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Sessão

STF julga exigência de consulta a indígenas em obras públicas

O julgamento foi interrompido e ainda não tem previsão para ser retomado.

Da Redação

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Atualizado às 18:40

STF iniciou, nesta quarta-feira, 3, o julgamento da ADIn 5.905, proposta pela então governadora de Roraima, Suely Campos, que questiona a exigência de consulta prévia às comunidades indígenas para a instalação de equipamentos de energia elétrica, redes de comunicação, estradas e demais construções voltadas à prestação de serviços públicos.

O relator da ação, ministro Luiz Fux, apresentou nesta sessão o relatório do caso. O julgamento prosseguiu com as sustentações orais das partes e em seguida foi suspenso.

O caso

Na ação, a então governadora impugna trechos do Decreto Legislativo 143/02 e do Decreto 5.051/04, que incorporaram ao ordenamento jurídico brasileiro a Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais.

Os dispositivos preveem a necessidade de consulta prévia às comunidades indígenas, por meio de suas instituições representativas, sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetá-las diretamente.

A chefe do Executivo estadual argumenta que condicionar a execução de obras públicas à consulta tem provocado sérios entraves ao desenvolvimento socioeconômico de Roraima. Como exemplo, cita a paralisação da obra de interligação do "Linhão de Tucuruí" ao Estado, suspensa por decisão da Justiça Federal até que seja comprovada consulta efetiva à comunidade Waimiri Atroari.

Segundo a ação, a falta da obra mantém Roraima dependente de um fornecimento precário de energia, hoje suprido pelo Sistema de Interligação Brasil/Venezuela e por usinas termelétricas movidas a óleo diesel.

Para a governadora, as normas questionadas afrontam a Constituição, que garante soberania e independência nas relações internacionais, além de reconhecer que as terras indígenas são bens da União.

Ela ainda evoca a condicionante 17 fixada no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que veda ampliação de áreas já demarcadas, e sustenta que a consulta não pode esvaziar a autonomia estadual nem inviabilizar o desenvolvimento regional.

Nos pedidos, busca-se a declaração de inconstitucionalidade parcial dos dispositivos da Convenção 169 promulgados pelos decretos, em especial os artigos que impõem a consulta prévia em projetos de infraestrutura.

 (Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

STF julga exigência de consulta a indígenas em obras públicas.(Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Sustentação oral

O Procurador do Estado de Roraima, Edival Braga, defendeu a necessidade de o Supremo fixar parâmetros claros sobre a aplicação da Convenção 169 da OIT. Ele destacou que o tema vai além da execução de obras públicas e diz respeito à relação estrutural entre o Estado brasileiro e os povos indígenas.

Braga afirmou que a história revela negligência sistemática do Estado na realização de consultas prévias, normalmente feitas apenas após decisões judiciais. Defendeu que a consulta deve ocorrer antes mesmo de estudos de viabilidade econômica, seguindo protocolos estabelecidos pelas próprias comunidades indígenas.

O procurador diferenciou a obrigatoriedade da consulta do efeito de seu resultado. Para ele, a consulta deve sempre ocorrer, mas seu resultado só teria caráter vinculante quando os impactos negativos superarem os benefícios para a comunidade indígena afetada. 

Por fim, Braga pediu que o STF estabeleça balizas constitucionais, garantindo o respeito à autodeterminação dos povos indígenas, mas também permitindo o desenvolvimento sustentável da região amazonica.

Já representando a Advocacia-Geral da União, Marcelo Vinícius Miranda Santos, defendeu a plena compatibilidade da Convenção 169 da OIT com a Constituição Federal. Ressaltou que a exigência de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais não representa obstáculo ao desenvolvimento, mas sim uma expressão do princípio democrático, fortalecendo a participação dos diretamente afetados.

O advogado destacou que a CF/88 já consagra mecanismos de proteção aos povos originários, e que a consulta não implica poder de veto absoluto, mas obriga o Estado a dialogar de boa-fé. Recordou ainda julgados recentes do STF, como o Tema 1031 (marco temporal), que reforçaram a necessidade de inclusão efetiva dessas comunidades nos processos decisórios.

Para a AGU, reconhecer a incompatibilidade da Convenção com a Constituição significaria um retrocesso institucional, afetando a segurança jurídica e a imagem internacional do Brasil.

Por isso, pediu a improcedência da ação e a reafirmação da validade das normas questionadas.

Amicus curiae

Representando como amicus curiae a Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N'Golo) e a Malungu - Coordenação das Associações de Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará, o advogado Carlos Frederico de Sousa defendeu a centralidade da Convenção 169 da OIT na proteção de povos e comunidades tradicionais.

Ele ressaltou que o tratado internacional já foi reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como instrumento fundamental para a América Latina, inclusive em casos envolvendo povos não signatários, como no precedente Saramacá x Suriname.

Para o advogado, a consulta prévia prevista na Convenção é mecanismo indispensável para avaliar os impactos que obras e medidas administrativas podem causar na relação desses povos com seus territórios e com a natureza, sob pena de violação grave a direitos fundamentais.

Destacou ainda que a ação proposta pelo Estado de Roraima é inadequada, já que a Convenção 169 integra o bloco de constitucionalidade brasileiro e constitui um dos pilares das garantias de direitos humanos.

Defendeu, por isso, o arquivamento da ação, frisando que a consulta não significa um simples consentimento ou veto, mas sim um processo de avaliação dos impactos ambientais e sociais, essencial em tempos de emergência climática.

Já o advogado Ricardo Sobrinho, representando a APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil como amicus curiae, abriu sua sustentação oral citando precedente da ADIn 3.239, na qual o STF reconheceu que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil possuem natureza supralegal e, em determinadas hipóteses, caráter materialmente constitucional.

