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Empresas aéreas em turbulência: por que elas buscam socorro nos EUA?

Azul e Gol optam pelo Chapter 11 americano; já a Voepass enfrenta barreiras na Justiça brasileira.

28/5/2025

A companhia aérea Azul anunciou, nesta quarta-feira, 28, que deu entrada em um processo de recuperação judicial nos Estados Unidos, utilizando o mecanismo conhecido como "Chapter 11", previsto na legislação americana. O objetivo é reorganizar suas finanças e eliminar mais de US$ 2 bilhões em dívidas acumuladas após os impactos da pandemia de covid-19.

A decisão da Azul reflete um movimento mais amplo no setor da aviação brasileira, que enfrenta instabilidade desde 2020. A Gol Linhas Aéreas também recorreu ao mesmo instrumento nos EUA e teve seu pedido aprovado pela Justiça americana no último dia 20. A companhia declarou dívidas estimadas em US$ 3,5 bilhões (aproximadamente R$ 20 bilhões) e busca reequilibrar suas contas sem suspender suas operações.

Antes delas, em maio de 2020, foi a Latam que optou por seguir o mesmo caminho. A holding Latam Airlines e suas afiliadas, como a Tam Linhas Aéreas e a ABSA, também ingressaram com pedido de recuperação judicial na Corte Distrital do Sul de Nova York. A medida foi concluída com sucesso em novembro de 2022, com a redução significativa do passivo e fortalecimento financeiro da companhia, que retomou suas atividades com maior liquidez e uma frota modernizada.

Já a VoePass, que optou por buscar sua reestruturação no Brasil, enfrenta obstáculos. Em decisão do último dia 22, o juízo da vara Regional de Competência Empresarial de Ribeirão Preto/SP negou o pedido de abertura de recuperação judicial para as empresas do grupo que operam diretamente no setor de transporte e viagens. Apenas duas companhias do grupo — Joluca Participações e Passaredo Gestão Aeronáutica, que atuam nos segmentos financeiro e de administração de hangares — tiveram a recuperação autorizada. A Voepass, que já foi a quarta maior aérea do país, afirmou que pretende recorrer.

Diante desse cenário, Migalhas recorreu à análise do advogado Paulo M. Calazans, especialista em Direito Público e colunista do Migalhas, para entender que motivo leva as companhias a buscarem socorro fora do Brasil. Na avaliação do especialista, o sistema jurídico norte-americano oferece uma série de vantagens que explicam por que tantas companhias brasileiras têm recorrido ao "Chapter 11" para reestruturar suas operações.

Empresas aéreas em turbulência: por que elas buscam socorro nos EUA?(Imagem: Criada por IA.)

Por que as empresas recorrem à Justiça dos EUA?

De acordo com o advogado Paulo M. Calazans, o recurso ao Chapter 11, nos Estados Unidos, é motivado por uma série de vantagens estruturais, processuais e financeiras oferecidas pelo sistema norte-americano de recuperação judicial.

Antes de explicar o modelo, o advogado observa que, ao contrário do que a percepção popular muitas vezes intui, a recuperação judicial é algo positivo e não deletério. Isto porque “revela, por um lado, a dificuldade financeira possivelmente transiente de determinada empresa devedora, mas se apoia, sobretudo, na confiança da própria empresa, dos credores e do mercado quanto à sua capacidade de soerguimento e superação da crise”.

O advogado explica que o “Chapter 11” é o capítulo do Bankruptcy Code — o Código de Falências dos EUA  que trata da reorganização de empresas em dificuldade. Apesar de a recuperação judicial muitas vezes ser vista, no senso comum, como sinônimo de falência, Calazans explica que ela deve ser entendida como um mecanismo positivo. Trata-se de uma ferramenta voltada à reestruturação de empresas que enfrentam crises financeiras, mas que contam com a confiança do mercado, dos credores e da própria administração quanto à sua capacidade de superação.

Diferentemente do modelo brasileiro, cuja legislação data de 2005 (lei 11.101), o sistema norte-americano é mais antigo, estruturado e abrangente. Os critérios para que empresas estrangeiras ingressem com pedidos de recuperação nas Cortes americanas são considerados “indulgentes”, conforme aponta o advogado. Basta, por exemplo, que a companhia comprove ter um local de negócios ou ativos nos EUA — o que pode incluir desde um escritório até ações listadas em bolsa.

Entre os atrativos mais relevantes do Chapter 11, está a manutenção da administração atual da empresa durante o processo, sem a imposição de um gestor judicial, como ocorre em muitos países. O modelo também oferece proteção contra ações judiciais em outras jurisdições, centralizando a condução da reestruturação nos Estados Unidos. Soma-se a isso a reputação das cortes americanas — especialmente a Corte Distrital Meridional de Nova York — pela celeridade, imparcialidade e grande experiência em lidar com casos de alta complexidade.

Outro ponto destacado por Calazans é a possibilidade de captação de recursos no decorrer do processo, por meio do chamado DIP financing (debtor-in-possession), previsto na seção 364 do código. Esse instrumento, segundo ele, tem sido crucial para empresas latino-americanas que, ao contrário das suas concorrentes em outras regiões do mundo, não contaram com apoio governamental robusto durante a pandemia.

Para ilustrar a eficácia do modelo, o advogado cita o caso da Latam, que concluiu sua recuperação sob o Chapter 11 em 2022. A companhia recebeu aportes relevantes de investidores, apoio de suas parceiras Delta Airlines e Qatar Airways, modernizou sua frota e reduziu seu endividamento em bilhões de dólares. O mesmo ocorreu com a Avianca, que também emergiu do processo com nova liquidez e passivo ajustado.

Calazans resume: o Chapter 11 se consolidou como uma plataforma normativa eficiente e respeitada internacionalmente, sendo considerado um poderoso instrumento, “nobre pelos objetivos e eficiente pelos resultados”, voltado à sobrevivência saudável de empresas que enfrentam crises, mas ainda têm potencial de recuperação.

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