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Dia Internacional

Língua de sinais: Veja como tema avança no Judiciário e Legislativo

Avanços legislativos e decisões judiciais mostram como a Libras fortalece direito à inclusão e ao acesso à Justiça.

Da Redação

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Atualizado às 06:14

Nesta terça-feira, 23 de setembro, comemora-se o Dia Internacional das Línguas de Sinais.

A data, criada pela ONU em homenagem à fundação da Federação Mundial dos Surdos em 1951, é mais do que um marco simbólico: representa a luta por inclusão, acessibilidade e efetivação de direitos.

No Brasil, a Libras (Língua Brasileira de Sinais) conquistou, nas últimas décadas, espaço cada vez maior no Judiciário e no Legislativo.

Veja como o tema avança nessas frentes.

 (Imagem: Arte Migalhas)

23 de setembro é o Dia Internacional da Linguagem de Sinais.(Imagem: Arte Migalhas)

Marcos legislativos

Em termos legislativos, o marco inicial foi a lei 10.436/02, que reconheceu a Libras como meio legal de comunicação e expressão.

O texto abriu caminho para políticas públicas de inclusão, consolidando o direito de pessoas surdas ao acesso à comunicação em diferentes setores da sociedade.

Em seguida, o decreto 5.626/05 regulamentou a lei, estabelecendo a presença de intérpretes em instituições de ensino e órgãos públicos, além de diretrizes para a formação desses profissionais.

A norma foi decisiva para a efetiva incorporação da Libras ao cotidiano educacional e administrativo.

A regulamentação avançou em 2010 com a lei 12.319, que disciplinou a profissão de tradutor e intérprete de Libras, atribuindo funções e exigências de formação.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/15) reforçou esse arcabouço, assegurando acessibilidade comunicacional como direito fundamental.

Marcos normativos

No âmbito do Judiciário, o CNJ editou a resolução 230/16, consolidando regras de acessibilidade e determinando que tribunais mantenham ao menos 5% de servidores capacitados em Libras, além de criar comissões permanentes de inclusão.

À época, a relatora da medida, ministra Nancy Andrighi, enfatizou que tais determinações não são concessões, mas "obrigação constitucional".

Mais recentemente, em 2023, o CNJ lançou o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, voltado a aproximar a Justiça da sociedade.

O documento prevê a simplificação da linguagem das decisões e o uso de recursos como Libras e audiodescrição.

Para o presidente do STF e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, a clareza é indispensável:

"As pessoas frequentemente não entendem o que o Judiciário faz. É preciso que o Judiciário consiga se comunicar melhor com a sociedade, inclusive explicando melhor suas decisões."

No âmbito do STJ, a preocupação com acessibilidade também resultou em medidas administrativas.

Em 2019, foi editada a instrução normativa 19, assinada pelo então presidente João Otávio de Noronha, para disciplinar a acessibilidade de advogados com deficiência ou mobilidade reduzida nas salas de julgamento.

O ato prevê a eliminação de barreiras arquitetônicas e comunicacionais, a disponibilização de informações em formatos acessíveis e a aplicação do conceito de desenho universal nos ambientes do Tribunal.

Nas salas de julgamento, foram reservados espaços com visibilidade adequada e assentos para pessoas com deficiência.

A norma também assegura adaptações específicas para a sustentação oral: o advogado pode solicitar, com antecedência, o apoio necessário por meio do portal do STJ.

O serviço permite informar o tipo de deficiência e o suporte requerido, garantindo condições plenas para o exercício da atividade profissional.

O desafio de traduzir o "juridiquês"

O uso da Libras no STF também já revelou os limites e desafios da interpretação jurídica.

Durante o julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, em 2021, os intérpretes de Libras tiveram de traduzir não apenas termos técnicos, mas também o tom acalorado do debate entre os ministros.

