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Tema 1.273 - Uma crítica à ótica da Constituição Federal

Análise do julgamento do Tema 1.273 do STJ que, ao enfrentar o risco do "paradoxo da decadência", consolidou a segurança jurídica no contencioso tributário.

15/9/2025
Gabriel Sacramento Ramos , Giovana Sousa Ferreira , Gustavo Borges de Melo e Menndel Assunção Oliver Macedo

O cenário jurídico brasileiro é, historicamente, marcado por uma expressiva e complexa litigiosidade tributária, um fenômeno que, de forma recorrente, impõe desafios ao Poder Judiciário e exige das Cortes Superiores uma atuação decisiva na busca por uniformidade e segurança jurídica. Nesse contexto de alta tensão e incerteza, a comunidade jurídica voltou suas atenções para o STJ, que se debruçava sobre o Tema 1.273. A controvérsia, que à primeira vista poderia ser considerada meramente processual, envolvia a definição do marco inicial do prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança em face de obrigações tributárias de trato sucessivo e carregava, em sua essência, profundas e sistêmicas implicações para as garantias constitucionais do contribuinte.

O desfecho unânime desse julgamento, ocorrido em 10/9/2025, não foi um evento isolado, mas um ponto de inflexão que pacificou a jurisprudência e representou uma importante vitória para os contribuintes. O veredicto final do STJ transformou a narrativa de risco iminente - que antecipava um "paradoxo da decadência" capaz de esvaziar a proteção do mandado de segurança - em uma celebração de um resultado que fortaleceu as garantias constitucionais.

O julgamento do Tema 1.273 não foi apenas uma decisão técnica sobre um prazo processual, mas um marco que validou o mandado de segurança como o nobre remédio constitucional que é, assegurando a lógica do sistema jurídico e consolidando a segurança jurídica no contencioso tributário. A unanimidade do voto, que superou a histórica divergência entre a 1ª e a 2ª turma da Corte, demonstra a solidez do argumento que prevaleceu, indicando que o precedente fixado é robusto e definitivo.  

A importância do mandado de segurança em um Estado Democrático de Direito

O mandado de segurança é um dos mais nobres remédios constitucionais do direito brasileiro, concebido para proteger direitos líquidos e certos contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública. Sua natureza, embora residual e subsidiária, o torna um dos principais instrumentos à disposição do contribuinte para questionar a legalidade e constitucionalidade de cobranças fiscais indevidas.

A relevância do mandado de segurança em uma sociedade democrática de direito se manifesta na garantia do acesso à justiça, assegurado pela Constituição Federal em seu art. 5ª, inciso LXIX, servindo de baluarte contra atos ilegais ou abusivos. Desta forma, ele se torna um mecanismo essencial para o equilíbrio da relação entre o Estado e os cidadãos, coibindo eventuais ilegalidades e abusos por parte de seus representantes. 

Quando da percepção da importância do mandado de segurança para o Estado Demorático, é impossível não perceber o perigo da matéria posta ao julgamento do Tema 1.273.

Contudo, ao validar a tese do “trato sucessivo”, o STJ não apenas evitou esse perigoso cenário, mas também reafirmou a primazia dos direitos sobre as barreiras processuais.

Assim, o julgamento do Tema 1.273 se revela como um marco que transcende o mero alívio pontual ao contribuinte, consolidando-se como um pilar essencial em defesa da segurança jurídica no âmbito do Estado Democrático de Direito.

A matéria defundo do Tema 1.273 - O "Paradoxo da Decadência"

Antes de adentrar na análise da decisão proferida no Tema 1.273, é crucial compreender o que se convencionou chamar de "paradoxo da decadência". Essa lógica processual perigosa, proposta pela tese do "ato normativo único" há anos defendida pela Fazenda, busca colocar o contribuinte em um “beco sem saída”.

Resumidamente, de um lado, a súmula 266 do STF veda a impetração de mandado de segurança contra "lei em tese" ou norma abstrata, obrigando o contribuinte a aguardar um ato material de cobrança para que a lesão ao seu direito se configure. De outro, a referida tese argumentava que o prazo de 120 dias para a ação mandamental se iniciaria com a publicação da lei, ou seja, com a norma abstrata.

