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Supremo | Sessão

STF tem cinco votos para manter menor no Brasil em caso de violência doméstica

Tema envolve a aplicação da Convenção da Haia e a proteção do melhor interesse da criança.

Da Redação

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Atualizado às 19:57

Em sessão plenária nesta quarta-feira, 20, o STF voltou a analisar ação que questiona a obrigatoriedade do retorno ao exterior de crianças trazidas ao Brasil por um dos genitores sem a autorização do outro, quando houver fundadas suspeitas de violência doméstica.

Na última semana, o relator, ministro Luís Roberto Barroso proferiu voto pela compatibilidade da Convenção da Haia com a CF, mas defendeu interpretação que amplia a exceção ao retorno imediato do menor quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica contra a mãe, ainda que a criança não seja vítima direta.

S. Exa. foi acompanhada, nesta tarde, pelos ministros Dias Toffoli, Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça.

Devido ao adiantado da hora, o julgamento foi suspenso e será retomado na quinta-feira, 21.

Veja o placar:

Casos

Na ADIn 7.686, o PSOL questiona a regra que obriga o retorno ao exterior de crianças trazidas ao Brasil por um dos pais, sem autorização do outro, mesmo havendo fundadas suspeitas de violência doméstica no estrangeiro, ainda que a criança não seja vítima direta.

Já a ADIn 4.245, ajuizada pelo DEM, impugna dispositivos da Convenção sob o argumento de que ela tem sido aplicada de forma automática, sem considerar peculiaridades dos casos, resultando em violações a princípios constitucionais como dignidade humana e proteção integral.

Voto do relator

Ao votar, ministro Barroso afirmou que a Convenção da Haia de 1980 é fundamental para proteger crianças em casos de subtração internacional, garantindo o retorno imediato ao país de residência habitual, mas destacou que sua aplicação deve respeitar o princípio do melhor interesse da criança.

Ressaltou que o tratado tem status supralegal no Brasil por tratar de direitos humanos e que a exceção prevista no artigo 13.1.b (risco grave de danos físicos ou psíquicos) deve ser interpretada também à luz de situações de violência doméstica contra a mãe, mesmo quando a criança não seja vítima direta.

Segundo Barroso, exigir prova cabal seria incompatível com a celeridade da Convenção, mas simples alegações não bastam: é necessário apresentar indícios objetivos e concretos.

O relator também criticou a morosidade brasileira no cumprimento do tratado e propôs medidas estruturais para garantir decisões em até um ano, incluindo:

  • criação de grupo de trabalho no CNJ para propor resolução sobre tramitação célere;
  • concentração da competência em varas federais e turmas especializadas;
  • núcleos de apoio técnico (conciliação, perícias, psicossociais);
  • selo de tramitação preferencial;
  • fortalecimento da Autoridade Central (AGU).

Ao final, Barroso julgou parcialmente procedentes os pedidos para conferir interpretação conforme ao artigo 13.1.b da Convenção, reconhecendo que a exceção ao retorno imediato por risco grave se aplica também a casos de violência doméstica contra a mãe, comprovados por indícios objetivos e concretos, ainda que a criança não seja vítima direta. E para determinar a adoção das providências estruturais e procedimentais para garantir tramitação célere e eficaz dos processos.

Ainda, propôs a seguinte tese:

"1. A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis da subtração internacional de crianças é compatível com a Constituição Federal, possuindo status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro por sua natureza de Tratado Internacional de Proteção de Direitos Humanos, como são os direitos das crianças.

2. A aplicação da Convenção no Brasil, à luz do princípio do melhor interesse da criança, exige a adoção de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças.

3. A exceção de risco grave à criança, prevista no artigo 13.1.B da Convenção da Haia, de 1980, deve ser interpretada de forma compatível com o princípio do melhor interesse da criança e com perspectiva de gênero, de modo a admitir sua aplicação da exceção, quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica contra a genitora acusada da subtração, ainda que a criança não seja a vítima direta."

