“Transformação não é automática. Deve ser aprendida; deve ser liderada.”
William Edwards Deming
Um mundo mais veloz, digital e orientado a dados exige um novo tipo de atuação jurídica - mais preventiva, integrada e eficiente. Nesse contexto, o mercado jurídico corporativo está em movimento: o papel do jurídico como estrategista do negócio vem ganhando força.
O objetivo é claro: deixar de ser apenas o “guardião do risco” para tornar-se um agente viabilizador, alinhado às metas e prioridades do ciclo estratégico. É a transição para um jurídico que utiliza dados estruturados e modelos preditivos para embasar decisões com mais inteligência - e menos intuição.
O desafio é deixar de ser visto como suporte ou atendimento para se posicionar como parceiro estratégico, contribuindo de forma relevante na definição de objetivos-chave e na construção de resultados consistentes. A missão é garantir que o jurídico tenha cadeira cativa na mesa das grandes decisões, participando, de forma ativa e estratégica, das discussões sobre o futuro do negócio.
Mas essa transformação não acontece do dia para a noite. Trata-se de um processo evolutivo e intencional, que exige mudança de mentalidade, reposicionamento e, sobretudo, consistência.
De forma prática, essa transição costuma acontecer em três etapas:
- Suporte - estágio atual da maioria dos jurídicos internos, com foco em atendimento e resposta.
- Colaboração - quando o jurídico passa a participar mais ativamente, trocando insights, estruturando entregas aderentes e se alinhando com a visão de futuro do negócio.
- Decisão - estágio de maturidade em que o jurídico ocupa seu lugar à mesa, com voz ativa e voto relevante nas decisões estratégicas.
Para que isso se torne realidade, é fundamental romper com a lógica dos silos e adotar uma mentalidade colaborativa, multidisciplinar e voltada ao objetivo comum. Precisamos de times integrados, com entregas conectadas e visão de unicidade.
É nesse ponto que o legal ops entra em cena como protagonista, com seu arsenal metodológico, uso de dados, automação e cultura de eficiência. Ele faz o jurídico funcionar como negócio e impulsiona uma transformação que não é apenas tecnológica, mas estrutural e de mentalidade - ao permitir que o jurídico fale fluentemente a linguagem do negócio e evidencie o impacto de suas contribuições.
Legal operations: Transformando-se e transformando
Para muitos ainda é um desafio tentar conceituar a área de legal operations e mesmo delimitar suas competências. Isso se dá porque, diferente de outras áreas jurídicas ou ligadas ao jurídico, ela sofre de forma mais imediata as mudanças impostas pelo ambiente em que se inserem, predominantemente corporativo (seja como departamento, seja como escritório que presta serviços).
Estas mudanças acabam por transformar a área tanto no que se refere a seu escopo de atuação, quanto nas estratégias para alcançar seus objetivos, que decorrem dos objetivos do departamento jurídico, ou, no caso dos escritórios, dos objetivos de seus clientes. Ainda assim, a partir de um rol de competências que varia de acordo com quem se propõe a conceituar a área, o objetivo inicial (e esse permanece) das equipes de legal operations é identificar quais atividades não são essencialmente jurídicas mas que ainda são executadas por advogados, e por meio de uma estruturação que envolve (ou deveria envolver) times multidisciplinares (pessoas), fluxos e rotinas (processos) e ferramentas (tecnologia) aplicar a estas atividades uma lógica inicial de eficácia e posteriormente de eficiência, de modo que a gestão financeira, a gestão de fornecedores, a gestão do portfólio de soluções, a prática operacional de rotinas que envolvem cadastros e pagamentos ou mesmo treinamentos passem a ser executadas por este time, e assim, o time “técnico-jurídico” dedique-se a prática jurídica.
Como mencionado, este objetivo permanece, mas gradativamente, as equipes de legal ops passaram a ter funções cada vez mais relacionadas a aspectos relacionados a governança, como a gestão das contingências e provisões, bem como, uma apuração dos resultados atingidos pelo departamento jurídico ou pelo cliente a partir da análise de dados e do uso cada vez mais estruturado de indicadores (kpi's). Essa ampliação de funções se dá porque o ambiente empresarial passa a exigir isso e como mencionado anteriormente, a primeira estrutura a sentir essa exigência é área de legal operations.
Essa ampliação de funções obriga que os profissionais da área passem a ter uma visão estratégica (e ter visão estratégica é ter uma visão que levará a tomada de decisões difíceis), trazendo a gestão do departamento jurídico ou ao cliente, aspectos que lhe permitam pensar suas estratégias de investimento, operação e atuação; isso por sua vez, leva que o corpo técnico-jurídico também passem a buscar outras competências; e aqui, temos as transformações ocorridas em legal operations impulsionando mudanças no corpo técnico-jurídico.
Mas essa transformação continua.
Isso se demonstra quando avaliamos a pesquisa “Panorama de Legal Operations Brasil”, conduzida e publicada pelo CEPI - Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP. Analisando alguns conjuntos de dados é possível identificar uma sutil, porém importante mudança quanto ao que se espera nos próximos anos da área de legal operations.
Um dos conjuntos de dados da pesquisa trata das competências esperadas de um profissional de legal operations. Este conjunto de dados aponta que 64% (sessenta e quatro por cento) das habilidades esperadas relacionam-se a gestão ou são habilidades socioemocionais. E mais do isso, apenas 5% (cinco por cento) das competências esperadas relacionam-se com tecnologia.1
O outro conjunto de dados trata das principais motivações que levaram os departamentos jurídicos e os escritórios a criar suas áreas de legal operations. E entre as três primeiras, encontramos a transformação digital, precedida pela automatização de tarefas2.
