Os processualistas clássicos afirmavam - e essa lição é perfeitamente atual - que as formalidades no processo existem para gerar segurança. Elas não podem ser vistas como essenciais, mas a sua presença no processo é imprescindível para que as partes tenham previsibilidade a respeito daquilo que deve acontecer no procedimento de que elas estão participando.
O autor sabe, por exemplo, que o réu não mais poderá contestar, se deixou passar em branco o prazo de 15 dias, e que existe a possibilidade de o juiz aplicar os efeitos da revelia, considerando verdadeiros os fatos que ele, autor, descreveu na inicial.
Percebe-se que existem regras cuja única razão de ser é gerar segurança para as partes para que elas possam planejar a sua conduta dentro do processo, ao longo do seu desenvolvimento. As regras que dizem respeito a prazos, sem dúvida, fazem parte deste conjunto!
Por isso não é saudável para o sistema que os processualistas dediquem suas energias para discutir sobre prazos. Quanto menos dúvidas houver, melhor para todos!!!
Ainda nos lembramos de uma discussão que se esboçou no começo do período de vigência do CPC - e felizmente não ganhou corpo - no sentido de serem alguns prazos previstos no CPC de natureza material, e de, portanto, não se aplicarem a estes prazos as regras que dizem respeito à contagem apenas nos dias úteis. Se essa discussão tivesse vingado, a insegurança se instalaria de uma maneira definitiva!
Por isso nos apressamos a criticar uma discussão que se instalou no TJ/SP, mais especificamente na 38ª Câmara de Direito Privado, sobre se os embargos de declaração teriam o condão de interromper o prazo para o recurso principal apenas da parte recorrente ou também da outra parte.
Recentemente esse Tribunal decidiu, por unanimidade, que os embargos de declaração teriam o condão de suspender o prazo recursal apenas do recurso principal do recorrente e não da outra parte.
No caso, apenas o réu opôs embargos de declaração contra sentença publicada em 25/9/24. Os embargos de declaração foram conhecidos e providos em 24.10.2024. Então, nesse mesmo dia, 24/10/24, a autora interpôs apelação autuada sob 1001449-21.2023.8.26.0082.
Segundo o relator da apelação seria “de geral sabença que os embargos de declaração de uma parte não interrompem o prazo para a interposição de recurso da outra parte, e assim, o prazo comum para embargar ou recorrer da sentença não foi observado”, citando, nesse mesmo sentido, outros acórdãos do TJ/SP.
Embora o CPC de 2015 tenha alterado um pouco o regime dos embargos de declaração, não houve modificações substanciais no que diz respeito ao recurso de embargos de declaração.
Talvez o pecado que tenha cometido tenha sido o seguinte: a redação do revogado art. 538 previa que “os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes”, e o art. 1.026, do CPC de 2015 diz que “os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso”.
Nem mesmo a literalidade do novo dispositivo autorizaria tal interpretação estapafúrdia, já que o legislador diz: interrompem o prazo para interposição DE recurso, indicando com isso, ao que parece, de qualquer recurso.
No mais, as modificações que foram feitas tiveram por objetivo aproximar o Código dos princípios constitucionais fundamentais, como, por exemplo, o da ampla defesa, já que, por exemplo, a intimação da outra parte passou a ser necessária quando se trata de recurso que pode gerar efeitos modificativos, e, também, o do contraditório, ao impedir decisões ditas “decisões surpresa”, a respeito das quais as partes não teriam tido oportunidade de se manifestar.
Todas as alterações trazidas não dizem respeito à essência do recurso, mas ao contrário tiveram por objetivo facilitar a vida do recorrente, afastando inclusive hipóteses de jurisprudência defensiva, como aquela em que o recurso interposto antes do termo inicial prazo era tido como intempestivo: o art. 218, §4º do CPC pôs fim a esta discussão.
