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Impactos da pandemia nas relações de consumo: o direito de arrependimento e o PL 1.179/2020

No cenário de crise, o consumidor se vê rodeado de impedimentos de ordem física aos bens cujo acesso antes era quase irrestrito, esbarrando a casuística em novos e corriqueiros desafios.

28/4/2020
Danielle Tavares Peçanha

Se tem assistido, com olhos apreensivos, as dramáticas consequências vivenciadas nos mais diversos setores da vida como decorrência da pandemia do coronavírus. A sociedade brasileira, surpreendida com a assombrosa velocidade de disseminação do inimigo invisível a olhos nus, na linha da tendência mundial, sente de perto os impactos ocasionados pelas providências governamentais que visam a mitigação dos danos, com base em medidas de contenção de aglomerações e, tanto quanto possível, da propagação do vírus, sob pena de gerar o apregoado colapso do sistema de saúde.

Com números cada dia mais alarmantes, a ordem continua sendo o isolamento, como em várias outras partes do mundo, de modo que não se deve sair às ruas sem que haja necessidade imprescindível; shoppings centers encontram-se com as portas fechadas; creches e escolas movimentam-se no sentido de prestar o serviço de educação via plataformas digitais; viagens e eventos são adiados, quando não cancelados; e a atividade laboral passa a ser executada, sempre que possível, em sistema home office.

Trata-se de situação de dimensões jamais experimentadas, em que se vislumbra, de um lado, providências coativas dos Poderes Públicos com fins de evitar o avanço fugaz da doença, com restrições e suspensões temporárias do funcionamento de diversas atividades. Por outro lado, vê-se a adoção de comportamentos voluntários,estimulados por especialistas e amplamente veiculados na mídia, reduzindo a circulação de pessoas nas ruas. O mercado de consumo sofre um achatamento e é marcado por incertezas.

No cenário de crise, o consumidor se vê rodeado de impedimentos de ordem física aos bens cujo acesso antes era quase irrestrito, esbarrando a casuística em novos e corriqueiros desafios. Com isso, desenvolvem-se e aprimoram-se alternativas várias que visam responder às demandas do consumo no momento de instabilidade. Os fornecedores se veem premidos da necessidade de se amoldar à nova realidade, para fins de garantir a rentabilidade da atividade desenvolvida e, ao mesmo tempo, suprir as necessidades dos consumidores de modo satisfatório.

Especialmente nas relações contratuais, o esforço é de que se recorra às ferramentas disponíveis do Direito Civil, cuja base principiológica, lastreada na solidariedade social e, sobretudo, na boa-fé objetiva e na função social, conclama as partes ao dever de diálogo, em busca de renegociação, antes de se empregar remédios mais drásticos, como a revisão, resilição ou resolução contratual. Nas relações de consumo, convém destacar a necessidade de estrita observância dos ditames protetivos esculpidos no Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990), com alicerce na tábua axiológica extraída da Constituição da República, que, inclusive, nos arts. 5o, XXXII e 170, V, erigiu a proteção do consumidor à cláusula pétrea do sistema jurídico brasileiro.

A rigor, ainda que os problemas produzidos pela pandemia apresentem origem comum, deve-se apartar, também em momentos de euforia, os contratos paritários daqueles de consumo. Nesses últimos, protege-se o sujeito vulnerável no mercado de consumo, com o objetivo de  compensar essa vulnerabilidade, reequilibrando as relações jurídicas e assegurando o respeito estrito a` qualidade de vida e a` integridade psicofísica dos consumidores. O atual momento demanda a intermediação de  soluções aptas a minimizar custos e perdas de consumidores e fornecedores, tanto quanto seja viável.

Circulam, nessa direção, propostas doutrinárias e atos normativos com o escopo de oferecer respostas às contendas atuais no âmbito das relações de consumo, dentre os quais noticia-se o PL 1.179/2020, de autoria do Senador Antonio Anastasia, apresentado pela relatora Senadora Simone Tebet, que se propõe a estabelecer o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET).

Vale dizer, a iniciativa de elaborar lei que discipline as relações de direito privado durante o período de pandemia é louvável. Além de garantir traço democrático às soluções propostas, evitando-se cauísmos e arbitrariedades, tem o mérito de afastar oportunismos, muito comuns em momentos de crise. No âmbito do citado projeto de lei, que tramita na Câmara dos Deputados, é possivel vislumbrar medidas pontuais – embora bastante significativas – de interferência nas relações de consumo, mormente no que tange ao direito de arrependimento, consagrado no art. 49 do CDC.

_________ 

*Danielle Tavares Peçanha é mestranda em Direito Civil na Faculdade de Direito da UERJ. Advogada do escritório Gustavo Tepedino Advogados.

Danielle Tavares Peçanha

Advogada mestranda em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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