STJ impede exclusão de candidato que responde ação penal por ameaça
Em agravo interno, maioria da Corte Especial manteve decisão do STJ que seguiu tese do STF; divergência defendeu exceções para cargos da segurança pública.
Da Redação
quarta-feira, 5 de novembro de 2025
Atualizado às 19:36
A Corte Especial do STJ, por maioria, manteve decisão que impediu a exclusão de candidato de concurso público para o cargo de agente penitenciário com base apenas em boletins de ocorrência e em ação penal ainda em curso.
O julgamento encerrado nesta quarta-feira, analisou recurso interposto pelo Estado de Minas Gerais contra acórdão anterior no RMS 64.965, de relatoria do ministro Luiz Felipe Salomão.
A maioria acompanhou o relator, que entendeu que o acórdão recorrido observou corretamente o Tema 22 do STF, segundo o qual "sem previsão constitucional adequada e instituída por lei, não é legítima a cláusula de edital de concurso que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de responder a inquérito ou ação penal".
Os ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Benedito Gonçalves divergiram, por considerarem o caso relevante e excepcional, e defenderam que o Supremo reavalie a tese para delimitar com maior precisão as hipóteses excepcionais aplicáveis aos concursos das carreiras da segurança e da Justiça.
O Estado de Minas Gerais interpôs recurso extraordinário contra acórdão do STJ que reconheceu a ilegitimidade da exclusão do candidato, cuja eliminação se baseou unicamente na existência de quatro boletins de ocorrência e de uma ação penal em trâmite pela suposta prática do crime de ameaça.
De acordo com os autos, um dos boletins de ocorrência registrou relato da vítima, que afirmou ter sido agredida física e verbalmente pelo ex-companheiro, o candidato, durante visita ao filho comum, em razão de desentendimento motivado por ação de alimentos.
A decisão recorrida negou seguimento ao recurso por entender que o acórdão estava em conformidade com o Tema 22, que garante a presunção de inocência e veda a desclassificação de candidatos com base em pendências criminais, salvo em situações excepcionalíssimas e de "indiscutível gravidade".
No agravo interno, o Estado sustentou que o caso se enquadraria nessas exceções, por envolver fatos graves que afetariam a idoneidade moral exigida para o exercício do cargo.
Definição do Supremo deve ser seguida
O relator, ministro Luiz Felipe Salomão, negou provimento ao recurso destacando que o Supremo já firmou entendimento vinculante sobre o tema, inclusive em relação às carreiras da segurança pública, vedando restrições em editais de concurso pelo simples fato de o candidato responder a inquérito ou ação penal.
Segundo o ministro, ainda que essas carreiras admitam maior rigor na avaliação da idoneidade, a restrição só é legítima quando baseada em condutas concretas e de gravidade indiscutível, o que não se verificou no caso.
Salomão também ressaltou que cabe ao STJ observar a jurisprudência vinculante do Supremo, sob pena de sobrecarregar indevidamente a Corte Constitucional.
"Podemos até não concordar ou ter restrições, mas o Supremo decidiu de maneira vinculante e fixou tema. Ficar insistindo e entupindo o Supremo porque não concordamos com uma tese não parece a melhor solução", disse.
Situação excepcional
Os ministros Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti haviam pedido destaque do julgamento.
Ao votar, Araújo abriu divergência, sustentando que o caso apresentava excepcionalidade por envolver cargo na área da segurança pública e que o Supremo deveria reavaliar os limites do Tema 22 em relação a esses concursos.
"Nesses casos em que temos concurso público para policial civil, para policial militar, para agente prisional, a justiça não pode fechar os olhos para a relevância, até para o cargo também de juiz, de promotor de justiça. Se o candidato responde a ação penal, responde a inquérito policial, nós estaremos colocando pessoas possivelmente infiltradas nessas corporações."
O ministro destacou que a admissão do recurso para apreciação pelo Supremo seria necessária diante da gravidade e da excepcionalidade do caso, a fim de permitir que a Corte reavalie a aplicação do Tema 22 aos concursos voltados à segurança pública.
Cautela
A divergência foi acompanhada pelos ministros Maria Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Benedito Gonçalves.
Ao justificar seu voto, Maria Isabel Gallotti ressaltou que há precedentes do próprio STF, como decisão recente do ministro Alexandre de Moraes, que afastou a aplicação do referido Tema em casos envolvendo agentes da segurança pública.
Segundo a ministra, "esses cargos de segurança merecem cuidado especial", portanto, o Supremo deveria "lapidar melhor essa jurisprudência", esclarecendo de forma mais objetiva quais situações podem ser consideradas excepcionais.
A ministra citou ainda um caso relatado por procuradora do Estado de Santa Catarina, em que um candidato com antecedentes criminais foi nomeado para a polícia e, posteriormente, matou a companheira, como exemplo da necessidade de maior cautela na aplicação do precedente.
Resultado
Por maioria, prevaleceu o voto do relator Luiz Felipe Salomão, sendo acompanhados os ministros Mauro Campbell Marques, Antônio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Sérgio Kukina, Sebastião Reis Junior, Teodoro Silva Santos, Humberto Martins e a ministra Maria Thereza de Assis Moura.
- Processo: RMS 64.965





