STF convoca audiência pública para debater o uso de alertas sanitários na publicidade de alimentos não saudáveis
Norma da Anvisa que regulamenta a veiculação de informações sobre esses alimentos na publicidade nunca entrou em vigor pois é questionada na Justiça há 15 anos.
Da Redação
terça-feira, 19 de agosto de 2025
Atualizado em 22 de agosto de 2025 11:13
Associações representativas do setor privado entraram com 12 ações judiciais questionando a validade da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 24/2010 e a competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a sua edição. Cinco casos já foram encerrados com decisões favoráveis à agência, e outros sete seguem em tramitação.
O debate chegou ao Supremo Tribunal Federal (ARE 1.480.888 e ADI 7788) e está sob a relatoria do Ministro Cristiano Zanin, que em um dos casos já apresentou voto favorável à validade da norma e foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes.
A audiência pública será no dia 26 de agosto de 2025, a partir das 10h, na modalidade online e presencial, e contará com a participação das partes, Ministério Público, de organizações, como a ACT Promoção da Saúde, Instituto de Defesa de Consumidores (IDEC), Instituto Alana, Fundação do Câncer, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
A ACT Promoção da Saúde considera importante a iniciativa do Ministro Cristiano Zanin de ampliar o debate sobre a RDC 24/2010, pois a norma segue atual e necessária para a defesa e promoção da saúde pública, e está alinhada com as evidências científicas, e concretiza o direito constitucional à saúde e à alimentação saudável.
A RDC 24/2010 também trata dos princípios e direitos básicos do consumidor, expressamente estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor, como os princípios da informação, da identificação da publicidade, da proteção, da precaução, da transparência, em defesa do consumidor.
O debate envolve um tema caro para a saúde da população brasileira, pois o objeto de disputa consiste em uma Resolução que visa assegurar o direito à saúde e à alimentação adequada por meio do direito à informação dos consumidores e, consequentemente, promover a saúde ao alertar as pessoas consumidoras dos riscos envolvidos no consumo de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio, e de e bebidas com baixo teor nutricional.
Sobre a RDC 24/2010
A norma tem o objetivo de assegurar informações à preservação da saúde das pessoas expostas a qualquer prática que vise divulgação e promoção comercial de alimentos considerados com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional, para coibir práticas excessivas que levem o público a padrões de consumo incompatíveis com a saúde.
Em suma, a Resolução exige que qualquer promoção comercial desses produtos seja direta e verdadeira, para evidenciar o caráter promocional da mensagem; que seja facilmente identificável como tal, independente do meio e forma utilizados; e determina que sejam veiculados alertas sobre os perigos do consumo excessivo desses nutrientes.
À Anvisa compete o poder normativo da publicidade comercial de produtos potencialmente lesivos à saúde pública submetidos à vigilância sanitária.
Para a ACT, a agência atuou dentro de seu escopo de atuação e competências, conforme a Lei n° 9.782/99, que criou a agência, quando da edição da RDC 24/2010, pois a norma não impede, nem restringe a publicidade de alimentos, mas, tão somente, determina que certas informações muito importantes ao consumidor tenham destaque na divulgação comercial de produtos nocivos à saúde.
A publicidade e os hábitos alimentares
Segundo a entidade, a edição da RDC 24/2010 demonstra que a Anvisa manifesta preocupação sobre os efeitos da propaganda nos hábitos de consumo de alimentos, uma vez que quase um terço das mensagens publicitárias na televisão estimula o consumo de alimentos de alto valor calórico e baixo teor nutricional.
Estudo realizado em 2006 pela Universidade de São Paulo mostrou que 27,5% das propagandas veiculadas pelas emissoras de televisão abertas se referiam a esse tipo de produto. Pouco depois, a Universidade de Brasília divulgou pesquisa do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar (OPSAN), realizada em 2006, que apontou que 72% das propagandas de alimentos estimularam o consumo de alimentos com altos teores de açúcares, sódio e gorduras1.
Para a ACT, as evidências são conclusivas e contundentes de que a publicidade de alimentos pobres em nutrientes e ricos em calorias em meios de comunicação influencia nas preferências alimentares e padrões de consumo das crianças. Isso enfraquece a eficácia do aconselhamento de pais e professores sobre bons hábitos alimentares e coloca as crianças em risco de obesidade e doenças relacionadas por toda a vida2.