Em determinados momentos, como quando o ministro Gilmar Mendes se manifestou de forma enfática e gesticulada, os intérpretes recorreram a expressões corporais e faciais para transmitir às pessoas surdas não só o conteúdo jurídico, mas a intensidade das falas.

Relembre:

A experiência reforçou a importância da acessibilidade comunicacional plena, indo além da simples tradução literal.

Nesse mesmo contexto, o STF lançou a série "Direito em Libras", que busca criar um glossário jurídico específico na língua de sinais.

Em vídeos curtos, foram desenvolvidos sinais próprios para termos como "ação", "recurso", "lide" e "ajuizar", aproximando a linguagem do Direito da realidade da comunidade surda e contribuindo para sua inclusão efetiva.

Falando em Judiciário...

Diversos episódios recentes evidenciam como a Libras tem se consolidado no sistema de Justiça brasileiro, ampliando a inclusão e o acesso à cidadania.

Em 2017, o município de Itabuna/BA sediou o primeiro Júri do país com tradução em Libras, presidido pela juíza de Direito Andrea Brito e acompanhado por dezenas de pessoas surdas.

Em 2019, no Acre, uma audiência de custódia também foi realizada com interpretação em Libras.

Veja:

No mesmo ano, em São Miguel Paulista/SP, o juiz de Direito Trazibulo José Ferreira da Silva determinou a presença de intérprete em audiência cível, após recurso interposto por um homem com deficiência auditiva.

O magistrado invocou o Estatuto da Pessoa com Deficiência para assegurar a efetiva comunicação durante o ato processual.

Casos mais recentes reforçam essa evolução.

Em 2023, na 1ª vara do Trabalho de Goiânia/GO, um trabalhador venezuelano surdo pôde expor sua versão com o auxílio de servidor capacitado em Libras. Para a juíza do Trabalho Alciane Carvalho, que conduziu a sessão, a experiência demonstrou a importância de romper barreiras linguísticas para garantir voz a quem dificilmente seria ouvido.

O TJ/SP também tem decisões paradigmáticas.

Em 2024, a 6ª câmara de Direito Público fixou que a ausência de intérprete na rede municipal de apoio viola o princípio do mínimo existencial, determinando a disponibilização de profissional em órgãos de assistência social.

Já em 2025, a Corregedoria-Geral da Justiça afastou a exigência de diploma universitário específico para atuação de intérprete em cerimônia de casamento civil, reconhecendo que a lei 12.319/10 admite formação técnica de nível médio para o exercício da profissão.

Na Câmara

A Câmara dos Deputados concentra um número expressivo de proposições voltadas à Libras. São mais de duzentos projetos em tramitação, revelando a recorrência do tema e sua transversalidade em áreas como educação, cultura, saúde, consumo e tecnologia.

Educação

Diversas iniciativas buscam fortalecer o ensino bilíngue.

O PL 1.923/25, da deputada Carla Dickson, prevê a criação de escolas bilíngues de referência para surdos em municípios com mais de 50 mil habitantes.

Já o PL 2.534/25, do deputado Léo Prates, institui programa de combate ao cyberbullying contra pessoas com deficiência, com recursos em Libras.

Há também projetos que chegam ao ensino superior, como o PL 2.537/23, que inclui a disciplina de Libras nos cursos da área da saúde.

Cultura e eventos 

O PL 3.864/25, da deputada Andreia Siqueira, exige intérpretes em eventos culturais financiados com recursos públicos, enquanto o PL 4.079/24, do deputado Coronel Chrisóstomo, torna obrigatória a presença de intérprete em comícios e atos eleitorais.

Serviços públicos e saúde.

A pauta da acessibilidade também se estende ao setor público.

O PL 576/25, dos deputados Duda Ramos e Duarte Jr., garante intérprete em maternidades e hospitais, enquanto o PL 4.638/25, da deputada delegada Katarina, determina canais de atendimento acessíveis em serviços de urgência e emergência, com videochamadas em Libras.

