STF: Maioria nega ação de entidade contra pausa de trabalhadores avícolas
Para ministros, associação não é legitimada para propor ADPF.
Da Redação
segunda-feira, 27 de outubro de 2025
Atualizado às 11:33
STF formou maioria para não admitir ação proposta pela ABPA - Associação Brasileira de Proteína Animal que questiona a aplicação, por analogia, a trabalhadores do setor avícola, do regime de pausas previsto na CLT destinado a datilógrafos e mecanógrafos.
Trata-se de uma pausa de 10 minutos a cada 90 minutos trabalhados, originalmente criada para atividades que exigem esforço repetitivo e atenção contínua, como a datilografia e a escrituração manual.
Até o momento, prevaleceu o voto do relator, ministro Edson Fachin, que não conheceu da ADPF por ilegitimidade ativa da entidade e, superada essa preliminar, julgou improcedente o pedido por ausência de questão constitucional relevante.
O entendimento foi acompanhado pela ministra Cármen Lúcia e pelos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski (aposentado), Flávio Dino e Luís Roberto Barroso (com ressalvas).
Ministro Nunes Marques, que havia pedido vista, divergiu.
O julgamento ocorre no plenário virtual e tem encerramento previsto para o próximo dia 3.
Até essa data, os ministros ainda podem votar, ajustar o voto, pedir vista ou destaque, preservados os posicionamentos dos ministros já aposentados.
Entenda
A ação foi ajuizada pela entidade contra decisões da Justiça do Trabalho que aplicaram, por analogia, o regime de pausas previsto no art. 72 da CLT, destinado a datilógrafos e mecanógrafos, aos trabalhadores do setor avícola.
A ABPA sustenta que decisões de TRTs, especialmente o da 15ª região, violaram preceitos como a legalidade, a livre iniciativa e a separação dos Poderes, ao estenderem o regime de pausas a empregados de frigoríficos e empresas avícolas.
A associação alega que o dispositivo, voltado a trabalhadores de mecanografia, não seria aplicável ao setor e que as empresas já observavam normas específicas, como a NR-36, do ministério do Trabalho, sobre segurança e saúde em frigoríficos.
A PGR e a AGU manifestaram-se pelo não conhecimento da ação, apontando ausência de legitimidade da requerente e de relevância constitucional da controvérsia.
Voto do relator
Ao votar, ministro Edso Fachin destacou que a ABPA não cumpre o requisito de homogeneidade entre seus associados, previsto no art. 103, IX, da CF, por congregar empresas de diferentes ramos econômicos (inclusive laboratórios e fabricantes de insumos), o que afasta sua legitimidade para propor ações de controle concentrado.
O relator também considerou inexistente controversa constitucional relevante, uma vez que a discussão diz respeito à aplicação analógica de dispositivo da CLT, norma infraconstitucional que não gera violação direta à Constituição.
"Não se verifica decisões aptas a desestruturar a ordem jurídica constitucional. [...] A inicial toma o todo pela parte, ao generalizar para diversos tribunais do trabalho entendimento que está circunscrito a um ou outro Regional [...]", afirmou Fachin.
Segundo o ministro, a arguição não observou o princípio da subsidiariedade, pois há na própria Justiça do Trabalho mecanismos de uniformização jurisprudencial capazes de resolver a divergência apontada.
Além disso, a entidade não indicou de forma precisa os atos impugnados, formulando pedidos genéricos contra decisões judiciais trabalhistas, o que inviabiliza o controle abstrato de constitucionalidade.
- Leia o voto.
Acompanhando o relator
Ministro Flávio Dino acompanhou o relator e proferiu voto-vogal.
Para S. Exa., a ABPA não possui pertinência temática nem caráter nacional que a habilite a propor a ação, uma vez que representa diversos segmentos econômicos e não comprovou atuação concreta e efetiva em ao menos nove Estados, como exige a jurisprudência do STF.
"A análise das finalidades estatutárias da ABPA evidenciam que sua atuação institucional volta-se aos temas de projeção nacional e grande escala, relacionando-se com as questões de ordem macroestrutural, os problemas sistêmicos e, de modo geral, as estratégias, políticas e desafios do desenvolvimento e da gestão do setor pecuário nacional, não se restringindo ao setor avícola", escreveu o ministro.