Os alimentos referidos na RDC 24/2010 da Anvisa podem ser classificados como alimentos ultraprocessados (embora a eles não necessariamente se limitem), conforme o Guia Alimentar, cujo consumo, repita-se, deve ser evitado, em razão dos danos à saúde, risco de doenças e morte, o que corrobora o acerto técnico e científico da Anvisa ao editar a resolução.
Recente estudo3 concluiu que quase 99% dos alimentos ultraprocessados comercializados no Brasil têm alto teor de sódio, gorduras, açúcares livres ou aditivos para realçar cor e sabor.
O consumo de produtos alimentícios ultraprocessados contribui para o ganho de peso e é fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis - DCNTs4, que incluem: doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias e câncer, que são responsáveis por cerca de 74% das mortes no Brasil5 e 71% da mortalidade geral no mundo6, sendo 80% em países de baixa e média renda. A maioria dessas mortes é prematura e pode ser evitada7. A obesidade é uma doença crônica que também é fator de risco de diversas DCNTs.
Os dados mostram que há uma epidemia de doenças crônicas não transmissíveis, de sobrepeso e obesidade infantil no Brasil e no mundo, o que tem demandado a atenção de organismos nacionais e internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, a Organização Panamericana de Saúde e o Fundo das Nações Unidas para a Infância - Unicef.
Ademais, em decorrência dos mencionados danos à saúde, o consumo desses alimentos geram externalidades negativas pela oneração aos cofres públicos em função da sobrecarga dos sistemas de saúde com o tratamento das doenças relacionadas.
Estudo8 revelou que o consumo de bebidas ultraprocessadas açucaradas impõe ao sistema de saúde brasileiro o gasto de quase R$ 3 bilhões por ano no cuidado de doenças provocadas pelo consumo. Desse total, quase R$ 140 milhões são usados na atenção a pessoas com obesidade e sobrepeso e R$ 2,86 bilhões com pacientes das demais doenças associadas (diabetes tipo 2, doenças cardíacas, cerebrovasculares, doenças renais, asma, doenças osteomusculares e câncer).
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1 Recomendações sobre a Promoção de Alimentos e Bebidas Não Alcoólicas para Crianças (Tradução em Português baseada na Publicação "Conjunto de Recomendações sobre a Promoção de Alimentos e Bebidas não Alcoólicas dirigida a crianças", produzida pela Organização Mundial de Saúde). ANVISA 2011. Para a íntegra, acesse: 9789241500210_por.pdf (who.int)
2 Recomendações sobre a Promoção de Alimentos e Bebidas Não Alcoólicas para Crianças. ANVISA 2011.
3 Canella, DS, Pereira Montera, Vd, Oliveira, N. et al. Os aditivos alimentares e o modelo de perfil nutricional da OPAS como elementos contribuintes para a identificação de produtos alimentícios ultraprocessados. Sci Rep 13 , 13698 (2023). https://doi.org/10.1038/s41598-023-40650-3
4 O consumo de álcool, tabaco e de alimentos ultraprocessados são os principais fatores de risco para o desenvolvimento dessas doenças. Organização Mundial da Saúde.
Noncommunicable diseases country profiles 2018. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2018.
5 Pan American Health Organization (PAHO). Noncommunicable diseases in the region of the Americas: facts and figures. 2019 [cited 2020 Jan 19]. Disponível em: http://iris.paho.org/xmlui/bitstream/handle/123456789/51483/PAHONMH19016_eng.pdf?sequence=6&isAllowed=y" \h
6 World Health Organization. Global Health Estimates 2016: Deaths by Cause, Age, Sex, by Country and by Region, 2000-2016. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2018.
World Health Organization (WHO). World health statistics 2018: monitoring health for the SDGs, sustainable development goals Geneva: WHO; 2019. [cited 2020 Jan 19]:1-86. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/272596/9789241565585-eng.pdf?ua=1
7 Conjunto de Recomendações sobre Publicidade de Alimentos e bebidas não alcoólicas para crianças. - OMS 2010.
8 Disponível em: https://actbr.org.br/uploads/arquivos/iecs-e-infografi%cc%81as-bebidas-azucaradas-brasil.pdf
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Fonte: ACT Promoção da Saúde
*Conteúdo patrocinado.