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Gilmar Mendes defende ressocialização; veja dados do sistema prisional

Medidas estruturais e ações de reintegração social são vistas como instrumentos eficazes contra a superlotação e a reincidência.

6/7/2025

Superlotação, morosidade processual e altos índices de reincidência criminal compõem o retrato alarmante do sistema prisional brasileiro.

Para enfrentar essa realidade, o Poder Judiciário tem buscado implementar medidas que vão além do julgamento dos processos, apostando em soluções estruturais e ações de ressocialização como ferramentas para reduzir a criminalidade e assegurar dignidade aos custodiados.

Em entrevista à TV Migalhas, ministro Gilmar Mendes defendeu a ressocialização de egressos do sistema penitenciário, destacando ações concretas adotadas durante sua gestão como presidente do STF, entre 2008 e 2010.

O ministro relembrou os mutirões carcerários promovidos e afirmou que "é dando exemplo que a gente também pode ganhar credibilidade" no enfrentamento da alta taxa de reincidência criminal no país.

"Nós, naquela época, libertamos 22 mil pessoas, mais de 80, 90% de presos provisórios", lembrou o ministro. "Encontramos pessoas presas provisoriamente há 11 anos, 14 anos, sem inquérito concluído, sem denúncia formalizada", concluiu.

Veja a entrevista:

Projeto "Começar de novo"

As ações coordenadas pelo STF, em articulação com os tribunais estaduais e entidades da sociedade civil, levaram à libertação de milhares de pessoas encarceradas de forma irregular.

Segundo o ministro, a experiência revelou um grave problema de descontrole no sistema de justiça criminal.

Diante do desafio de reinserção dessas pessoas, surgiu o programa "Começar de novo", voltado à criação de oportunidades para presos e egressos do sistema prisional.

"Aí se colocou a indagação: o que fazer com essas pessoas que são soltas? Será que elas não vão ser recambeadas ou convocadas pelo crime organizado?", explicou o ministro.

Implantado em dezembro de 2008, o programa Começar de Novo buscou garantir a efetividade da LEP - lei de execução penal e proporcionar oportunidades reais de reinserção social a presos e egressos do sistema prisional.

O lançamento incluiu campanha nacional de sensibilização, veiculada por emissoras de rádio e TV, e parcerias com o Sesi, Senai, Fiesp, governos estaduais e empresas privadas. A iniciativa previa mutirões carcerários para revisar situações prisionais ilegais e convênios para capacitação profissional.

O STF foi pioneiro ao contratar 40 sentenciados em parceria com o governo do DF. Os contratados prestavam apoio administrativo, com direito a salário, vale-transporte, auxílio-alimentação e remissão de pena.

A expansão do programa incluiu a recomendação 21/09, orientando tribunais a implementarem medidas semelhantes. Em 2009 e 2010, novos convênios foram firmados com a FIFA e o governo Federal para destinar vagas a egressos nas obras da Copa do Mundo de 2014.

Em paralelo, empresas como Hering e Itaipu Binacional aderiram ao projeto. Tribunais de Justiça como os de Mato Grosso, Pará e Alagoas adotaram cláusulas em licitações obrigando a reserva de vagas para egressos.

Casos emblemáticos, como o de Ronaldo Monteiro - ex-presidiário que se tornou educador e fundador de projetos sociais - demonstram o impacto positivo da iniciativa. Em 2010, Monteiro proferiu palestra no TJ/AL, emocionando o público ao relatar sua trajetória de reconstrução pessoal com apoio institucional.

Exemplo institucional

O ministro lembrou que o Supremo firmou convênio com a Funap - Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal, abrindo 40 vagas de trabalho, quatro das quais diretamente no seu gabinete.

"O meu atual capinha, por exemplo, estuda Direito, está liberto do problema com drogas e trabalha no gabinete como terceirizado do tribunal."

