Homem preso injustamente por estupro será indenizado em R$ 1,6 mi
Após cumprir pena privativa de liberdade por mais de dez anos, STF reconheceu a inocência com base em laudo de DNA, que apontou outro culpado pelo crime.
Da Redação
quinta-feira, 24 de julho de 2025
Atualizado às 19:53
Estado do Rio Grande do Sul deverá indenizar homem que ficou mais de dez anos preso injustamente pelos crimes de roubo e estupro em R$ 1,6 milhão por danos morais. Na decisão, o juiz de Direito Cristiano Eduardo Meincke, da vara Judicial de Três Coroas/RS, também fixou reparação por danos materiais equivalente a um salário-mínimo por mês de prisão injusta.
O homem havia sido condenado a 11 anos e meio de reclusão com base em reconhecimento pessoal e na delação de um corréu, e chegou a cumprir mais de dez anos de pena privativa de liberdade.
No entanto, foi absolvido pelo STF, que reconheceu sua inocência com base em prova técnica conclusiva: exame de DNA demonstrou que o sangue encontrado no local do crime pertencia ao corréu, e não ao condenado.
Diante da condenação ilegal, o homem recorreu à Justiça pleiteando indenização por danos morais e materiais.
Em defesa, o Estado argumentou que não houve erro judiciário, mas apenas interpretação diversa dos fatos pelas instâncias judiciais, sustentando que a condenação se baseou em provas válidas à época. Alegou, ainda, que a responsabilidade civil estatal só se configura em caso de dolo ou fraude do magistrado.
Ao analisar o caso, o magistrado reconheceu a ocorrência de danos morais, destacando que "a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário possui natureza objetiva, não exigindo a demonstração de dolo ou culpa do julgador, bastando a comprovação do erro e do dano dele decorrente".
O juiz também ressaltou a sucessão de falhas processuais no processo que condenou o homem, como o reconhecimento pessoal irregular, a desconsideração da prova técnica desde o início da persecução penal, a violação ao princípio da congruência e a inversão do ônus da prova. Conforme destacou:
"a) reconhecimento pessoal irregular: O reconhecimento do autor pela vítima foi realizado em desconformidade com o art. 226 do CPP, que exige a colocação do suspeito ao lado de outras pessoas com características semelhantes. No caso, o autor foi apresentado isoladamente à vítima, procedimento sabidamente falho e que aumenta consideravelmente o risco de falsos reconhecimentos.
b) desconsideração da prova técnica: Desde o início da persecução penal, havia laudo pericial indicando que o material genético encontrado na colcha onde ocorreu o crime não pertencia ao autor. Essa prova técnica, contudo, foi sistematicamente desconsiderada ou minimizada pelas instâncias ordinárias, que privilegiaram elementos probatórios de natureza subjetiva, como o reconhecimento pessoal e a delação do corréu.
c) violação ao princípio da congruência: As decisões condenatórias, especialmente após os urgimento da prova de que o sangue encontrado no local pertencia ao corréu, passaram a adotar narrativa fática diversa daquela contida na denúncia, sugerindo que ambos teriam adentrado a residência das vítimas, quando a acusação original afirmava que apenas o autor havia ingressado no imóvel.
d) inversão do ônus da prova: Em vez de exigir que a acusação comprovasse a culpa do autor além de qualquer dúvida razoável, as instâncias ordinárias impuseram à defesa o ônus de demonstrar cabalmente sua inocência, em flagrante violação ao princípio da presunção de inocência."
Segundo observou, houve também "relativização da dúvida razoável", uma vez que mesmo diante dos elementos que apontavam a inocência, as instâncias ordinárias mantiveram a condenação.
Nesse sentido, o magistrado concluiu que a prisão injusta representa "uma das mais graves violações aos direitos fundamentais do indivíduo", causando sofrimento intenso e duradouro, agravado, no caso, pela natureza do crime de estupro imputado, que gera forte estigma social e risco no ambiente carcerário.
Quanto aos danos materiais, o juiz entendeu que, embora o autor não tenha apresentado documentação específica comprovando prejuízos econômicos, "é inegável que a privação da liberdade por mais de dez anos o impediu de exercer atividade laborativa e obter renda", causando-lhe prejuízos patrimoniais que devem ser reparados.
Diante disso, condenou o Estado a indenizar o homem em R$ 1,6 milhões por danos morais, além do pagamento equivalente a um salário-mínimo por mês de prisão injusta pelos danos materiais.
- Processo: 5000307-02.2020.8.21.0164
Leia a sentença.