Já o PL 474/23, do deputado Marx Beltrão, obriga hospitais públicos a fornecer intérprete quando solicitado pela parturiente.

Direitos e identidade

Algumas proposições têm enfoque cultural e identitário. O PL 4.579/25, do deputado Fred Costa, cria a chamada "Identidade Surda", reconhecendo a dimensão linguística e cultural da comunidade e vedando o uso do termo "surdo-mudo" em documentos oficiais.

O PL 4.869/23, do deputado Marco Brasil, por sua vez, proíbe a substituição de intérpretes humanos por ferramentas de inteligência artificial em produções audiovisuais.

Consumo e tecnologia

O acesso à informação também aparece entre as preocupações legislativas. O PL 2.035/25, do deputado João Daniel, assegura que manuais de instrução tragam versões acessíveis em Libras.

O PL 654/25, do deputado Benes Leocádio, exige atendimento em Libras por videochamada nos serviços de call center.

Já o PL 4.327/24, do deputado Duarte Jr., cria a Lei Nacional de Acessibilidade Digital, impondo tradução automática para Libras em conteúdos audiovisuais.

Esse mosaico legislativo mostra que há esforço crescente para incorporar a Libras em diferentes dimensões da vida pública e privada, reconhecendo-a como ferramenta de cidadania.

No Senado

No Senado Federal, levantamento realizado na aba Atividade Legislativa do portal da Casa, com a palavra-chave Libras, identificou proposições que reforçam o papel da língua de sinais como instrumento de acessibilidade comunicacional.

O registro mais antigo é o PL 52/16, do senador Ciro Nogueira, que prevê a obrigatoriedade de tradução e interpretação em eventos oficiais. A matéria aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça desde 2023.

A partir de 2019, novas iniciativas surgiram.

O PL 5.188/19, da senadora Mara Gabrilli, determina intérpretes em audiências públicas e sessões legislativas.

A proposição já consta como "matéria com a relatoria", expressão que indica que um parlamentar foi designado para elaborar parecer na comissão.

No mesmo ano, a senadora Zenaide Maia apresentou o PL 5.961/19, que insere Libras no currículo do ensino fundamental e médio, mas que ainda não recebeu relatoria.

Outra proposta é o PL 6.036/19, do senador Veneziano Vital do Rêgo, que concede pontuação adicional em concursos públicos a candidatos com proficiência em Libras, iniciativa que permanece parada na CCJ desde 2020.

Mais recentemente, o senador Jorge Kajuru apresentou o PL 5.145/20, que sugere legendagem descritiva em filmes e transmissões audiovisuais, reforçando o princípio da acessibilidade comunicacional.

Apesar da constância das iniciativas, a maioria dos projetos enfrenta longos períodos de espera para designação de relatoria ou avanço nas comissões, revelando que o ritmo do processo legislativo nem sempre acompanha a urgência da pauta da inclusão.

Pauta cidadã

A trajetória da Libras no Brasil é marcada por avanços graduais, mas consistentes.

Da sua consagração como meio legal de comunicação em 2002 à multiplicação de projetos legislativos e decisões judiciais que a incorporam no cotidiano institucional, a língua de sinais consolidou-se como elemento indispensável de cidadania.

Ainda há desafios evidentes, como a morosidade na tramitação de projetos no Congresso e a resistência pontual na implementação de políticas de acessibilidade.

No entanto, cada decisão que garante intérprete em uma audiência, cada lei que amplia a presença da Libras na educação, cada norma administrativa que assegura espaços inclusivos no Judiciário representa um passo concreto na construção de uma sociedade mais igualitária.

No Dia Internacional das Línguas de Sinais, a reflexão vai além da celebração simbólica: trata-se de reconhecer que a inclusão comunicacional não é concessão, mas exigência constitucional, ligada à dignidade da pessoa humana e à igualdade de oportunidades. 

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