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CNJ: Arranjos burocráticos excluem juízas nos TJs, diz conselheiro

Relator propôs medidas para ampliar presença feminina em órgãos fracionários dos Tribunais.

19/5/2025

A desigualdade na composição das Câmaras Empresariais no Poder Judiciário foi objeto de recente manifestação de um conselheiro do CNJ. Na oportunidade, Guilherme Feliciano, relator do caso em pauta, alertou sobre o problema e propôs revisão normativa voltada à promoção da equidade de gênero nos órgãos colegiados especializados dos tribunais.

No caso concreto, a autora — desembargadora do TJ/SP — pleiteava vaga em uma das Câmaras Empresariais com fundamento em ação afirmativa de gênero. Contudo, às vésperas do julgamento, apresentou pedido de desistência, homologado pelo relator, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito.

Andamento do caso

O pedido analisado questionava os critérios utilizados para preenchimento das vagas nas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial da Corte paulista.

A requerente sustentava que o atual modelo de provimento, baseado em eleição interna pelo Órgão Especial — composto majoritariamente por homens —, favorece a exclusão de mulheres desses colegiados especializados, reforçando barreiras históricas à sua ascensão institucional.

A petição defendia que a próxima vaga aberta nessas câmaras fosse destinada à autora como forma de ação afirmativa, com base no chamado "merecimento equiparado".

A argumentação invocava dispositivos constitucionais, normas internacionais (como a Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW), a resolução CNJ 540/23 e o próprio regimento interno do TJ/SP.

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Também foi questionada a legalidade do edital 8/25, publicado pelo TJ/SP, que previa o preenchimento de vaga na 1ª câmara Empresarial por meio de eleição.

Segundo a autora, o procedimento violava o regimento, uma vez que a câmara deveria ser considerada permanente, hipótese que exigiria provimento por promoção, remoção ou permuta — e não por eleição.

O TJ/SP, por sua vez, sustentou que as Câmaras Empresariais têm natureza temporária, o que legitimaria o uso do critério de eleição previsto no §2º do art. 34 do regimento interno.

Argumentou, ainda, que as resoluções do CNJ aplicam-se ao acesso à magistratura de 2º grau, e não à organização interna das câmaras. Acrescentou que a requerente não se inscreveu no edital impugnado, tampouco figurava em lista de merecimento ou pleiteava remoção, o que inviabilizaria o acolhimento do pedido.

Em decisão anterior, o relator já havia indeferido a tutela de urgência requerida, observando que, mesmo que a tese prevalecesse, a vaga seria preenchida por antiguidade — e não pela autora, que estaria em terceiro lugar entre os inscritos. Destacou, ainda, que sua ausência no certame impedia eventual reconhecimento de direito subjetivo à nomeação.

A desistência do pedido foi formalizada e homologada pelo relator, que determinou a extinção do processo sem resolução de mérito.

Ainda assim, ele aproveitou a decisão para levantar pontos estruturais e recomendar o aprofundamento do debate sobre a adoção de ações afirmativas no preenchimento de colegiados especializados.

Alerta estrutural

Apesar da desistência, o conselheiro destacou que o caso concreto reflete uma realidade institucional mais ampla.

Segundo ele, há indícios de estruturas burocráticas que perpetuam estereótipos de gênero e limitam o acesso de mulheres a espaços de poder.

"Julgo pertinente registrar que o quadro geral apresentado neste feito sugere a possibilidade de arranjos burocráticos que caminharão tendencialmente para ensejos de discriminação estrutural – e não apenas no TJ/SP, mas potencialmente em vários outros tribunais do país –, reforçando estereótipos ancestrais da sociedade brasileira [...] dificultando sobremodo o acesso de mulheres aos mais diversos espaços, inclusive pelo prejulgamento de suas aptidões temáticas."

Feliciano também pontuou que a exclusão feminina nas Câmaras Empresariais decorre de fatores indiretos, como o critério de eleição — realizado por um colegiado de maioria masculina — em vez da adoção de critérios objetivos como antiguidade ou merecimento.

Apesar de reconhecer avanços no TJ/SP — primeiro tribunal estadual a implementar a lista exclusiva feminina prevista na Resolução CNJ 525 —, o relator afirmou que as normas atuais ainda não enfrentam de forma suficiente o problema.

"Trata-se, antes, de um problema estrutural localizado – órgãos fracionários aos quais se pode aceder fora dos critérios do art. 93, II, da CRFB – que as Resoluções CNJ n. 255 (com a redação da Res. CNJ n. 540/2023) e n. 525 não equacionaram."

Entre as sugestões apresentadas, propôs a adoção de listas femininas exclusivas para eleições em órgãos fracionários que permaneçam com composição exclusivamente masculina por longos períodos.

Ao final, recomendou que a Presidência do CNJ leve o tema ao Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, coordenado pela conselheira Renata Gil.

Veja a decisão.

Conselheiro do CNJ ressaltou que há disparidade de gênero estrutural em órgãos fracionários de tribunais.(Imagem: Adobe Stock)

Paridade nos tribunais

A discussão sobre equidade de gênero no Poder Judiciário vem ganhando espaço institucional desde 2023.

Em setembro daquele ano, o CNJ aprovou proposta de alteração da resolução 106/10, incluindo medidas concretas para promoção da igualdade entre homens e mulheres na magistratura. A nova norma — formalizada pela resolução CNJ 525/23 — passou a exigir a formação de listas mistas e listas exclusivamente femininas nas promoções por merecimento, até que se atinja a paridade de gênero nos tribunais.

Poucos meses depois, em janeiro de 2024, o TJ/SP aplicou a medida e aprovou o primeiro edital voltado à promoção de juízas de carreira por meio de lista exclusiva de mulheres.

O concurso, no entanto, foi alvo de contestação. Um grupo de juízes impetrou mandado de segurança contra a exclusividade da lista, alegando violação ao princípio da igualdade. O processo acabou sendo extinto pelo desembargador Campos Mello, o que permitiu o prosseguimento do certame.

Com isso, em 10/4/24, o Órgão Especial do TJ/SP aprovou, por 16 votos a 8, a promoção da juíza Maria de Fátima Santos Gomes ao cargo de desembargadora — a primeira promovida com base na nova regra de paridade. 

Veja a versão completa

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