Juiz que autorizou Uber a negar corrida é acusado de racismo religioso
Magistrado é acusado após decisão que considerou legítima recusa de motorista a corrida com origem em terreiro de Candomblé.
Da Redação
terça-feira, 21 de outubro de 2025
Atualizado em 22 de outubro de 2025 13:15
O MP/PB deverá investigar a conduta do juiz de Direito Adhemar de Paula Leite Ferreira Néto, do 2º JEC de João Pessoa/PB, após acusações de racismo religioso.
A acusação se deu após uma decisão em que o magistrado não viu discriminação religiosa na conduta de motorista da Uber que se recusou a realizar corrida solicitada por uma mãe de santo cuja origem seria um terreiro de Candomblé. O juiz concluiu que a conduta não configurou ofensa ou discriminação, mas sim exercício do direito de liberdade de crença.
O MP/PB abriu procedimento para apurar o caso após ser procurado por uma associação de proteção ao Direito religioso. A informação foi publicada pelo G1.
Entenda
Após ser informado sobre o local de embarque, o motorista enviou a seguinte mensagem à usuária: "Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora".
Na ação, a passageira, mãe de santo, sustentou que a recusa e o conteúdo da mensagem configuraram ofensa à sua honra e à sua liberdade religiosa, violando garantias constitucionais e tratados internacionais. Diante disso, pleiteou indenização por danos morais, afirmando que a negativa de serviço demonstrou intolerância religiosa.
Em defesa, a Uber alegou não ser responsável pela conduta de motoristas parceiros, que atuam de forma autônoma. A empresa argumentou ainda que não houve falha no serviço e que, tão logo tomou conhecimento da mensagem, desativou o motorista da plataforma.
Ao analisar o caso, o juiz reconheceu que a conduta do motorista não configurou ato discriminatório, mas o exercício legítimo do direito à liberdade de crença.
O juiza ainda observou que o sentimento de ofensa manifestado pela usuária diante da expressão "sangue de Cristo tem poder" revelou, na verdade, intolerância por parte da passageira, e não do motorista.
"A autora, a se ver da inicial, ao afirmar considerar ofensiva a ela a frase 'sangue de Cristo tem poder', denota com tal afirmação que a intolerância religiosa vem dela própria, e não do motorista inicialmente selecionado pela ré para transportá-la."
Nas palavras do magistrado, "tolerância não implica aceitação nem convivência, automáticas ou, mesmo, obrigatórias, com crenças de terceiros. Há uma sutil diferença entre respeitar a crença de terceiro e concordar com a crença desse terceiro. Uma crença tolerante prega o respeito e amor a terceiros, mas não prega a concordância com as ideias das crenças de terceiros".
Nesse sentido, e considerando que "o motorista selecionado é livre para aceitar, ou não, as solicitações de transporte", afastou a configuração de ato discriminatório, negando a indenização por dano moral.
Apuração
Ao procurar o MP, o Instituto de Desenvolvimento Social e Cultural Omidewa, associação que questionou a sentença inicialmente, afirmou que a sentença não é somente um erro jurídico, mas também uma manifestação de intolerância religiosa institucionalizada e um falho cumprimento do dever estatal de proteger a liberdade de culto.
A procuradora Fabiana Lobo, responsável pelo caso, determinou que seja enviado ao CNJ para apuração da conduta do juiz, bem como verificação sobre aplicação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial.
- Processo: 0873304-79.2024.8.15.2001
Leia a sentença.





