Marilda Silveira propõe processos estruturais contra ciclos de poder
A advogada e professora do IDP aponta limites das funções clássicas dos Três Poderes e propõe modelo de decisão judicial dialógica para romper ciclo de exclusão política.
Da Redação
sexta-feira, 4 de julho de 2025
Atualizado às 10:17
Os chamados processos estruturais têm ganhado espaço no debate jurídico brasileiro como instrumento para lidar com violações de direitos que não se resolvem por meio de decisões pontuais.
Trata-se de uma forma de atuação judicial voltada à transformação de situações complexas e persistentes - como desigualdade de gênero, exclusão racial e ineficiência de políticas públicas - por meio de decisões dialogadas, progressivas e acompanhadas por múltiplos atores institucionais.
Em vez de impor soluções imediatas e unilaterais, o Judiciário passa a desempenhar um papel articulador, construindo com os demais poderes e com a sociedade civil respostas mais duradouras e legitimadas.
Nesse contexto, a advogada e professora Marilda Silveira defende que os processos estruturais podem ser uma ferramenta fundamental para romper ciclos de poder que perpetuam desigualdades na representação política.
Segundo a especialista, o debate sobre separação de Poderes e os limites da atuação judicial em temas como políticas públicas precisa levar em conta a dinâmica concreta da atuação do Legislativo e do Executivo - que, na prática, não promove rupturas necessárias para maior representatividade.
Para ela, o Legislativo tem instrumentos para acelerar decisões - como a destinação de emendas parlamentares - enquanto o Executivo carece de mecanismos para frear tais iniciativas. Essa engrenagem, afirmou, colabora para um ciclo de reeleição que se reproduz com pouca renovação e menor inclusão.
Veja a entrevista:
Como exemplo, citou dados das eleições municipais.
"82% dos prefeitos se reelegeram, desses 98% receberam emendas, e o número de mulheres eleitas não chega a 15%. Mulheres negras são apenas 7%."
Para Silveira, a lógica é aritmética. "É só fazer conta e ver continuidade. Esse ciclo não vai mudar", concluiu.
Diante da inércia ou limitação dos demais poderes, a jurista argumenta que o Judiciário deve ser chamado a agir, de forma distinta da tradicional.
"A proposta é um processo estrutural, que o professor Edilson Vittorelli, o professor Fredie Didier, têm dito que é uma forma de tomar decisões em conjunto, dialogadas e acompanhadas", explicou. Esses processos judiciais permitem decisões mais complexas, com envolvimento de múltiplos atores, sem a rigidez binária de certo ou errado, culpado ou inocente.
O objetivo, segundo ela, é duplo: criar soluções com maior potencial transformador e interromper a lógica de perpetuação do poder.
"A gente parte mais para um diálogo, sem atribuir culpas, sem solução binária, mas também com uma possibilidade de controle. Assim, a gente interrompe o ciclo, esse ciclo de poder que só alimenta o poder e que se mantém para sempre", concluiu.
No Senado
A proposta de Marilda Silveira dialoga com um movimento institucional mais amplo: a regulamentação do processo estrutural no Brasil.
Em agosto de 2024, a comissão de juristas encarregada de elaborar um anteprojeto de lei sobre o tema aprovou, por unanimidade, o relatório final apresentado pelo desembargador Federal Edilson Vitorelli.
O texto estabelece diretrizes para tramitação de ações que buscam enfrentar violações persistentes de direitos fundamentais, com foco em soluções coletivas, negociadas e de longo prazo.
Inspirado em experiências como o acordo judicial do caso Brumadinho, o modelo privilegia a atuação articulada entre Judiciário, partes envolvidas e a sociedade civil, permitindo que o juiz atue mais como um coordenador do processo do que como mero emissor de sentenças.
No STF
A ideia também encontra respaldo prático em decisões recentes do STF, como no julgamento da ADPF das Favelas.
Relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso afirmou expressamente que o Tribunal reconheceu, desde o início, a natureza estrutural do processo. Diante da gravidade da situação denunciada - a violência policial nas comunidades do Rio de Janeiro -, o STF determinou a formulação de um plano de ações, a execução de providências concretas e o monitoramento judicial contínuo.
Trata-se da essência do processo estrutural: uma resposta judicial inovadora, voltada à transformação progressiva de contextos de violação de direitos, por meio do diálogo institucional, do acompanhamento prolongado e da articulação entre diferentes esferas do poder público.
A atuação do Judiciário deixa de ser pontual e passa a exercer papel coordenador, especialmente em temas sensíveis como segurança, saúde, educação e moradia. Em tais casos, a sentença não encerra o processo - ela inaugura um ciclo de reconstrução acompanhado pelo sistema de Justiça.
O evento
O XIII Fórum de Lisboa acontece de 2 a 4 de julho e tem como tema "O mundo em transformação - Direito, Democracia e Sustentabilidade na Era Inteligente". O evento reúne autoridades e acadêmicos de diversas áreas para discutir como a chegada da Era Inteligente tem moldado as relações entre Estados, instituições, empresas e sociedade.