Por unanimidade, o STF reconheceu a constitucionalidade de lei estadual que impõe a supermercados e estabelecimentos congêneres o dever de disponibilizar carrinhos de compras adaptados ao transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.
O julgamento do RE 1.198.269, com repercussão geral reconhecida sob o Tema 1.286, teve como relator o ministro Gilmar Mendes, que destacou a conformidade da norma com os princípios constitucionais de acessibilidade e proteção às pessoas com deficiência.
Tese fixada
“É constitucional lei estadual que impõe a obrigatoriedade de adaptação de percentual de carrinhos de compras para transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.”
Caso paradigma
A controvérsia teve origem na Lei estadual 16.674/18, de São Paulo, que determinava a oferta de carrinhos adaptados em supermercados. A APAS–Associação Paulista de Supermercados recorreu ao STF após o TJ/SP manter a validade da norma.
Entre os principais argumentos da entidade estavam:
- Suposta violação à livre-iniciativa, por impor ônus econômico ao setor;
- Afronta ao princípio da isonomia, já que a exigência não abrangia todo o comércio varejista;
- Desnecessidade da lei, por existirem normas federais que já tratam da acessibilidade.
Durante o trâmite do processo, a referida lei foi revogada pela lei 17.832/23, mas o STF entendeu que o conteúdo normativo foi preservado no novo diploma legal, razão pela qual manteve o julgamento do mérito e a fixação da tese com repercussão geral, uma vez que outros estados e municípios já editaram leis semelhantes.
Competência
O ministro Gilmar Mendes afirmou que a norma estadual está amparada na competência concorrente prevista na CF (arts 1º, III; 3º, I e IV; 23, II; 24, XIV; 227 e 244) para legislar sobre proteção às pessoas com deficiência, saúde pública e relações de consumo.
Em seu voto, enfatizou os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, especialmente os arts. 9º (acessibilidade) e 20 (mobilidade pessoal), que obrigam Estados e iniciativa privada a eliminar barreiras e assegurar condições equitativas de acesso a bens e serviços.
Princípios constitucionais
Rejeitando a tese de violação à livre-iniciativa, o relator pontuou que esse princípio não é absoluto e deve ser conciliado com valores constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a inclusão de pessoas com deficiência.
Quanto à alegada ofensa à isonomia, Gilmar Mendes considerou lícita e justificada a escolha do legislador em direcionar a obrigação a supermercados e congêneres, por serem locais de grande circulação familiar e oferecem estrutura que comporta a medida sem ônus desproporcional.
Ao aplicar o princípio da proporcionalidade, concluiu que a norma atende aos critérios de:
- Adequação, por possibilitar efetivamente o transporte de crianças com deficiência em supermercado;
- Necessidade, ao complementar leis federais como a lei 10.098/00;
- Proporcionalidade, já que a exigência recai sobre apenas 5% dos carrinhos, número compatível com outras normas legais voltadas à acessibilidade.
Por fim, Gilmar Mendes lembrou que a jurisprudência do STF tem validado outras leis estaduais com objetivos similares de inclusão e acessibilidade, como nos casos da ADIn 2.572 (cadeiras para pessoas obesas), ADIn 6.989 (etiquetas acessíveis em roupas) e ADIn 903 (adaptação de transporte coletivo).
- Processo: RE 1.198.269
Confira o voto do relator.