O paradoxo se revela na medida que o contribuinte obedece a súmula 266 e espera pelo ato concreto, mas, ao mesmo tempo, é surpreendido pelo prazo decadencial estabelecido quando da publicação do ato ordenatório que, originalmente, ensejou o fato gerador recorrente, impossibilitando-o de buscar a via judicial. Esse entrave processual não apenas restringe o acesso à justiça, mas esvazia a própria essência do mandado de segurança como um dos mais nobres remédios constitucionais de proteção do indivíduo contra o abuso de poder estatal, previsto no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal.

Bem verdade, a União, por meio do Tema 1.273, buscou novamente colocar em voga a tese do "ato normativo único", fazendo-se valer do paradoxo da decadência. Em uma manobra perigosa lançada pela Fazenda, o contribuinte, fundado em princípios constitucionais, foi vitorioso na busca pelo amparo da justiça.

A efetiva controvérsia jurisprudencial - Conflito entre a norma e a realidade

A controvérsia central do Tema 1.273 residia na divergência de entendimento sobre o que, de fato, constitui o "ato coator" em matéria tributária, especialmente quando o tributo possui um caráter periódico. O mandado de segurança, concebido para proteger direitos líquidos e certos contra atos ilegais ou abusivos de autoridade pública, é submetido a um prazo fatal e improrrogável de 120 dias para sua impetração, contados da ciência do ato a ser impugnado. O cerne do debate girou em torno de determinar quando esse prazo se iniciava para tributos, como por exemplo o ICMS ou o PIS/COFINS.

Duas teses antagônicas representavam o conflito entre a segurança da arrecadação fiscal e a proteção do direito individual. De um lado, a tese do “trato sucessivo”, defendida pela 1ª turma da Corte, argumentava que o ato coator se renova a cada nova cobrança de um tributo periódico. Nessa perspectiva, a lesão ao direito do contribuinte é contínua, e o prazo de 120 dias para impetrar o mandado de segurança se reinicia a cada novo fato gerador. Essa abordagem preserva a viabilidade do mandado de segurança como um instrumento eficaz de contestação de cobranças indevidas ao longo do tempo.

Em contraste, a tese do “ato normativo único”, encampada pela 2ª turma, sustentava que a obrigação tributária, embora realizada periodicamente, não configurava uma relação de trato sucessivo. Para esta corrente, defendida pelo Fisco, o ato coator seria único e se materializaria com a entrada em vigor da lei que institui ou majora o tributo. A cobrança mensal subsequente seria apenas um efeito exauriente desse ato inicial, e o prazo de 120 dias se iniciaria com a publicação da norma, independentemente de quando a cobrança efetiva viesse a ocorrer - a prevalência dessa interpretação criaria uma severa barreira processual, limitando drasticamente o acesso dos contribuintes ao Judiciário.

O veredicto histórico do STJ no Tema 1.273

Após profundo debate durante o julgamento do Tema 1.273, o STJ, com o voto do ministro relator Paulo Sérgio Domingues, alinhou-se definitivamente com a lógica do “trato sucessivo”, validando os argumentos defendidos pelos contribuintes. O Tribunal, ao rejeitar a tese do “ato normativo único”, reconheceu que a lei é abstrata e a lesão ao direito só se concretiza com a efetiva cobrança do tributo, a cada novo fato gerador.

O julgamento do Tema 1.273 foi notavelmente conduzido de forma a demonstrar a clareza e a robustez do entendimento majoritário. O voto do ministro relator consolidou a tese vencedora ao argumentar que a norma que institui a cobrança é, em sua essência, um ato abstrato. A efetivação e a materialização dessa norma no mundo real somente ocorrem com a cobrança da obrigação tributária. Dessa forma, para o ministro, cada novo fato gerador da obrigação cria um "justo receio" de lesão ao direito do contribuinte, o que, por sua vez, renova a possibilidade de impetração do mandado de segurança. Essa lógica não apenas valida o caráter de “trato sucessivo”, mas também confirma a natureza preventiva do mandado de segurança para casos de obrigações tributárias contínuas.

