O pai de um jovem morto durante uma operação policial na Cracolândia será indenizado em R$ 100 mil pelo Estado de São Paulo. Assim decidiu a 10ª câmara de Direito Público do TJ/SP, ao reconhecer a responsabilidade objetiva do Poder Público diante da conduta de policiais civis que dispararam contra a multidão em meio a uma ação de dispersão no centro da capital.
Ao ajuizar a ação, o pai da vítima alegou que o filho foi atingido por disparo de arma de fogo durante uma intervenção das forças de segurança para dispersar usuários de drogas no centro da capital paulista. Em 1ª instância, o pedido havia sido negado sob o argumento de ausência de prova direta de que o disparo fatal tenha partido da arma de um policial. O TJ, contudo, reformou a sentença com base em jurisprudência consolidada do STF.
Laudos e provas
Segundo os autos, o episódio ocorreu à noite, em maio de 2022, na Praça Princesa Isabel. A Guarda Civil Metropolitana utilizava armamentos não letais para dispersar as pessoas quando a Polícia Militar chegou ao local. Na sequência, policiais civis se aproximaram da multidão e efetuaram disparos com munição letal.
Imagens e reportagens apresentadas ao processo mostraram policiais civis atirando na direção da multidão. O laudo necroscópico da vítima apontou que o projétil entrou de cima para baixo, contrariando a alegação de que os tiros teriam sido direcionados ao solo. Já a perícia balística foi inconclusiva quanto à origem exata do disparo fatal.
Testemunhas relataram que os policiais civis dispararam suas armas em meio a um cenário de grande confusão e tumulto, causado pela movimentação da massa de usuários em fuga. Nenhuma das vítimas, segundo os autos, estava armada.
Responsabilidade objetiva
No voto vencedor, o relator designado, desembargador Marcelo Semer, destacou que, conforme o art. 37, §6º, da CF e o Tema 1.237 do STF, o Estado responde objetivamente por danos decorrentes de ações policiais. Assim, mesmo que a autoria do disparo não tenha sido confirmada pela perícia, a inexistência de provas de excludente de ilicitude (como legítima defesa ou culpa exclusiva da vítima) impõe o dever de indenizar.
O magistrado apontou ainda que, diante da trajetória do projétil e das imagens analisadas, a conduta dos policiais civis foi desproporcional, especialmente diante da vulnerabilidade das pessoas envolvidas na operação.
Contexto de violência policial
O acórdão também faz referência a relatórios e decisões internacionais que apontam o Brasil como um dos países com maiores índices de letalidade policial. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já condenou o país em casos semelhantes, como nas operações da "Favela Nova Brasília" e da "Operação Castelinho".
Para o TJ/SP, o caso analisado se insere nesse contexto mais amplo de falhas na atuação estatal, inclusive pela ausência de protocolos claros de contenção não letal e pela atuação descoordenada entre diferentes forças de segurança.
Divergência
O julgamento não foi unânime. O relator sorteado, Antonio Celso Aguilar Cortez, ficou vencido. Ele entendeu que não havia prova suficiente para atribuir a autoria do disparo a um agente estatal, e manteve a sentença de improcedência. O voto divergente prevaleceu, reconhecendo o direito à reparação por danos morais.
- Processo: 1009425-10.2022.8.26.0084
Leia o acórdão.