STJ afasta maus antecedentes por condenação extinta há mais de 10 anos
Por maioria, 5ª turma aplica direito ao esquecimento para afastar incidência de agravante com base em condenação muito antiga.
Da Redação
terça-feira, 21 de outubro de 2025
Atualizado às 18:30
Por maioria, a 5ª turma do STJ concedeu habeas corpus de ofício para afastar a valoração negativa de maus antecedentes em condenação por tráfico de drogas, reconhecendo a impossibilidade de utilizar condenação extinta há mais de dez anos para agravar a pena.
A decisão foi tomada nos termos do voto divergente do ministro Joel Ilan Paciornik, que entendeu ser incompatível com o princípio da razoabilidade e com a vedação constitucional de penas de caráter perpétuo considerar fatos tão antigos na dosimetria.
Ficou vencido o relator, desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti.
Entenda o caso
O recurso foi impetrado em favor de condenado por tráfico de drogas que buscava o reconhecimento da causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da lei 11.343/06 (tráfico privilegiado).
A defesa contestou o uso de condenação anterior, cuja punibilidade havia sido extinta há mais de dez anos, para caracterizar maus antecedentes e, com isso, afastar o redutor. Argumentou que a utilização de fato tão antigo violaria o direito ao esquecimento e a vedação constitucional de penas de caráter perpétuo, pleiteando, assim, o redimensionamento da pena com aplicação do redutor.
O TJ/ES, contudo, negou provimento à apelação, mantendo a condenação e a pena de sete anos de reclusão, em regime inicial fechado, o que levou à impetração do habeas corpus no STJ.
Longo lapso temporal
Em voto-vista, o ministro Joel Ilan Paciornik divergiu do relator ao reconhecer ilegalidade na valoração negativa dos antecedentes, por considerar desarrazoado utilizar condenação extinta há mais de dez anos para agravar a pena.
Destacou que, embora o CP adote o sistema da perpetuidade quanto aos antecedentes, a jurisprudência do STJ vem relativizando essa regra com base na teoria do direito ao esquecimento.
Paciornik citou precedentes das duas turmas criminais do tribunal e o leading case do STF (RE 593.818), que admitiu o afastamento de antecedentes antigos ou desimportantes na dosimetria.
"Em 2023, o STF acolheu embargos de declaração no RE 593.818, considerado como leading case, para esclarecer que não se aplica, ao reconhecimento dos maus antecedentes, o prazo quinquenal da prescrição da reincidência previsto no art. 64, inciso I, do CP, podendo o julgador, de forma fundamentada, eventualmente não promover qualquer incremento na pena-base em razão de condenações pretéritas quando as considerar desimportantes ou demasiadamente distanciadas no tempo. Em consonância com essa orientação, desde então, o STJ tem reafirmado a possibilidade de afastamento dos maus antecedentes muito antigos."
Por fim, observou que a circunstância de o novo delito ser da mesma espécie do anterior não afasta a incidência do direito ao esquecimento, cuja origem está na vedação constitucional de penas de caráter perpétuo.
Assim, votou por dar provimento ao agravo regimental e conceder habeas corpus de ofício, a fim de afastar a valoração negativa dos antecedentes e determinar que o TJ/ES realize novo julgamento da apelação, desconsiderando a condenação anterior.
Paciornik, contudo, não aplicou diretamente o redutor do tráfico privilegiado, que deverá ser reavaliado pela instância de origem.
Direito a esquecimento
O voto foi acompanhado pelos ministros Ribeiro Dantas, Reynaldo Soares da Fonseca e Messod Azulay Neto, todos alinhados à tese da razoabilidade temporal na análise dos antecedentes.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que a interpretação adotada reflete a posição predominante da 5ª e da 6ª turmas:
"Vou acompanhar a divergência (...) que aponta a interpretação que tem prevalecido na quinta e sexta turmas em relação aos antecedentes com fatos tão longínquos que, apesar de não se reconhecer o direito ao esquecimento pela Suprema Corte, isso não pode ensejar a perpetuidade em matéria de antecedentes sem qualquer parâmetro de ponderação ou razoabilidade. E, nesse sentido, o próprio STF tem feito também tal ponderação."
O ministro Ribeiro Dantas também acompanhou a divergência e ponderou sobre a necessidade de certos limites temporais:
"Acho que, quando o Supremo se debruçar novamente e com profundidade sobre o tema, ainda que mantenha a linha atual de que, em princípio, não existe direito ao esquecimento, ele há de estipular padrões e exceções, porque também não pode ser regra absoluta a perduração completa num sistema em que tudo fica registrado ad eternum. Como se diz de brincadeira nas redes sociais, 'os fatos passam, mas o print é eterno'."
Nesse sentido, ressaltou que "o print e a recordação dos registros são úteis em muitos aspectos, mas, às vezes, inviabilizam a vida das pessoas. (...) Afinal de contas, o Direito, observado historicamente, sempre conviveu com prescrições, preclusões, decadências, preempções e outros instrumentos que nos permitem, em muitos casos, deixar o passado no passado para que a gente possa voltar a viver de outra forma."
Assim, por maioria de votos, a 5ª turma do STJ deu provimento ao agravo regimental, reformou a decisão monocrática e concedeu habeas corpus de ofício, nos termos do voto do ministro Joel Ilan Paciornik, que lavrará o acórdão.
Ficou vencido o relator, desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti.
- Processo: HC 986.675