Defendeu que a Convenção 169 da OIT se insere nesse contexto, pois encontra respaldo no art. 5º, § 2º da Constituição, que admite a incorporação de direitos oriundos desses tratados.

Rebateu, assim, o argumento de Roraima de que haveria violação à soberania, sustentando que, ao contrário, há o cumprimento de compromissos constitucionais e internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

Para ele, a Convenção 169 é um instrumento fundamental de democratização, assegurando participação dos povos indígenas nas decisões administrativas e legislativas que afetam seus territórios, modos de vida e cultura, além de reafirmar o fim do regime tutelar superado pela Constituição.

Ricardo citou também que no caso Saramaka x Suriname, a Corte Interamericana de Direitos Humanos defendeu a necessidade não apenas da consulta, mas do consentimento livre, prévio e informado das comunidades afetadas.

Por fim, enfatizou a relevância da defesa dos direitos indígenas diante da crise climática, lembrando que as terras indígenas cumprem papel essencial como política de mitigação, e concluiu afirmando que resguardar os direitos dos povos indígenas é também resguardar o futuro do país.

No mesmo sentido, o advogado Gabriel Sampaio, representando a Comissão ARNS, defendeu a plena validade da Convenção 169 da OIT.

Ele afirmou que a norma integra o bloco de direitos humanos e está ligada ao projeto democrático inaugurado pela Constituição, marcado pela superação de períodos de autoritarismo, genocídio e extermínio de povos indígenas.

Destacou ainda que a discussão não é sobre a existência ou não de direito de veto, mas sobre como o Estado pretende construir seu desenvolvimento e sua democracia, ressaltando que a consulta prévia às comunidades não é obstáculo, mas elemento de qualificação dos projetos públicos.

Segundo o advogado, a convenção concretiza os direitos previstos no art. 231 da Constituição e serve como parâmetro para leis e atos administrativos, assegurando democracia participativa e lugar de fala aos povos indígenas. 

Representando a defensoria pública da União, Gustavo Zortéa afirmou que, em um Estado pluriétnico, não se pode negar às comunidades indígenas, quilombolas e povos tradicionais o direito à consulta prévia, instrumento que dá voz a seus anseios e posiciona essas populações perante o Estado.

Nesse sentido, destacou que não há como prevalecer um modelo democrático se houver imposição de silêncio e indiferença, ainda que em nome de empreendimentos ligados ao suposto desenvolvimento nacional.

Para ilustrar, citou o caso da hidrelétrica de Teles Pires, entre Pará e Mato Grosso, em que corredeiras sagradas para o povo Munduruku foram inundadas e urnas funerárias retiradas sem qualquer consulta, comparando a situação à destruição de templos católicos sem diálogo prévio.

Assim, concluiu que a Convenção 169 da OIT foi validamente incorporada ao ordenamento e sustentou a constitucionalidade da consulta, manifestando-se pela improcedência da ação.

Ainda, segundo a advogada Deborah Duprat, representando a AJD - Associação Juízes para a Democracia, a convenção integra um movimento internacional de descolonização do direito iniciado no fim dos anos 1980, que busca valorizar a diferença e o pluralismo, assegurando que todos os grupos sociais tenham idêntico valor.

Conforme afirmou, a consulta prévia garante aos povos indígenas e tradicionais o controle de sua vida cotidiana, de seu futuro coletivo e de seus próprios projetos de desenvolvimento.

A defensora também relembrou o massacre de mil indígenas Waimiri Atroari na década de 1970, durante a construção da BR-174, ressaltando que, diante desse histórico de violência, a consulta se torna um imperativo ético de reconhecimento do sofrimento e de garantia mínima de sobrevivência frente a novos impactos em sua vida coletiva.

Concluindo as sustentações, o advogado Felipe Costa Camargo, pela CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil, afirmou que a consulta prevista na Convenção 169 da OIT é um instrumento importante, mas que sua aplicação exige segurança jurídica.

O advogado defendeu que o país precisa de parâmetros claros, prazos definidos e hipóteses específicas de incidência para que obras de logística e infraestrutura, essenciais ao desenvolvimento econômico e social, não fiquem paralisadas por falta de regulamentação.

Felipe também argumentou que a consulta deve ser exigida apenas em casos de impacto direto em terras indígenas devidamente homologadas, sob pena de se criar insegurança quanto à extensão e ao número de áreas ainda em processo de demarcação.

Nesse sentido, criticou decisões judiciais que ampliam a exigência para áreas não homologadas ou mesmo em perímetros distantes, como 10 quilômetros de terras indígenas, o que, segundo ele, extrapola o alcance da norma.

Assim, ressaltou que os produtores rurais precisam de clareza para atuar e que a ausência de regulamentação tem levado a atrasos significativos em obras, muitas vezes resolvidos apenas por acordos.

Destacou ainda que a consulta não pode significar poder de veto das comunidades, citando precedente do caso Raposa Serra do Sol em que se reconheceu que, em uma sociedade democrática, ninguém tem poder de veto, embora todos devam ser ouvidos.

Ao final, pediu que o Congresso Nacional edite norma complementar para disciplinar a aplicação da Convenção e, enquanto isso não ocorrer, que o STF estabeleça critérios mínimos e prazos, de modo a garantir segurança jurídica e permitir o andamento de investimentos essenciais.

ADRIANA MARTINS SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA
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Flávia Thaís De Genaro Sociedade Individual de Advocacia

Escritório de advocacia Empresarial, Flávia Thaís De Genaro Sociedade Individual de Advocacia atua nas áreas Civil, Tributária e Trabalhista. Presta consultoria em diversos segmentos da Legislação Brasileira, tais como: Escrita Fiscal, Processo Civil e Alterações do Novo Código de 2002, Falências,...