Dino também enfatizou que não foi atendido o princípio da subsidiariedade, pois havia meios processuais ordinários para impugnar as decisões trabalhistas, como recursos nas próprias instâncias da Justiça do Trabalho ou, se fosse o caso, recurso extraordinário ao STF.
Além disso, ressaltou que a tese firmada no Tema 1.046 da repercussão geral já solucionou a controvérsia ao reconhecer a validade das normas coletivas que limitam direitos trabalhistas, desde que respeitem direitos absolutamente indisponíveis. Assim, a ADPF seria apenas um "sucedâneo recursal" indevido.
"[...] eventual desrespeito à tese firmada sob a sistemática da repercussão geral poder ser questionada pelas vias recursais ordinárias ou, até mesmo, por meio do recurso extraordinário, não cabendo o emprego da arguição de descumprimento de preceito fundamental como inadmissível sucedâneo recursal", concluiu.
- Veja o voto.
Ressalva
Ao acompanhar o relator, ministro Luís Roberto Barroso (atualmente aposentado) apresentou ressalva de fundamentação.
Embora tenha concordado com a ilegitimidade ativa da associação e com o não cabimento da ADPF, Barroso discordou do argumento da "ofensa reflexa à Constituição" utilizado no voto de Fachin.
Para o ministro, decisões da Justiça do Trabalho que afastam indevidamente normas coletivas podem, em tese, configurar violação direta à CF, sobretudo aos princípios da livre negociação coletiva e da autonomia sindical.
Ainda assim, entendeu que não havia padrão decisório uniforme na Justiça do Trabalho nem controvérsia constitucional relevante a justificar o controle concentrado.
Barroso também destacou que o Supremo já reconheceu a validade dos acordos e convenções coletivas na repercussão geral (Tema 1.046, ARE 1.121.633), fixando a tese de que são constitucionais os ajustes que, dentro da adequação setorial negociada, limitem ou afastem direitos trabalhistas, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
"Entendo que as decisões da Justiça do Trabalho que afastam, indevidamente, a incidência de normas coletivas afrontam diretamente preceitos constitucionais", afirmou o ministro.
- Confira a íntegra do voto.
Divergência
Ministro Nunes Marques, que havia pedido vista da ação, por sua vez, entendeu que a ABPA tem legitimidade ativa para propor a ação e que a questão constitucional é relevante, por envolver a prevalência de normas coletivas sobre decisões judiciais trabalhistas.
Para S. Exa., a entidade representa categoria econômica específica, a avicultura e suinocultura, e o fato de reunir também empresas de apoio à cadeia produtiva reforça, e não compromete, sua representatividade.
O ministro citou precedentes do STF que ampliaram a interpretação sobre legitimidade ativa, como a admissão da ABAG - Associação Brasileira do Agronegócio em ações de controle concentrado.
"[...] Entendo que o requisito da pertinência temática é preenchido na hipótese. Isto porque a Associação volta-se ao setor avícola e de ovos. E o caso questiona justamente a interpretação dada pelos Tribunais trabalhistas acerca de acordos coletivos para trabalhadores do setor avícola. É dizer, é patente o interesse de agir, respaldado pela pertinência temática", afirmou.
Nunes Marques também considerou preenchido o requisito da subsidiariedade, argumentando que recursos trabalhistas muitas vezes não chegam ao STF devido a limitações processuais.
Para ele, a ADPF era meio legítimo para pacificar a controvérsia sobre a aplicação analógica do art. 72 da CLT, em detrimento de acordos e convenções coletivas.
Ao julgar o mérito, Nunes Marques votou pela procedência da ação, defendendo que, à luz do Tema 1.046 da repercussão geral, deve prevalecer a autonomia da negociação coletiva sobre a interpretação judicial extensiva.
"[...] na medida em que não se trata de direitos absolutamente indisponíveis (pausa para descanso), os acordos e convenções coletivos sobre a matéria devem prevalecer sobre a interpretação, por analogia, da norma do art. 72, CLT, norma de 1943, cujo escopo original, aliás, era de mecanografia, tais como datilografia, escrituração ou cálculo. Ou seja, trata-se de interpretação analógica com parâmetros diversos aos da hipótese em tela, trabalhadores do setor de aves, suínos e ovos", concluiu.
Leia a íntegra do voto.
- Processo: ADPF 972