Estes dados parecem apontar para mais uma transformação no papel das áreas de legal operations: espera-se que esta área atue como uma orquestradora de recursos em projetos que envolvam transformação digital. Não que ela não vá atuar mais nas frentes de governança, mas espera-se que ela “assuma a condução” de projetos de automação e que tornem os departamentos jurídicos e os escritórios realmente digitais e não apenas digitalizados. E essa transformação, por sua vez, acarreta uma transformação no corpo técnico-jurídico.
Legal operations é uma área em transformação e que neste processo, transforma os departamentos e escritórios.
Dados: Elemento estruturante ou potencializador das áreas de legal operations?
Um debate que tem se iniciado e que merece atenção, pois conecta-se com este novo papel de orquestrador da transformação digital que seria cabível a área de legal operations, refere-se aos dados como sendo um quarto elemento estruturante da área, somando-se a pessoas, processos e tecnologia. Mais que um debate meramente conceitual, adotar os dados como elemento estruturante implica em reconhecer que sem eles não seria possível implantar uma área de legal operations, além de buscar onde este elemento se encaixaria dentro da “equação original” (viriam antes do processo ou de tecnologia?). Essa questão não é menor, pois, se entendermos que os dados são elementos estruturantes posteriores a processos, mas anteriores a tecnologia, isso significa que os processos precisam ser desenhados de modo que forneçam os dados que serão utilizados como insumo para a tecnologia; por outro lado, acordar que os dados são elementos estruturantes posteriores a tecnologia (e neste caso, as ferramentas a serem utilizadas devem ser capazes de gerar e processar os dados de maneira muito eficiente) implica em reconhecer que ainda que estruturantes, os dados podem não ser elementos de fato estruturantes, mas certamente, potencializadores da área de legal operations e aceleradores dos projetos de transformação digital.
A transformação que impacta
Em seu papel de orquestração em projetos de transformação digital e eficiência área de legal operations inicialmente precisa avaliar o seu “porque”. Os projetos trarão impacto para as empresas, escritórios e clientes?
Aumentar a velocidade na conclusão das rotinas operacionais apenas para que novas demandas sejam recebidas, ou ainda, acelerar rotinas que “cumpram os requisitos necessários”, sem, porém, resolverem o problema ou apenas controlando os efeitos deste problema não atende ao propósito de uma área de legal operations de liberar energia para que o time jurídico esteja perto do negócio, resolvendo os desafios que realmente importam e significam impacto real para a perenidade e perpetuidade do negócio.
Aqui, cabe identificarmos alguns cases que escancaram o impacto real de legal ops incluem:
- Automação de fluxos de trabalho: O que antes levava dias, passou a ser resolvido em horas - a eficiência deixou de ser meta e virou cultura;
- Indicadores de performance: Quando os dados evoluem ao patamar de contar histórias, substituindo o sistema de mera percepção;
- Integração com áreas de negócio: Legal ops quebrando muros e estabelecendo rotinas conjuntas entre jurídico e demais áreas;
- Cultura e capacitação: Treinar o time para refletir sobre eficiência, dados e colaboração - afinal, nenhuma tecnologia sustenta uma área que opera com mentalidade analógica.
Em essência, o movimento de legal ops representa mais do que eficiência. Ele traduz a maturidade de um jurídico que entende que seu papel não é apenas resolver problemas - mas antecipá-los, influenciá-los e transformá-los em oportunidades para o negócio.
Em seu novo papel de orquestrador, e por que não, de motor da transformação digital, a área de legal ops demonstra sua capacidade de fazer frente aos desafios de um mundo onde as revoluções ocorrem em um intervalo de tempo cada vez menor e rever as estratégias, com rápida capacidade de operacionalização, é condição para o sucesso.
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1 Panorama do Legal Operations no Brasil [recurso eletrônico] : sumário executivo / coordenação geral Marina Feferbaum e Alexandre Pacheco da Silva ; coordenação acadêmica Ana Paula Camelo e Clio Nudel Radomysler ; pesquisadores Alexandre Zavaglia Coelho, Ana Carolina Rodrigues Dias Silveira, Olivia de Quintana Figueiredo Pasqualeto ; revisão Ligia Alves ; tradução TGA Translations. - São Paulo : CEPI-FGV Direito SP, 2025. 149 p. página 26, “Gráfico 3”. Disponível em https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/bb8dfe70-0fe1-4045-ac00-6e19e8e4f319/contentontent; acessado em 13/11/2025.
2 Panorama do Legal Operations no Brasil [recurso eletrônico] : sumário executivo / coordenação geral Marina Feferbaum e Alexandre Pacheco da Silva ; coordenação acadêmica Ana Paula Camelo e Clio Nudel Radomysler ; pesquisadores Alexandre Zavaglia Coelho, Ana Carolina Rodrigues Dias Silveira, Olivia de Quintana Figueiredo Pasqualeto ; revisão Ligia Alves ; tradução TGA Translations. - São Paulo : CEPI-FGV Direito SP, 2025. 149 p. página 23, “Tabela 1: Principais motivações para a criação da área de legal ops”. Disponível em https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/bb8dfe70-0fe1-4045-ac00-6e19e8e4f319/contentontent; acessado em 13/11/2025.