Dia nacional da luta da PcD: legislação avança, mas realidade expõe desafios
Apesar da legislação robusta, preconceito e barreiras culturais ainda limitaram a inserção dessa população.
Da Redação
domingo, 21 de setembro de 2025
Atualizado às 09:32
O 21 de setembro, dia nacional da luta da pessoa com deficiência, traz à tona a urgência de transformar direitos garantidos em realidade concreta. Mais do que a celebração de avanços, a data evidencia obstáculos que seguem limitando a participação dessa população no mercado de trabalho.
Dados recentes do IBGE mostram que mais de 14,4 milhões de brasileiros e brasileiras têm algum tipo de deficiência, o equivalente a 7,3% da população com dois anos ou mais. No entanto, levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego revela que, em 2024, apenas 545.940 pessoas com deficiência ou reabilitadas do INSS estavam empregadas formalmente. A distância entre o que a lei prevê e o que se cumpre ainda é expressiva.
"A maior barreira é cultural"
A procuradora do Trabalho Danielle Olivares Corrêa, coordenadora nacional da Coordigualdade no MPT, destaca que o órgão atua tanto na repressão quanto na promoção da igualdade.
"O MPT investiga denúncias contra empresas que não cumprem a cota ou não garantem ambientes de trabalho acessíveis. Quando há descumprimento, buscamos a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Se houver recusa, ajuizamos ação civil pública para assegurar a aplicação da lei."
Para ela, os entraves vão além da arquitetura: estão nos processos seletivos, geralmente inacessíveis, e na ausência de adaptações.
"Também não são fornecidos a quem for contratado recursos de tecnologias assistivas ou adaptações razoáveis no ambiente de trabalho. Com isso, muitas vezes esse trabalhador fica isolado, sem atividade ou fazendo tarefa diferente da sua formação profissional, o que acaba gerando o seu desligamento. A maior queixa é a falta de comunicação adaptada e de treinamento acessível."
Danielle sintetiza: "Estamos imersos em uma cultura estruturalmente capacitista. Embora tenhamos grandes avanços legislativos, com um arcabouço jurídico bastante robusto e protecionista dessa população, nos deparamos com argumentos de toda ordem para evitar essas contratações pelas empresas".
Leis que amparam, mas ainda não bastam
A Constituição assegura dignidade e igualdade de condições, reforçada por normas como:
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Lei de Cotas (lei 8.213/91): exige de 2% a 5% das vagas em empresas com mais de 100 funcionários;
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Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/15): proíbe discriminação e assegura acessibilidade e participação plena;
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CLT: dá prioridade para vagas remotas e veda discriminação salarial;
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Lei 8.112/90: garante horário especial a servidores com deficiência ou com dependentes nessa condição, além de prever até 20% de reserva de vagas em concursos públicos.
Mesmo com esse conjunto, o cumprimento ainda esbarra em resistência das empresas e na falta de fiscalização eficiente.
Transformação pela experiência
A vivência de Luiza Habib, empreendedora e criadora de conteúdo com deficiência, mostra o impacto da inclusão. Ela lembra seu primeiro estágio em uma multinacional.
"A chefe me disse que não iria determinar o que eu podia ou não fazer, mas que estava animada para ver como trabalharíamos juntas. Essa postura me tirou os limites pré-estabelecidos e me mostrou inúmeras possibilidades, sempre com responsabilidade. Descobri que sou muito mais capaz do que imaginava. Além disso, ela me deu liberdade para identificar quais eram minhas reais necessidades no laboratório, sem impor soluções ou presumir o que seria melhor para mim antes que eu mesma dissesse."
Hoje, Luiza lidera a Acessibilizei, que desenvolve planos de aculturamento ESG e projetos de acessibilidade corporativa. Para ela, a mudança começa com um passo simples: agir.
"A transformação mais urgente é simplesmente começar a aplicar a inclusão sem medo. É abrir espaço, investir em acessibilidade e entender que sempre dá para melhorar. Esse acesso precisa ser visto como direito, não como custo extra."
Ela ainda aponta os efeitos coletivos.
"Na indústria de cosméticos, adaptações feitas por minha causa - como mudanças no refeitório e nos banheiros - melhoraram a vida de todos os colaboradores. A presença de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho estimula a inovação, inspira soluções diferentes e contribui para um ambiente mais criativo e humano."
Inclusão como necessidade
Para o MPT, a via mais efetiva de inclusão é a contratação formal, com garantias de direitos. Danielle reforça que o essencial é superar barreiras atitudinais.
"Essa não depende de investimento financeiro, apenas de investimento pessoal, no reconhecimento de que todas as pessoas são plenamente capazes de realizar qualquer atividade desde que para elas sejam oferecidos os suportes e capacitações necessárias".
Luiza conclui a partir da própria trajetória.
"Essa experiência me mostrou que pessoas com deficiência não apenas merecem estar no mercado de trabalho, mas são extremamente necessárias."

