CNJ determina alteração nos registros de óbito da chacina de Acari
A medida atende à determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Leite de Souza Vs Brasil.
Da Redação
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Atualizado às 09:03
O CNJ aprovou nesta terça-feira, 16, durante a 12ª sessão ordinária, proposta normativa que obriga cartórios de registro civil a emitirem e retificarem os assentos de óbito dos 11 jovens desaparecidos na Chacina de Acari, ocorrida em 1990, no Rio de Janeiro. A medida cumpre determinação da CIDH - Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Leite de Souza vs. Brasil, que reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro por falhas graves na investigação. Familiares das vítimas acompanharam a sessão.
O ato normativo define que os registros devem trazer como causa da morte "não natural, violenta, causada por agente do Estado brasileiro no contexto do desaparecimento forçado das vítimas da Chacina de Acari", e como local do crime "Magé". Devem ainda conter remissão à sentença da CIDH e à lei estadual 9.753/22, que prevê reparação financeira às famílias.
As certidões serão gratuitas, com ressarcimento aos cartórios por fundos próprios, evitando custos às famílias. "Trata-se de medida necessária ao amadurecimento de uma Justiça que valoriza a memória, a verdade e a reparação das graves violações de direitos humanos", afirmou o relator, ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional de Justiça.
Durante o julgamento, o presidente do CNJ e do STF, ministro Luís Roberto Barroso, pediu desculpas em nome do Estado. "Esse é um momento simbólico muito importante, mas é um momento em que o Estado brasileiro pede desculpas às vítimas dessa violência, lamenta que não tenha sido possível evitá-la e que não seja possível repará-la inteiramente", disse.
Garantia de direitos
A medida permitirá aos familiares acessar a indenização prevista pela lei estadual 9.753/22 sem necessidade de ações judiciais. A resolução estabelece um fluxo administrativo padronizado, com base em informações do ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, para evitar a revitimização dos parentes.
O ministro Campbell destacou a importância das especificações nas certidões: "Elas constituem medidas de satisfação e de não repetição. Oficializam a verdade dos fatos, reconhecidos internacionalmente, e conferem aos registros públicos a função de preservar a memória histórica, tal como já se fez em casos como o do jornalista Vladimir Herzog".
O caso Acari
Os 11 jovens desapareceram em julho de 1990, após serem levados por homens encapuzados na Favela de Acari, zona norte do Rio. Investigações apontaram a participação de um grupo de extermínio ligado a policiais militares, conhecido como Cavalos Corredores. Nenhum corpo foi encontrado e ninguém foi responsabilizado.
As vítimas foram Wallace Souza do Nascimento, Hedio Nascimento, Luiz Henrique da Silva Euzebio, Viviane Rocha da Silva, Cristiane Leite de Souza, Moisés dos Santos Cruz, Edson de Souza Costa, Luiz Carlos Vasconcellos de Deus, Hoodson Silva de Oliveira, Rosana de Souza Santos e Antônio Carlos da Silva.
Três anos depois, Edimeia da Silva Euzébio, primeira líder do movimento Mães de Acari, foi assassinada junto com a sobrinha após denunciar policiais envolvidos em grupos de extermínio. Rosângela, sua filha, esteve presente na cerimônia do CNJ.
Aline de Souza, irmã de Wallace, afirmou: "O documento não apaga a dor de anos de busca por justiça. Ainda sentimos a tristeza e o vazio em nossas famílias. Estamos dando seguimento à luta que nossas mães iniciaram com tanta força, com tanta coragem. Com certeza, a certidão é um consolo".
Responsabilidade internacional
A decisão atende à determinação da CIDH, que considerou o Brasil responsável por violações aos direitos à vida, à liberdade, à integridade pessoal e por descumprimento de compromissos previstos em convenções internacionais.
"O caso é de desaparecimento forçado causado por agentes do Estado e não foi devidamente investigado. Por isso, determinou-se uma reparação integral e histórica, que inclui pedido de retratação, acompanhamento médico e psicológico, medidas de não repetição e reparações", explicou o advogado Carlos Nicodemos.
Entre as medidas de reparação estão o pagamento de indenizações por danos materiais e imateriais, a tipificação do desaparecimento forçado no direito brasileiro e um estudo sobre milícias e grupos de extermínio no Rio de Janeiro.
- Processo: 0006629-43.2025.2.00.0000

