O cenário jurídico brasileiro é, historicamente, marcado por uma expressiva e complexa litigiosidade tributária, um fenômeno que, de forma recorrente, impõe desafios ao Poder Judiciário e exige das Cortes Superiores uma atuação decisiva na busca por uniformidade e segurança jurídica. Nesse contexto de alta tensão e incerteza, a comunidade jurídica voltou suas atenções para o STJ, que se debruçava sobre o Tema 1.273. A controvérsia, que à primeira vista poderia ser considerada meramente processual, envolvia a definição do marco inicial do prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança em face de obrigações tributárias de trato sucessivo e carregava, em sua essência, profundas e sistêmicas implicações para as garantias constitucionais do contribuinte.
O desfecho unânime desse julgamento, ocorrido em 10/9/2025, não foi um evento isolado, mas um ponto de inflexão que pacificou a jurisprudência e representou uma importante vitória para os contribuintes. O veredicto final do STJ transformou a narrativa de risco iminente - que antecipava um "paradoxo da decadência" capaz de esvaziar a proteção do mandado de segurança - em uma celebração de um resultado que fortaleceu as garantias constitucionais.
O julgamento do Tema 1.273 não foi apenas uma decisão técnica sobre um prazo processual, mas um marco que validou o mandado de segurança como o nobre remédio constitucional que é, assegurando a lógica do sistema jurídico e consolidando a segurança jurídica no contencioso tributário. A unanimidade do voto, que superou a histórica divergência entre a 1ª e a 2ª turma da Corte, demonstra a solidez do argumento que prevaleceu, indicando que o precedente fixado é robusto e definitivo.
A importância do mandado de segurança em um Estado Democrático de Direito
O mandado de segurança é um dos mais nobres remédios constitucionais do direito brasileiro, concebido para proteger direitos líquidos e certos contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública. Sua natureza, embora residual e subsidiária, o torna um dos principais instrumentos à disposição do contribuinte para questionar a legalidade e constitucionalidade de cobranças fiscais indevidas.
A relevância do mandado de segurança em uma sociedade democrática de direito se manifesta na garantia do acesso à justiça, assegurado pela Constituição Federal em seu art. 5ª, inciso LXIX, servindo de baluarte contra atos ilegais ou abusivos. Desta forma, ele se torna um mecanismo essencial para o equilíbrio da relação entre o Estado e os cidadãos, coibindo eventuais ilegalidades e abusos por parte de seus representantes.
Quando da percepção da importância do mandado de segurança para o Estado Demorático, é impossível não perceber o perigo da matéria posta ao julgamento do Tema 1.273.
Contudo, ao validar a tese do “trato sucessivo”, o STJ não apenas evitou esse perigoso cenário, mas também reafirmou a primazia dos direitos sobre as barreiras processuais.
Assim, o julgamento do Tema 1.273 se revela como um marco que transcende o mero alívio pontual ao contribuinte, consolidando-se como um pilar essencial em defesa da segurança jurídica no âmbito do Estado Democrático de Direito.
A matéria defundo do Tema 1.273 - O "Paradoxo da Decadência"
Antes de adentrar na análise da decisão proferida no Tema 1.273, é crucial compreender o que se convencionou chamar de "paradoxo da decadência". Essa lógica processual perigosa, proposta pela tese do "ato normativo único" há anos defendida pela Fazenda, busca colocar o contribuinte em um “beco sem saída”.
Resumidamente, de um lado, a súmula 266 do STF veda a impetração de mandado de segurança contra "lei em tese" ou norma abstrata, obrigando o contribuinte a aguardar um ato material de cobrança para que a lesão ao seu direito se configure. De outro, a referida tese argumentava que o prazo de 120 dias para a ação mandamental se iniciaria com a publicação da lei, ou seja, com a norma abstrata.
O paradoxo se revela na medida que o contribuinte obedece a súmula 266 e espera pelo ato concreto, mas, ao mesmo tempo, é surpreendido pelo prazo decadencial estabelecido quando da publicação do ato ordenatório que, originalmente, ensejou o fato gerador recorrente, impossibilitando-o de buscar a via judicial. Esse entrave processual não apenas restringe o acesso à justiça, mas esvazia a própria essência do mandado de segurança como um dos mais nobres remédios constitucionais de proteção do indivíduo contra o abuso de poder estatal, previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal.
Bem verdade, a União, por meio do Tema 1.273, buscou novamente colocar em voga a tese do "ato normativo único", fazendo-se valer do paradoxo da decadência. Em uma manobra perigosa lançada pela Fazenda, o contribuinte, fundado em princípios constitucionais, foi vitorioso na busca pelo amparo da justiça.
A efetiva controvérsia jurisprudencial - Conflito entre a norma e a realidade
A controvérsia central do Tema 1.273 residia na divergência de entendimento sobre o que, de fato, constitui o "ato coator" em matéria tributária, especialmente quando o tributo possui um caráter periódico. O mandado de segurança, concebido para proteger direitos líquidos e certos contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública, é submetido a um prazo fatal e improrrogável de 120 dias para sua impetração, contados da ciência do ato a ser impugnado. O cerne do debate girou em torno de determinar quando esse prazo se iniciava para tributos, como por exemplo o ICMS ou o PIS/COFINS.
