No plenário virtual do STF, ministro Cristiano Zanin pediu vista e suspendeu julgamento sobre legitimidade do Ministério Público para promover liquidação coletiva de sentença em ação civil pública sobre direitos individuais decorrentes de origem comum (homogêneos).
Até o momento, o placar conta com 2 votos a 1, pela legitimidade do parquet.
Entenda
Na origem, em ação civil pública ajuizada pelo MP/MS, uma instituição de ensino superior foi condenada a ressarcir parcelas contratuais de alguns alunos, com base em cláusulas decretadas nulas.
O RE 1.449.302 (tema 1.270) questiona o entendimento do STJ de que o MP não tem legitimidade para a liquidação de sentença coletiva sem a prévia liquidação individual. Segundo o STJ, a liquidação da sentença coletiva visa transformar a condenação por prejuízos causados globalmente em indenizações pelos danos sofridos particularmente. Portanto, seu objeto seriam direitos individuais dos eventuais beneficiados, e a liquidação caberia às vítimas.
No recurso ao STF, o MPF e o MP/MG argumentaram, entre outros pontos, que, em algumas situações, a homogeneidade dos interesses permanece mesmo após a confirmação da sentença de confirmação. Afirmaram, ainda, que o entendimento do STJ contraria a missão constitucional do MP na defesa dos interesses sociais e coletivos.
Restrição do parquet
No plenário virtual, o relator, ministro Dias Toffoli, votou pela restrição da atuação do Ministério Público.
Segundo entendimento do ministro, o órgão não possui legitimidade para atuar na fase de cumprimento de sentença, salvo nas hipóteses específicas de reparação previstas no art. 100 do CDC.
Para o relator, "entender pela legitimidade principal do Ministério Público para liquidar sentença coletiva que verse sobre direitos individuais homogêneos disponíveis destoa de toda a lógica subjacente à tutela de tais direitos e extrapola as disposições constitucionais e a jurisprudência desta Suprema Corte acerca dos objetivos institucionais do parquet".
Para evitar insegurança jurídica, Toffoli propôs a modulação dos efeitos da decisão, de modo a ressalvar de sua incidência, com relação aos processos em curso, aqueles em que já exista sentença de mérito transitada em julgado na data de publicação da ata de julgamento.
Assim, propôs a fixação da seguinte tese:
"1. Ressalvada a hipótese de reparação fluida presente no art. 100 da lei 8.078/90, o Ministério Público não detém legitimidade para promover a liquidação e a execução de sentença proferida em ação civil coletiva sobre direitos individuais homogêneos disponíveis.
2. Nas ações civis coletivas sobre direitos individuais homogêneos disponíveis ajuizadas pelo Ministério Público, deve-se reconhecer a legitimidade dos demais legitimados extraordinários do microssistema de tutela coletiva para, observadas as especificidades legais próprias e, caso queiram, promover a liquidação e a execução da respectiva sentença, desde que seus fins institucionais abarquem a defesa dos referidos direitos e haja compatibilidade entre tal atuação e suas funções institucionais, circunstância que deve ser analisada pelo juiz com base no contexto fático-jurídico do caso concreto.
3. Nessas hipóteses, deve o juiz dar ampla publicidade da existência de sentença genérica proferida em tais ações ajuizadas pelo parquet, podendo, para tanto, valer-se de todos os meios admitidos pelo ordenamento jurídico, desde que sejam adequados, necessários e proporcionais em sentido estrito às circunstâncias do caso concreto.”
Leia o voto do relator.
Parte legítima
O ministro Alexandre de Moraes divergiu do relator, defendendo a legitimidade do MP.
Para Moraes, o MP tem legitimidade para promover a liquidação e execução coletiva de sentença genérica em ações civis públicas que envolvam direitos individuais homogêneos, desde que esteja presente o interesse social qualificado.
Assim, impedir que o parquet atue na fase de liquidação representa visão restritiva da função constitucional da instituição. Segundo o ministro, o STF já consolidou entendimento, em diversos precedentes, de que o MP pode tutelar direitos individuais disponíveis sempre que tais direitos afetem de forma ampla a coletividade.
"Se há legitimidade para propor a ação de conhecimento, porque o direito individual possui relevância social, há também legitimidade para sua liquidação e execução, como fases necessárias à solução integral do mérito", afirmou o ministro.
S. Exa. enfatizou que o critério central para essa atuação deve ser a presença de interesse social, e não a natureza patrimonial ou disponível do direito.
Destacou que a efetivação dos direitos reconhecidos em sentença é tão importante quanto sua declaração, citando exemplos emblemáticos como os desastres de Mariana e Brumadinho, onde a atuação do MP tem sido essencial para garantir reparações às vítimas.
Além disso, advertiu que a retirada da legitimidade do MP pode ter efeitos negativos, como a sobrecarga do Judiciário com milhares de ações individuais e o risco de enriquecimento sem causa por parte de empresas que causaram danos de pequena monta a muitas pessoas
Dessa forma, propôs a seguinte tese:
“O Ministério Público tem legitimidade para promover a liquidação e a execução coletiva da sentença genérica que versa sobre direitos individuais homogêneos em favor das vítimas e/ou seus sucessores quando presente o interesse social, à luz do art. 127, caput, da CF”.
O entendimento foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino.
Leia o voto de Moraes.
- Processo: RE 1.449.302