Os argumentos apresentados pela Fazenda Nacional e Estadual manifestaram preocupações de que a vitória dos contribuintes poderia “eliminar o instituto do prazo decadencial” e “ameaçar a segurança jurídica da coisa julgada”. Contudo, o voto unânime do STJ demonstrou exatamente o oposto. A decisão não elimina o prazo de 120 dias, mas o aplica de maneira juridicamente coerente, atrelando-o à ocorrência da lesão efetiva ao direito, e não à publicação de uma norma abstrata. A Corte ignorou a retórica do “caos” e aderiu a uma interpretação constitucional e sistêmica, mostrando que a segurança jurídica, ao contrário de ser ameaçada, foi na verdade reforçada, pois a decisão estabeleceu um precedente claro, pacífico e sólido para o tema, encerrando uma incerteza de longa data.

Ao remover a barreira processual, a decisão do Tema 1.273 garante que a vitória de mérito obtida na Corte Constitucional seja, de fato, efetiva e aplicável aos contribuintes que não ajuizaram a ação nos 120 dias iniciais após a lei. A decisão, em vez de subverter, respeitou e fortaleceu o precedente vinculante de uma corte constitucional superior, demonstrando a funcionalidade e o respeito sistêmico no arcabouço jurídico nacional.

Na prática, o entendimento elimina a "corrida dos 120 dias" para os contribuintes, permitindo que questionem a legalidade de tributos periódicos a qualquer tempo, enquanto a lesão se renovar. Isso torna o mandado de segurança uma via segura, desburocratizada e economicamente mais viável do que a ação de repetição de indébito, que era a única alternativa restante na hipótese de derrota da tese do “trato sucessivo”.

Conclusão - Um ponto de inflexão para o contencioso tributário

O desfecho do julgamento do Tema 1.273 representa um marco jurídico significativo e um ponto de inflexão na relação entre o Fisco e o contribuinte. O STJ, atuando como guardião da lei, ponderou sua decisão com forte influência dos princípios e garantias constitucionais, confirmando a tese do “trato sucessivo” e validando o papel do mandado de segurança como um instrumento preventivo e contínuo.

A decisão, por sua unanimidade, não apenas consolida uma controvérsia de longa data, mas também envia uma mensagem clara de que o sistema jurídico brasileiro está apto a se autocorrigir e a fortalecer suas garantias fundamentais. A jurisprudência está agora clara e a via do mandado de segurança está consolidada como a mais eficaz para questionar tributos de trato sucessivo. A decisão, reverberando por todos os cantos do país, é uma vitória não apenas para os contribuintes, mas para a própria solidez e credibilidade do sistema de justiça brasileiro.

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Referências bibliográficas

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Direito Constitucional: o que é, princípios e áreas de atuação - Blog Gran Cursos Online, acessado em setembro 9, 2025, https://blog.grancursosonline.com.br/direito-constitucional/

Tema 745 do STF decide que é inconstitucional a cobrança de alíquota do ICMS superior a 17% sobre as operações de fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação - Pause & Perin - Advogados Associados, acessado em setembro 9, 2025, https://pauseperin.adv.br/noticia/tema-745-do-stf-decide-que-e-inconstitucional-a-cobranca-de-aliquota-d

Tema 1273/STJ: o fim do mandado de segurança em matéria tributária? - Emmendorfer & Tavares Advogados Associados, acessado em setembro 9, 2025, https://www.tavareseassociados.com.br/noticia?id=1428

Tema 1273/STJ: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1273&cod_tema_final=1273

Gabriel Sacramento Ramos

OAB/DF 73481. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito Público pelo IMP. Cursando MBA em Gestão Tributária na USP.

Giovana Sousa Ferreira

Advogada Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito Administrativo pela FGV. MBA em Gestão Tributária pela USP. Ex-Conselheira Fiscal da International Association of Artificial Intelligence (I2AI) - Biênio 2023/2024. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF.

Gustavo Borges de Melo

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela UDF. Especialização em Direito Civil e Processo Civil. Cursando MBA em Gestão Tributária na USP

Menndel Assunção Oliver Macedo

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pelo UniCeub. Especialização em Direito, Estado e Constituição pelo SuiJuris. MBA na Massachusetts Institute of Business (MIB) Especialização em Contabilidade Tributária no IBET. Diretor Jurídico da Câmara Brasil-Ásia (CBA). Cientista Tributário da Federação Nacional das Operações Portuárias (FENOP).

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