STJ: Para Nancy, intimação pessoal não é condição para astreinte
Segundo a ministra, não há base legal atual para exigir intimação pessoal para aplicação de multa por descumprimento de obrigação, como prevê a súmula 410, formulada sob a vigência do CPC/73.
Da Redação
quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Atualizado em 7 de agosto de 2025 18:49
A Corte Especial do STJ retomou, nesta quarta-feira, 6, o julgamento do Tema 1.296, que busca definir se é necessária a intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa coercitiva por descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, astreinte.
A controvérsia gira em torno da interpretação do art. 513, §2º, inciso I, do CPC, que dispõe que o devedor será intimado para cumprir a decisão na pessoa de seu advogado, salvo exceções legais. A discussão é se ainda subsiste a necessidade de intimação pessoal, conforme prevê a súmula 410 do STJ, editada com base no antigo CPC de 1973.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, votou pela superação dessa súmula, sustentando que o referido artigo do CPC de 2015 introduziu nova sistemática para a intimação do devedor, tornando desnecessária a intimação pessoal para a cobrança da astreinte.
Todos os recursos especiais e agravos em recurso especial em trâmite nos tribunais de segundo grau ou no STJ que versem sobre o mesmo tema estão suspensos.
Contexto: mudança legislativa
O STJ firmou entendimento, por meio da súmula 410, editada em 2009, ainda sob a vigência do CPC de 1973, de que a intimação pessoal do devedor era necessária. Esse entendimento baseava-se no art. 632 do revogado CPC, que previa nova citação do devedor para cumprimento da obrigação.
Com o novo CPC, em vigor desde 2015, o art. 513, §2º, inciso I, passou a prever que, como regra geral, o devedor deve ser intimado na pessoa do seu advogado, por meio do Diário da Justiça. A intimação pessoal ficou restrita a hipóteses excepcionais.
Sustentações orais
A advogada Alessandra Francisco de Melo Franco, representante da parte recorrente no REsp 2.140.662, defendeu que não é necessária a intimação pessoal do devedor, pois o novo CPC passou a prever expressamente a intimação do advogado como forma de dar ciência ao devedor. Segundo ela, a manutenção da exigência da intimação pessoal representa formalismo excessivo e incompatível com o atual sistema processual.
Atuando pela Telefônica, o advogado Felipe Monnerat, da banca Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, defendeu a compatibilidade da súmula 410 com o CPC/15.
Segundo ele, o julgamento dos embargos de divergência 1.365.777, em 2018, reafirmou o entendimento da Corte à luz do novo Código, e desde então não houve divergência entre as turmas, tampouco mudança fática, jurídica ou social que justifique a revisão da jurisprudência.
Para o causídico, o STJ, ao firmar a exceção da intimação pessoal para obrigações de fazer, já o fez sob a lógica do sincretismo processual, hoje positivada no art. 513, §2º.
Ele destacou que os fundamentos que justificaram a necessidade de intimação pessoal, como a diversidade das medidas coercitivas e a natureza não taxativa das consequências do descumprimento, permanecem inalterados, razão pela qual se deve manter a jurisprudência consolidada.
O IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual, atuando como amicus curiae, também sustentou a superação da súmula 410, destacando que a norma sumulada foi firmada com base em um contexto legislativo ultrapassado. O instituto defendeu que a intimação na pessoa do advogado é plenamente válida e suficiente, inclusive em casos de obrigação de fazer ou não fazer.
Representando a AGU, o advogado Dr. Rodrigo Frantz Becker apresentou argumentos em ambos os sentidos, mas ressaltou que o artigo 513, §2º do CPC/15 é claro ao prever a intimação na pessoa do advogado como regra geral. Para ele, o novo código alterou substancialmente a sistemática anterior, justificando uma reinterpretação da matéria.
Nancy propõe superação da súmula 410
A ministra Nancy Andrighi defendeu que não há mais no atual ordenamento jurídico fundamento legal para sustentar o entendimento segundo o qual a intimação pessoal do devedor é condição necessária para a cobrança da multa e que a súmula 410 se baseia em dispositivo legal revogado, sendo incompatível com o art. 513, §2º do CPC/15.
"Em síntese, a norma processual que dava suporte à súmula foi revogada, não mais subsistindo base legal para sustentar a exigência da intimação pessoal, como condição necessária para a cobrança de multa do descumprimento da obrigação de fazer. Em vez disso, o devedor de obrigação de fazer ou não fazer, estabelecida em decisão judicial, deve ser intimado na forma do artigo 513, parágrafo 2º, incisos I a IV do código atual, que em regra será pelo Diário da Justiça na pessoa do seu advogado."
Segundo a relatora, doutrinadores como Humberto Theodoro Júnior, Daniel Amorim, Guilherme Rizzo Amaral, André Roque e Fernando Gajardoni passaram a reconhecer que o atual regime é incompatível com a exigência de intimação pessoal.
A ministra destacou quatro fundamentos principais: (i) a súmula baseia-se em norma revogada; (ii) o novo código unificou os processos de conhecimento e execução, eliminando a exigência de nova citação ou intimação pessoal; (iii) o art. 513 do CPC/15 regula expressamente a matéria; e (iv) os precedentes que sustentam a súmula o fazem em obiter dictum, sem força vinculante.
"Exigir a intimação pessoal do devedor, já integrado à relação processual, seria desconsiderar a evolução normativa, que quebrou a dicotomia do processo de conhecimento e do processo de execução. Além de desconsiderar diversos atos processuais e materiais que trazem ônus relevantes para parte, para os quais basta a intimação do advogado."
Tese sugerida pela relatora:
"Para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, basta que o devedor tenha sido intimado para cumprir a decisão pelo Diário da Justiça, na pessoa do seu advogado, constituído nos autos, na forma do artigo 513, parágrafo segundo, inciso I, sendo desnecessária a intimação pessoal, observadas as hipóteses excepcionais previstas no referido dispositivo."
A ministra concluiu alertando para a necessidade de corrigir o entendimento vigente e impedir que um "falso precedente" continue a orientar decisões em desconformidade com a legislação atual.
Além disso, afirmou que, se vencedor o voto, deverá haver definição sobre a aplicação da tese aos processos em andamento, mas o debate sobre eventual modulação de efeitos não foi iniciado.
Julgamento suspenso por pedido de vista
Após a leitura do voto, o ministro Luis Felipe Salomão informou que divergiria da relatora e pediu vista, suspendendo o julgamento.