Duas teses antagônicas representavam o conflito entre a segurança da arrecadação fiscal e a proteção do direito individual. De um lado, a tese do “trato sucessivo”, defendida pela 1ª turma da Corte, argumentava que o ato coator se renova a cada nova cobrança de um tributo periódico. Nessa perspectiva, a lesão ao direito do contribuinte é contínua, e o prazo de 120 dias para impetrar o mandado de segurança se reinicia a cada novo fato gerador. Essa abordagem preserva a viabilidade do mandado de segurança como um instrumento eficaz de contestação de cobranças indevidas ao longo do tempo.
Em contraste, a tese do “ato normativo único”, encampada pela 2ª turma, sustentava que a obrigação tributária, embora realizada periodicamente, não configurava uma relação de trato sucessivo. Para esta corrente, defendida pelo Fisco, o ato coator seria único e se materializaria com a entrada em vigor da lei que institui ou majora o tributo. A cobrança mensal subsequente seria apenas um efeito exauriente desse ato inicial, e o prazo de 120 dias se iniciaria com a publicação da norma, independentemente de quando a cobrança efetiva viesse a ocorrer - a prevalência dessa interpretação criaria uma severa barreira processual, limitando drasticamente o acesso dos contribuintes ao Judiciário.
O veredicto histórico do STJ no Tema 1.273
Após profundo debate durante o julgamento do Tema 1.273, o STJ, com o voto do ministro relator Paulo Sérgio Domingues, alinhou-se definitivamente com a lógica do “trato sucessivo”, validando os argumentos defendidos pelos contribuintes. O Tribunal, ao rejeitar a tese do “ato normativo único”, reconheceu que a lei é abstrata e a lesão ao direito só se concretiza com a efetiva cobrança do tributo, a cada novo fato gerador.
O julgamento do Tema 1.273 foi notavelmente conduzido de forma a demonstrar a clareza e a robustez do entendimento majoritário. O voto do ministro relator consolidou a tese vencedora ao argumentar que a norma que institui a cobrança é, em sua essência, um ato abstrato. A efetivação e a materialização dessa norma no mundo real somente ocorrem com a cobrança da obrigação tributária. Dessa forma, para o ministro, cada novo fato gerador da obrigação cria um "justo receio" de lesão ao direito do contribuinte, o que, por sua vez, renova a possibilidade de impetração do mandado de segurança. Essa lógica não apenas valida o caráter de “trato sucessivo”, mas também confirma a natureza preventiva do mandado de segurança para casos de obrigações tributárias contínuas.
Os argumentos apresentados pela Fazenda Nacional e Estadual manifestaram preocupações de que a vitória dos contribuintes poderia “eliminar o instituto do prazo decadencial” e “ameaçar a segurança jurídica da coisa julgada”. Contudo, o voto unânime do STJ demonstrou exatamente o oposto. A decisão não elimina o prazo de 120 dias, mas o aplica de maneira juridicamente coerente, atrelando-o à ocorrência da lesão efetiva ao direito, e não à publicação de uma norma abstrata. A Corte ignorou a retórica do “caos” e aderiu a uma interpretação constitucional e sistêmica, mostrando que a segurança jurídica, ao contrário de ser ameaçada, foi na verdade reforçada, pois a decisão estabeleceu um precedente claro, pacífico e sólido para o tema, encerrando uma incerteza de longa data.
Ao remover a barreira processual, a decisão do Tema 1.273 garante que a vitória de mérito obtida na Corte Constitucional seja, de fato, efetiva e aplicável aos contribuintes que não ajuizaram a ação nos 120 dias iniciais após a lei. A decisão, em vez de subverter, respeitou e fortaleceu o precedente vinculante de uma corte constitucional superior, demonstrando a funcionalidade e o respeito sistêmico no arcabouço jurídico nacional.
Na prática, o entendimento elimina a "corrida dos 120 dias" para os contribuintes, permitindo que questionem a legalidade de tributos periódicos a qualquer tempo, enquanto a lesão se renovar. Isso torna o mandado de segurança uma via segura, desburocratizada e economicamente mais viável do que a ação de repetição de indébito, que era a única alternativa restante na hipótese de derrota da tese do “trato sucessivo”.
Conclusão - Um ponto de inflexão para o contencioso tributário
O desfecho do julgamento do Tema 1.273 representa um marco jurídico significativo e um ponto de inflexão na relação entre o Fisco e o contribuinte. O STJ, atuando como guardião da lei, ponderou sua decisão com forte influência dos princípios e garantias constitucionais, confirmando a tese do “trato sucessivo” e validando o papel do mandado de segurança como um instrumento preventivo e contínuo.
A decisão, por sua unanimidade, não apenas consolida uma controvérsia de longa data, mas também envia uma mensagem clara de que o sistema jurídico brasileiro está apto a se autocorrigir e a fortalecer suas garantias fundamentais. A jurisprudência está agora clara e a via do mandado de segurança está consolidada como a mais eficaz para questionar tributos de trato sucessivo. A decisão, reverberando por todos os cantos do país, é uma vitória não apenas para os contribuintes, mas para a própria solidez e credibilidade do sistema de justiça brasileiro.
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Giovana Sousa Ferreira
Advogada Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito Administrativo pela FGV. MBA em Gestão Tributária pela USP. Ex-Conselheira Fiscal da International Association of Artificial Intelligence (I2AI) - Biênio 2023/2024. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF.
Menndel Assunção Oliver Macedo
Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito, Estado e Constituição pelo SuiJuris. MBA na Massachusetts Institute of Business (MIB) Especialização em Contabilidade Tributária no IBET. Diretor Jurídico da Câmara Brasil-Ásia (CBA). Cientista Tributário da Federação Nacional das Operações Portuárias (FENOP).