Perspectiva de gênero

Nesta quarta-feira, 20, ministro Dias Toffoli acompanhou o relator, mas apresentou fundamentação própria, centrada na necessidade de uma interpretação evolutiva e conforme à Constituição da Convenção da Haia de 1980.

Para S. Exa., a realidade social e a pandemia de violência doméstica impõem leitura que vá além do apego literal ao texto, privilegiando os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana e, sobretudo, o melhor interesse da criança.

Toffoli ressaltou que a maioria dos casos de restituição internacional envolve mulheres migrantes, principais cuidadoras, que regressam ao Brasil em busca de proteção contra ex-companheiros abusivos.

Citou dados da AGU mostrando que apenas 18,81% das alegações de violência doméstica foram reconhecidas em processos da ACAF, o que revela a dificuldade de produção de provas robustas no exterior.

Essa assimetria, segundo Toffoli, expõe mães e filhos a grave violência institucional, já que genitores acusados contam com a estrutura estatal, enquanto as mães dependem da Defensoria Pública ou de recursos próprios.

O ministro reforçou que a exceção do art. 13.1.b da Convenção deve abranger não apenas violência contra a criança, mas também contra a mãe, sendo suficiente a existência de indícios mínimos, inclusive a palavra da vítima, para afastar a obrigação de retorno.

"A dúvida deve funcionar em benefício da criança e da genitora", afirmou, defendendo a atribuição de peso probatório diferenciado às declarações da mulher, em consonância com o Protocolo do CNJ para julgamento com perspectiva de gênero.

Ao adotar interpretação extensiva e evolutiva, Toffoli também se valeu do art. 20 da Convenção, que autoriza a recusa do retorno quando incompatível com os princípios fundamentais do Estado requerido em matéria de direitos humanos.

Lembrou ainda que a CF assegura prioridade absoluta à proteção da infância (art. 227) e funda-se na dignidade da pessoa humana e na prevalência dos direitos humanos (arts. 1º, III, e 4º, II).

No dispositivo, julgou parcialmente procedente a ADIn 4.245 e procedente a ADIn 7.686, para:

  • conferir interpretação conforme aos arts. 1º, 7º, 11 e 18 da Convenção, de modo que o retorno imediato e medidas de urgência só possam ser determinados após análise das peculiaridades do caso concreto e prévio contraditório;
  • ao art. 12, para que a presunção temporal do retorno seja relativizada diante do melhor interesse da criança;
  • ao art. 13.1.b, para explicitar que a suspeita, a probabilidade ou a evidência de violência doméstica contra a mãe, ou a criança configuram risco suficiente a afastar o retorno; e
  • aos arts. 7º, f, e 21, permitindo que a União se abstenha de ajuizar ações quando houver indícios de violência, limitando-se a intermediar o acesso das partes à advocacia privada.

Além disso, votou por providências estruturais:

  • que Presidência da República e Itamaraty estabeleçam, em até seis meses, protocolos de acolhimento e atendimento a brasileiras vítimas de violência no exterior;
  • que o ministério da Justiça adeque a portaria 688/24 para incluir procedimentos específicos nos casos com alegações de violência doméstica; e
  • que o CNJ atualize a resolução 449/22, à luz das diretrizes fixadas no julgamento.

Veja trecho do voto:

Sugestões

Ministro Flávio Dino acompanhou integralmente o relator, mas apresentou sugestões pontuais para aprimorar a interpretação da Convenção da Haia consoante a CF.

S. Exa. destacou que o tema envolve diretamente as relações internacionais do Brasil, devendo ser observado o art. 4º da CF, mas sem afastar a prevalência dos direitos humanos e o princípio do melhor interesse da criança (art. 227).

Entre as contribuições, Dino defendeu que a noção de "retorno imediato" prevista na Convenção não pode ser compreendida como execução automática, mas deve sempre respeitar o contraditório e a ampla defesa.

Para o ministro, a análise judicial deve obrigatoriamente percorrer as exceções previstas no art. 13, tal como interpretadas pelos votos de Barroso e Toffoli, de modo a evitar decisões apressadas que resultem em "cenas de terror" com a retirada repentina de crianças de suas mães.

