As mortes e casos de cegueira provocados pela ingestão de bebidas adulteradas com metanol geraram comoção nacional e levantaram uma questão fundamental: quem responde judicialmente nestes casos? A resposta envolve diferentes esferas de responsabilização - civil, penal, administrativa e coletiva - todas previstas na legislação brasileira.
No campo civil, o CDC prevê a responsabilidade objetiva dos responsáveis pelo fornecimento do produto. Isso significa que fabricantes, produtores ou importadores podem ser responsabilizados pelos danos sem necessidade de prova de dolo ou culpa. Os comerciantes também podem responder caso os fornecedores sejam desconhecidos ou se for demonstrada sua responsabilidade no defeito do produto. O consumidor, como parte vulnerável da relação de consumo, não precisa identificar em qual etapa ocorreu a adulteração. Pode acionar diretamente o estabelecimento onde comprou a bebida, e este, por sua vez, tem o direito de cobrar dos fornecedores os valores pagos em indenizações.
As vítimas e familiares podem ingressar com ações individuais pedindo ressarcimento de despesas médicas e hospitalares, medicamentos, indenização por danos morais e lucros cessantes em caso de afastamento do trabalho. Também é possível solicitar medidas urgentes para custear tratamentos imediatos. Em paralelo, o Ministério Público, a Defensoria Pública e entidades legitimadas podem propor uma ação civil pública, que assegura reparação em bloco e permite pedidos de recall ou interdição de estabelecimentos.
Na esfera penal, a adulteração de bebidas é crime previsto no art. 272 do CP, com pena de quatro a oito anos de reclusão. Quando praticada sem conhecimento da adulteração, a pena cai para um a dois anos de detenção e multa. Se o consumo resultar em morte ou sequelas graves, como a cegueira, os responsáveis podem responder por homicídio ou lesão corporal. Havendo prova de que a adulteração foi proposital, a acusação pode ser de homicídio qualificado, pois a lei equipara o uso de substâncias tóxicas ao emprego de veneno.
Mais do que a análise fria da lei, esse episódio revela um problema estrutural. As bebidas são fabricadas em escala industrial e distribuídas em inúmeros pontos de venda, muitas vezes sem controle efetivo de origem e qualidade. Esse cenário expõe a fragilidade de quem consome: o consumidor não tem como verificar se a bebida é segura, nem deve ter a obrigação de rastrear a cadeia de fornecimento para saber a quem recorrer em caso de intoxicação. A legislação já reconhece essa assimetria e transfere para fornecedores a responsabilidade integral de proteger a saúde pública. A tragédia evidencia como falhas de fiscalização e governança podem transformar um produto comum em risco de vida.
O caso das bebidas adulteradas com metanol mostra a gravidade da falha de controle e o alcance jurídico de suas consequências. O ordenamento brasileiro dispõe de instrumentos sólidos para reparação civil, punição penal e proteção coletiva. Mas a efetividade depende da rapidez das instituições, tanto para assegurar justiça às vítimas quanto para reforçar os mecanismos de prevenção. Evitar novas tragédias exige responsabilidade compartilhada entre empresas, órgãos de fiscalização e o sistema de Justiça.