".
Nos dois últimos anos (2023 e 2024), foram analisadas 651 decisões em processos trabalhistas. Destas, 424 utilizaram a Convenção 190 e concentraram-se em cinco TRTs: TRT-4, TRT-5, TRT-3, TRT-9 e TRT-2 (nessa ordem). No TST, apenas cinco decisões (1,22%) fizeram menção à C190.
A análise destaca ainda que apenas 10 magistrados(as) relatores(as) foram responsáveis por 272 dessas decisões - mais de 40% do total. Esse dado revela uma concentração significativa dos julgados em um número reduzido de magistrados(as). Por um lado, isso pode indicar interesse particular desses(as) julgadores(as) na C190; por outro, pode evidenciar o desconhecimento da convenção por parte de muitos magistrados(as), ou a interpretação de que ela não seria aplicável por ainda não ter sido ratificada.
Entre os temas discutidos nas decisões que mencionaram a C190, o assédio moral foi o mais recorrente, presente em 570 casos; seguido por assédio sexual, com 68 menções; e discriminação, com 34.
Em relação ao local em que ocorrem os casos de assédio, a maioria dos casos analisados (610) ocorreram dentro do estabelecimento físico da prestação de serviços (ambiente interno). Em segundo lugar, observa-se que, em 44 decisões, a violência foi sofrida no ambiente virtual.
O estudo revela ainda que a maior parte das vítimas de assédio no ambiente de trabalho (392 decisões) são mulheres, enquanto em 233 as vítimas eram do gênero masculino. Em 16 havia alguma menção sobre a orientação sexual da vítima, indicando pertencer ao grupo LGBTQIAPN+.
Quanto à natureza jurídica da relação envolvida no litígio, grande parte das decisões (614) envolve contratos de emprego típico, seguida de 21 sobre trabalhadores terceirizados.
Outro aspecto evidenciado no estudo é que na maioria da amostra (545 decisões) os agressores ocupavam uma posição superior na hierarquia organizacional, ou seja, eram gestores diretos, chefes de setor e outros cargos de liderança que exercem poder sobre os trabalhadores subordinados. Por outro lado, os colegas de trabalho com a mesma posição hierárquica foram responsáveis por 52 decisões.
Por fim, entre as decisões examinadas, a violência foi reconhecida em aproximadamente 75% dos casos (489 decisões), demonstrando uma tendência significativa de acolhimento das alegações de assédio ou discriminação quando a Convenção 190 foi evocada. Por outro lado, quase 23% dos casos analisados (149 decisões) concluíram pela inexistência da violência, seja por insuficiência de provas, seja por entenderem que os fatos narrados não se enquadravam no conceito aplicado de assédio.
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