Outro ponto relevante foi a crítica ao papel da AGU. Dino considerou incompatível com a CF que a AGU atue como substituta processual do genitor requerente, defendendo que sua atuação deve restringir-se à orientação e facilitação processual, cabendo à DPU a representação de parte hipossuficiente.

Veja o debate após a sugestão:

O ministro também propôs que as medidas de urgência do art. 11 da Convenção não sejam adotadas sem o contraditório, dada a gravidade e a irreversibilidade de decisões que determinam a retirada de crianças.

Por fim, sugeriu interpretação conforme ao art. 12, para que a regra de retorno em até um ano seja lida como faculdade do juiz - "poderá", e não "deverá" -, de modo a preservar a independência judicial e garantir análise do caso concreto.

Rito de aplicação da Convenção

Ministro Cristiano Zanin também acompanhou o relator, mas propôs ajustes voltados à definição de um rito mais claro para aplicação da Convenção da Haia no Brasil.

Destacou que a ausência de um procedimento específico gera insegurança e morosidade, e sugeriu que o Congresso Nacional edite lei própria para regulamentar o tema, à semelhança do Uruguai, que desde 2012 dispõe de norma com prazos, audiências e perícias.

Veja o momento:

Zanin aderiu à interpretação extensiva do art. 13.1.b, reconhecendo que a violência doméstica contra a mãe pode justificar a não devolução da criança.

No entanto, sugeriu parâmetros práticos para os magistrados: três cenários possíveis após o contraditório: (i) quando não há indícios de exceção, o retorno deve ser determinado de forma célere; (ii) quando a exceção está comprovada, deve-se permitir a permanência no Brasil; (iii) quando houver dúvida razoável, caberá dilação probatória antes da decisão final.

O ministro também defendeu que, se for reconhecida a devolução, a Justiça brasileira não terá competência para decidir sobre guarda, cabendo ao país de residência habitual fazê-lo. Em contrapartida, se ficar configurada uma exceção à restituição, a jurisdição brasileira poderá julgar o mérito do direito de guarda, evitando contradições.

Por fim, propôs interpretação conforme ao art. 16 da Convenção, para admitir a competência da Justiça brasileira sobre guarda em situações excepcionais: quando o retorno não se concretizar pelas exceções previstas ou quando houver decurso de tempo razoável sem manifestação do país de residência habitual.

Violência contra a mãe se estende à família

Ministro André Mendonça acompanhou o relator e destacou o papel central das "mães de Haia" na sensibilização do Supremo para os limites da aplicação automática da Convenção.

Para S. Exa., a violência contra a mãe deve ser reconhecida como violência contra a criança, por não ser possível dissociar os efeitos da agressão no âmbito familiar.

"Não há como, num quarto, se agredir uma mulher e não se agredir, na casa, toda a família", afirmou.

Confira:

Mendonça enfatizou a importância de estruturar protocolos de atendimento a brasileiras vítimas de violência no exterior, por meio de consulados e embaixadas, que muitas vezes constituem o único ponto de apoio em contextos de vulnerabilidade, barreiras linguísticas e dependência financeira.

Endossou, nesse ponto, a proposta já levantada no voto de Toffoli, sugerindo que a medida seja incorporada como diretriz obrigatória da atuação diplomática brasileira.

O ministro também divergiu parcialmente de Flávio Dino quanto ao papel da AGU.

Para Mendonça, a AGU tem competência para representar o Estado nesses processos, mas deve regulamentar sua atuação de modo a reavaliar a representação quando surgirem elementos claros de violência doméstica ou contra crianças.

Nesses casos, entendeu que a instituição não teria o dever de manter a defesa do requerente, evitando, assim, reforçar situações de abuso sob o pretexto de cumprir a Convenção.

Veja:

Ao final, Mendonça alinhou seu voto às teses do relator e aos acréscimos propostos por Toffoli e Zanin, defendendo uma interpretação que concilie reciprocidade internacional com a prioridade absoluta dos direitos da criança e a proteção da mulher em situação de violência.

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