Por unanimidade, o STF reconheceu que o Congresso Nacional está em mora inconstitucional por não editar, até hoje, norma penal específica que tipifique como crime a retenção dolosa de salário de trabalhadores urbanos e rurais.
No plenário virtual, o relator, ministro Dias Toffoli, votou pela procedência da ação e sugeriu a fixação de prazo de 180 dias para que o Congresso Nacional cumpra o mandado de criminalização previsto na Constituição.
Entenda
A ação foi proposta pela PGR e sustenta que a omissão viola o art. 7º, X, da CF, que desde 1988 determina ao legislador o dever de tipificar criminalmente a conduta de empregadores que, dolosamente, deixam de pagar salários.
Voto do relator
No voto, Toffoli argumenta que o comando constitucional não pode ser considerado apenas programático ou sugestivo: trata-se de um mandado de criminalização vinculante, cuja eficácia plena exige regulamentação infraconstitucional.
Para o relator, a persistente inércia legislativa, mais de três décadas após a promulgação da CF, compromete a efetividade dos direitos sociais e a proteção penal ao salário, além de ofender os princípios da dignidade da pessoa humana e da função social do trabalho.
"A Constituição impõe ao legislador a tarefa de tipificar como crime a conduta de retenção dolosa de salários. Sua omissão compromete a integridade do sistema constitucional de proteção ao trabalho", afirmou.
Toffoli rebateu o argumento da Advocacia do Senado, segundo o qual a previsão penal seria desnecessária, já que condutas semelhantes estariam abrangidas pelo tipo de apropriação indébita (art. 168 do CP).
Segundo o ministro, essa tese não atende ao princípio da legalidade estrita nem satisfaz a exigência constitucional de tutela penal específica.
O voto também traz dados estatísticos enviados pelo MPT - Ministério Público do Trabalho, que registrou, entre 2012 e 2022, mais de 52 mil denúncias relacionadas a atrasos e retenção de salários, além de mais de 11 mil ações civis públicas sobre o tema.
Toffoli enfatiza que, apesar de a questão ser frequentemente tratada no âmbito civil e trabalhista, há situações em que a repressão penal se faz necessária, especialmente quando há dolo reiterado e violação direta à subsistência do trabalhador.
O ministro também afastou a alegação de que a simples tramitação de projetos de lei afastaria a configuração da omissão.
S. Exa. aponta que, embora existam iniciativas legislativas em curso, nenhuma delas avançou de forma significativa ou foi convertida em norma, caracterizando o que chamou de inércia deliberada do Parlamento (inertia deliberandi).
Citando precedentes da Corte - como a ADO 26, que reconheceu a omissão legislativa quanto à criminalização da homofobia e da transfobia - Toffoli reiterou que o STF tem legitimidade para declarar a mora legislativa e fixar prazo razoável para o cumprimento do dever constitucional.
Veja o voto do relator.
- Processo: ADO 82