STF: Gilmar vê violação de foro e vota por anular ação contra procurador
Em voto, ministro apontou desrespeito ao juiz natural e excesso de prazo.
Da Redação
terça-feira, 23 de setembro de 2025
Atualizado às 16:52
A 2ª turma do STF começou a analisar duas ações ligadas a supostas fraudes em licitações no Detran de Goiás.
O relator, ministro Gilmar Mendes, apresentou voto pelo desprovimento dos recursos da PGR, reconhecendo nulidades na condução das investigações e reafirmando a necessidade de arquivamento dos procedimentos.
Ministro Dias Toffoli acompanhou integralmente o relator, enquanto ministro André Mendonça pediu vista, suspendendo o julgamento.
Contexto processual
Na Rcl 42.868, o procurador do Estado de Goiás contestou decisão do TJ/GO que afastou seu foro por prerrogativa de função ao declarar inconstitucional o art. 46, VIII, e, da Constituição goiana.
Em decisão anterior, Gilmar havia reconhecido a prerrogativa e remetido o inquérito 94/15 ao tribunal estadual, mas a PGR recorreu, defendendo a aplicação da jurisprudência do STF, como a AP 937 e a ADIn 6.512, que vedaram a extensão do foro a procuradores estaduais.
Já o HC 192.096 foi impetrado em favor de três investigados e buscava o arquivamento dos inquéritos 94/15 e 07/20 por alegado excesso de prazo.
O relator havia acolhido o pedido, mas o MP interpôs recurso, sustentando que não houve constrangimento ilegal diante da complexidade do caso.
Fundamentos constitucionais
Gilmar iniciou seu voto lembrando que o processo penal, em um Estado democrático de Direito, só é legítimo se observar estritamente o devido processo legal. Citou Aury Lopes Jr. e Luigi Ferrajoli para reforçar a centralidade da garantia do juiz natural, que impede a criação de juízos extraordinários e exige a definição prévia da competência.
Ao analisar a Rcl 42.868, Gilmar Mendes lembrou que o inquérito 94/15 foi instaurado quando estava em plena vigência a previsão constitucional de foro para procuradores de Estado em Goiás, introduzida pela EC estadual 29/01 e validada pelo STF na ADIn 2.587.
Assim, a supervisão das investigações deveria ter cabido ao TJ/GO.
No entanto, medidas de busca e apreensão e bloqueio de bens foram determinadas pelo juízo de 1º grau em 2019, em "flagrante, deliberada e injustificada violação às regras de foro por prerrogativa de função".
Gilmar enfatizou que a decisão posterior da ADIn 6.512 (2020), que declarou inconstitucional o foro para procuradores, não pode retroagir para convalidar atos praticados de forma irregular.
"Não há como reconhecer a posteriori a legitimidade de atos praticados à revelia do controle judicial competente, sob a justificativa de que hoje a Corte entende pela inexistência de foro."
Para o relator, admitir essa retroatividade significaria prestigiar uma atuação abusiva das instâncias inferiores e violar a confiança legítima dos investigados, submetidos por anos a um juízo incompetente.
Veja trecho do voto:
Excesso de prazo e arquivamento
No HC 192.096, Gilmar Mendes tratou do excesso de prazo das investigações.
Destacou que, instaurado em 2015, o inquérito se arrastou por mais de cinco anos sem elementos consistentes para denúncia, com medidas relevantes apenas em 2019.
Amparado no art. 5º, LXXVIII, da CF, incluído pela EC 45/04, o relator reforçou que a garantia da razoável duração do processo também vale para a fase investigativa.
Citando precedentes do STF, concluiu que tanto o inquérito 94/15 quanto o IP 07/20, que se originou a partir dele, apresentaram os mesmos vícios de prolongamento desarrazoado e ausência de justa causa.
Por isso, manteve a decisão de arquivamento em relação a todos os investigados.
Gilmar Mendes votou pelo desprovimento dos agravos da PGR, reconhecendo a nulidade das investigações conduzidas pelo juízo de 1º grau e mantendo o arquivamento dos inquéritos.
- Processos: Rcl 42.868 e HC 192.096.
STF e a prerrogativa de foro de procuradores
O STF historicamente oscilou sobre a validade de dispositivos estaduais que conferiam foro especial a procuradores.
Em 2004, na ADIn 2.587, a Corte declarou inconstitucional apenas o foro de delegados de polícia, mantendo a prerrogativa para procuradores de Estado. Esse entendimento prevaleceu por anos e foi aplicado a investigações iniciadas sob sua vigência.
A partir de 2017, com a decisão na AP 937, o Supremo restringiu o foro de parlamentares Federais e passou a adotar uma leitura mais restritiva das hipóteses de prerrogativa, vedando ampliações não previstas na CF. Esse movimento influenciou tribunais estaduais a afastar previsões locais de foro especial.
O ponto de inflexão ocorreu em 2020, quando o plenário julgou a ADIn 6.512 e declarou inconstitucional a prerrogativa de foro para procuradores de Estado, defensores públicos e membros da Assembleia Legislativa em Goiás.
A decisão firmou a impossibilidade de extensão da prerrogativa por simetria.
Atualmente, portanto, a jurisprudência do STF é de que procuradores de Estado não têm direito a foro por prerrogativa de função, prevalecendo a competência do 1º grau.
Contudo, permanece a discussão sobre os efeitos retroativos dessa decisão em casos iniciados sob a vigência da norma estadual, como ressaltou o ministro Gilmar Mendes em seu voto.