Evidentemente o legislador de 2015 foi extremamente mais generoso com os recorrentes, procurando sempre abrir e não fechar portas. Como exigir que a parte interponha desde logo um recurso contra uma decisão que em tese ainda pode sofrer alguma modificação? Onde estão a economia processual, a instrumentalidade, a racionalidade do sistema?
O fato é que o efeito modificativo dos embargos pode decorrer, não só da intenção da parte recorrente, mas também do cabimento do recurso em uma das hipóteses tradicionais, como, por exemplo, a existência de omissão. Exemplo clássico é a omissão quanto à prescrição: quando o juiz se manifesta a respeito deste ponto, sobre o qual tinha-se omitido, se entender, ao julgar os embargos, que houve prescrição, o resto da decisão, sobre o mérito, não subsiste. Portanto, o risco de que da decisão dos embargos decorra uma alteração, em alguma dimensão, na decisão recorrida, existe sempre.
Não é razoável impor a uma das partes – sob pena de preclusão - que interponha desde logo o recurso principal, enquanto a outra parte aguarda o julgamento dos embargos de declaração. A parte que interpôs o recurso principal pode ser surpreendida pela decisão que, ao julgar os embargos de declaração, altera a decisão de molde a que o recurso devesse ter sido outro, com outros argumentos, outro teor.
O alcance subjetivo do efeito interruptivo dos embargos de declaração não fica limitado àquela parte que opôs os embargos; estende-se, inexoravelmente, a outra também. Ambas as partes podem recorrer da decisão definitiva e não só aquela que opôs embargos de declaração.
Aliás, é, nesse mesmo sentido, a jurisprudência consolidada do STJ:
“a oposição dos embargos de declaração que, em razão do seu caráter integrativo, interrompe o prazo para interposição de recurso por qualquer das partes. [...] 6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para conhecer do agravo interno e a ele negar provimento”1.
Como dissemos e pedimos vênia para repetir, processualistas deveriam se abster de levantar dúvidas sobre aquilo que já está estabelecido, resolvido, tido como verdadeiro, de modo a orientar de forma clara e objetiva a conduta das partes. Estas discussões podem ter algum sabor de prazer para acadêmicos, mas estes não devem, a nosso ver, furtar-se à sua responsabilidade de gerar um processo civil de melhor qualidade, que não surpreenda as partes. Discussões a respeito de prazos, de forma de contagem dos prazos, de forma de estabelecer termos iniciais e termos finais são nocivas. E, ademais, não há nenhum valor agregado do ponto de vista ético a nenhuma das duas, das três ou das quatro possíveis soluções! Nada justifica, portanto, que se perca tempo com criar ondas para surfistas, naquilo que deveria ser um lago tranquilo, para permitir a navegação.
Não é demais se afirmar que o princípio da fungibilidade, entendido no seu sentido mais largo, deve indicar para que prevaleça sempre a interpretação mais favorável ao recorrente, no caso de haver dúvidas quanto à interpretação que deva prevalecer.
Enfim, para concluir o desabafo, a interpretação no sentido de que essa interrupção só aconteceria para aquele que opôs embargos de declaração vai de encontro, de forma ostensiva e inadmissível, a todos os princípios que orientaram o legislador de 2015, a um mínimo de racionalidade jurídica que deve orientar o processo - e ao Direito de modo geral - e à jurisprudência consolidada do STJ.
1 (STJ, EDcl no AgInt no AREsp 1.547.708/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 11/05/2021, DJe 13/05/2021). No mesmo sentido: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a oposição de embargos de declaração por qualquer das partes, em razão do seu caráter integrativo, interrompe o prazo para interposição de outros recursos, exceto para aclaratórios contra o mesmo julgado. Precedentes: AgInt no REsp n. 1.588.857/PE, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 19/6/2018, DJe de 26/6/2018; AgInt no AgInt no AREsp 1275372/GO, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/06/2020, DJe 01/07/2020; AgInt no AREsp n. 419.296/MS, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 6/12/2018, DJe de 13/12/2018" (STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.897.476/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 29/5/23, DJe 31/5/23).