Cármen Lúcia diz que juízes evitam atuar em varas de violência doméstica
Durante sessão, ministra expõe preocupação com falta de estrutura e resistência de juízes nessas varas "porque é difícil lidar com isso, com essa dor, com esse sangue que está quase escorrendo ali nos processos."
Da Redação
quinta-feira, 21 de agosto de 2025
Atualizado às 18:42
Na sessão plenária desta quinta-feira, 21, o STF deu continuidade ao julgamento das ADIn 7.686 e ADIn 4.245, que trata da obrigatoriedade de retorno ao exterior de crianças trazidas ao Brasil por um dos genitores sem autorização do outro, nos termos da Convenção de Haia, quando houver indícios de violência doméstica.
Durante o debate, a ministra Cármen Lúcia expressou preocupação com a proposta de transferir à Justiça Federal a competência para julgar casos envolvendo o retorno internacional de crianças em contextos de violência doméstica.
Cármen afirmou que, além da falta de estrutura adequada para o atendimento humanizado de mulheres e crianças, muitos magistrados resistem a assumir varas de violência doméstica, em razão da complexidade e da carga emocional desses processos.
"Processos escorrem sangue"
Segundo a ministra, embora a Justiça Estadual tenha registrado avanços nos últimos anos - com a criação de varas especializadas e a capacitação de magistrados para lidar com temas sensíveis como violência doméstica e escuta protegida de menores - ainda persistem dificuldades para manter e expandir essas estruturas.
Parte dos entraves, afirmou, decorre da complexidade emocional desses casos e da resistência de alguns juízes em assumir esse tipo de demanda.
"É extremamente difícil, há muitos juízes que nem querem, porque é difícil lidar com isso, com essa dor, com esse sangue que está quase escorrendo ali nos processos."
Relatou que, em diversas situações, juízes preferem aguardar outras lotações a serem designados para as varas de violência doméstica contra a mulher.
"Nós tivemos muitos casos de juízes que, quando são designados, por exemplo, para a capital, é para uma vara de combate à violência - [e dizem] não quero, prefiro ficar esperando outra vaga. Porque é toda uma especialização que é dada, e eu acho que isso é uma humanização do Poder Judiciário."
"Jurisdição que dói em mim"
Cármen reconheceu que o atendimento ainda é insuficiente mesmo no âmbito estadual. Então, avaliou que atualmente não há estrutura material e humana suficientes para transferir esses casos para a Justiça Federal, pois isso poderia acarretar prejuízos ao atendimento das vítimas.
"Então, sem embargo, de jeito nenhum de desconsiderar o que o ministro Flávio acaba de dizer, que melhor seria ter realmente a unificação, eu não vejo as condições humanas e materiais para, de pronto, a gente adotar isso, retirar do cuidado com crianças, com mulheres que estão fragilizadas por essas condições."
Ao final, enfatizou a complexidade e a delicadeza desses processos, que, segundo ela, exigem soluções que considerem não apenas a legalidade, mas também a dimensão humana.
"Por isso é que eu digo que esses casos são a jurisdição que dói em mim, todas as vezes que eu tenho que cuidar de um caso desse, isso acaba me fazendo mal, porque não tem solução ótima, nós estamos tentando a solução dentro da constituição que seja mais humana para todo mundo, não é simples."