STJ: Para relator, ministro Teodoro, "Crimes de Maio" não prescrevem
1ª seção iniciou julgamento de prescrição em ação dos "Crimes de Maio".
Da Redação
quinta-feira, 4 de setembro de 2025
Atualizado às 17:52
1ª seção do STJ iniciou julgamento de recurso que discute a prescrição de pedidos de indenização por danos morais e materiais decorrentes de ações policiais durante os chamados "Crimes de Maio", ocorridos em São Paulo em 2006.
O caso, sob relatoria do ministro Teodoro Silva Santos, envolve ação civil pública movida contra o Estado de São Paulo, visando reparações por danos individuais e coletivos.
Após voto do relator pela imprescritibilidade da ação, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Marco Aurélio Bellizze.
"Crimes de Maio"
Os chamados "Crimes de Maio" consistiram em uma onda de violência iniciada com ataques do PCC - Primeiro Comando da Capital contra forças de segurança, seguida por forte reação policial.
Em poucos dias, mais de 500 pessoas foram mortas, muitas em circunstâncias suspeitas, sobretudo jovens da periferia.
Os episódios, considerados um dos mais violentos da história recente do Estado, geraram denúncias de execuções sumárias, mobilizaram familiares das vítimas e continuam sendo alvo de investigações, ações judiciais e debates sobre segurança pública e violações de direitos humanos.
Debate no STJ
Em 1ª instância, a Justiça paulista considerou aplicável o prazo prescricional de cinco anos, conforme o decreto 20.910/32, reconhecendo a prescrição da ação, ajuizada 12 anos após os dias de terror. A decisão foi confirmada pelo TJ/SP.
No STJ, a Defensoria Pública e o MP/SP defendem que os pedidos são imprescritíveis, em razão da gravidade das violações de direitos humanos atribuídas aos fatos.
Sustentações orais
Em sessão nesta quinta-feira, 4, o defensor público Rafael Muneratti argumentou que não se trata de discutir a responsabilidade do Estado, mas sim de afastar a prescrição quinquenal prevista no decreto 20.910/32, pois as vítimas e familiares, em situação de vulnerabilidade e diante de um verdadeiro estado de exceção, não tinham condições de reunir provas ou ingressar com ações no prazo de cinco anos.
Muneratti enfatizou que não houve inércia das vítimas dos crimes, mas sim impossibilidade de buscar reparação diante do contexto de exceção e da vulnerabilidade social, uma vez que dependiam do próprio Estado para propor ações.
Assim, destacou que a demora no ajuizamento decorreu da complexidade dos fatos e da falha sistêmica das instituições estatais, razão pela qual não pode o Estado se valer de suas próprias falhas para se eximir de responsabilidade.
Também defendeu que a prescrição só pode ser aplicada em tempos de normalidade e não em situações de graves violações de direitos humanos, sustentando a imprescritibilidade das ações coletivas no caso concreto.
No mesmo sentido, o advogado Gabriel Sampaio, representando a Conectas Direitos Humanos e o movimento independente Mães de Maio como amicus curiae, afirmou que o caso dos Crimes de Maio representa um dos maiores crimes cometidos pelo Estado de São Paulo, ressaltando a luta das mães que perderam filhos e netos em execuções.
Ele citou exemplos como Rogério, gari morto enquanto trabalhava, e Ana Paula, grávida de nove meses, ambos executados em 2006, destacando que, além da violência, suas famílias sofreram humilhações e omissões do Estado.
O defensor lembrou que o próprio MP reconheceu a falha estrutural do Estado e a existência de grupos de extermínio, bem como a ausência de preservação de provas nos casos investigados.
Também defendeu que graves violações de direitos humanos, como no caso, são imprescritíveis, tanto à luz da jurisprudência do STJ quanto de precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Para ele, apenas o reconhecimento da imprescritibilidade permitirá reparação às vítimas, dignidade às famílias e impedirá a repetição de tragédias, como as que marcaram os Crimes de Maio.
Já o procurador Francisco Maia Braga, representando a Fazenda Pública de SP, contestou a tese de imprescritibilidade.
Francisco alertou que tornar imprescritível toda violação a direitos fundamentais levaria a extremos e violaria a segurança jurídica.
Também destacou que não há prova nos autos de ação ou omissão ilícita de agentes do Estado, sendo a ação baseada apenas em reportagens e estudos sociológicos, o que inviabiliza a responsabilização civil, razão pela qual pediu o não conhecimento ou, subsidiariamente, a rejeição do recurso.
MP
Representando o Ministério Público, o subprocurador-geral da República Brasilino Pereira dos Santos elogiou o trabalho da Defensoria, classificando-o como "heroico" diante da resistência do Estado em enfrentar sua própria responsabilidade pelos Crimes de Maio, e afirmou que aplicar a prescrição de cinco anos seria legitimar a conduta estatal que resultou na morte de pessoas vulneráveis.
Para Brasilino, as violações ocorridas são imprescritíveis, por configurarem crimes de gravidade extrema, ainda mais graves, segundo ele, por terem ocorrido em pleno Estado Democrático de Direito.
Voto do relator
Em voto, o relator, ministro Teodoro Silva Santos, destacou que a análise da imprescritibilidade das ações indenizatórias referentes aos Crimes de Maio não se fundamenta apenas na falta de estrutura das instituições, mas sobretudo em precedentes consolidados da própria Corte.
S. Exa. ressaltou decisões como a do ministro Herman Benjamin, em caso de 1995, que reconheceu a imprescritibilidade de indenizações por graves violações de direitos humanos.
Para o relator, a interpretação da norma infraconstitucional deve se harmonizar com a Constituição e com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, em especial a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Assim, citou que tanto a jurisprudência do STJ quanto da Corte Interamericana apontam que graves violações de direitos fundamentais, como tortura, execuções sumárias e desaparecimentos forçados, não podem ser atingidas por prazos prescricionais, pois isso configuraria violação ao direito à justiça, à verdade e à reparação.
Diante disso, o ministro concluiu que a aplicação do prazo prescricional do decreto 20.910/32 é incompatível com o dever do Brasil de garantir direitos humanos.
Por fim, votou por conhecer e dar parcial provimento ao recurso especial, anulando a sentença de 1ª instância e o acórdão do TJ/SP, para afastar a prescrição e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, a fim de que seja analisado o mérito da ação civil pública.
- Processo: REsp 2.172.497