Gilmar Mendes reiterou que a atuação exemplar das instituições públicas pode transformar a percepção social e ajudar a romper o ciclo da criminalidade.

"Se eu preconizo que as pessoas empreguem ex-presidiários, preciso dar exemplo."

O ministro relatou ainda que a iniciativa teve adesão de outros entes federativos. Segundo Gilmar, o então governador de São Paulo, José Serra, determinou que as prefeituras da Região Metropolitana adotassem cotas para egressos nos contratos de terceirização, estabelecendo um percentual mínimo de 5%.

Ressocialização como segurança pública

Gilmar Mendes sublinhou que a política de ressocialização não deve ser vista apenas como uma diretriz de direitos humanos, mas também como uma estratégia de segurança pública.

"Essas pessoas que conseguimos tirar do círculo vicioso não voltam para o crime. Portanto, não reincidem."

S. Exa. alertou que a taxa de reincidência no Brasil ultrapassa 70%, sobretudo entre jovens envolvidos com drogas.

Nesse contexto, destacou a importância de avaliações criteriosas sobre os egressos aptos a ingressar em programas de reintegração, com apoio das próprias estruturas do sistema prisional.

"Não é todo preso ou recém-liberto que pode gozar dessa confiança. Mas o sistema tem meios de fazer avaliação e recomendações."

Cárceres no Brasil

Segundo o Relatório de Informações Penais do segundo semestre de 2024, elaborado pelo Depen - Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil encerrou o ano de 2024 com mais de 670 mil pessoas privadas de liberdade.

Considerando que a população do país é de aproximadamente 212.583.750, isso significa que 0,32% da população brasileira está encarcerada, o que equivale a cerca de 1 em cada 313 habitantes.

O documento revela não apenas a extensão do encarceramento no país, mas também os desafios e esforços relacionados à ressocialização por meio do trabalho e da educação.

A esmagadora maioria dos presos é do sexo masculino: 641.128 (95,7%), contra 29.137 (4,3%) de mulheres.

Quase 96% da população carcerária no Brasil é de homens.(Imagem: Arte Migalhas)

O Estado de São Paulo continua a ser o epicentro do sistema penitenciário, com 205.984 pessoas presas, o que representa mais de 30% da população carcerária nacional.

O Estado de São Paulo tem a maior população carcerária do país.(Imagem: Arte Migalhas)

A situação estrutural, no entanto, é alarmante: há um déficit de 175.886 vagas no país, com SP liderando novamente o ranking da superlotação, com mais de 51 mil vagas em falta.

São Paulo também lidera no déficit de vagas em prisões.(Imagem: Arte Migalhas)

Apesar desse cenário, medidas de reintegração social vêm sendo implantadas de forma sistemática.

Em dezembro de 2024, 170.415 presos estavam inseridos em atividades laborais, sendo 141.767 em funções internas, realizadas dentro da própria unidade prisional, e 28.648 em serviços externos.

Aproximadamente 142 mil presos estão envolvidos em algum ofício dentro do cárcere.(Imagem: Arte Migalhas)

A iniciativa, além de proporcionar remição da pena, busca estabelecer rotinas produtivas e preparar os internos para o retorno à vida em liberdade.

Os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Ceará concentram os maiores contingentes de presos trabalhadores.

Na mesma direção, as atividades educacionais também vêm sendo fortalecidas.

O relatório dedica uma seção específica à educação formal e complementar, indicando o número de presos matriculados, os módulos pedagógicos ativos, além da infraestrutura educacional disponível nas unidades.

Embora o número total de presos que estudam ainda não seja suficiente diante da população carcerária total, os dados revelam avanços no estímulo à educação integrada ao trabalho - prática que vem sendo incentivada por normativas do CNJ e por políticas penitenciárias Federais.

O desafio permanece em conciliar segurança, dignidade e oportunidades reais de reintegração - seja pela via do estudo, do trabalho ou da estruturação de alternativas penais mais eficazes.

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