STF discute se há omissão legislativa inconstitucional na falta de regulamentação do art. 245 da CF, que prevê assistência a herdeiros e dependentes carentes de vítimas de crimes dolosos. A controvérsia está na falta de uma norma específica que detalhe as hipóteses e condições para essa assistência.
Art. 245. A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito.
O caso é analisado no plenário virtual, no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ADO 62, proposta pelo PGR.
O relator, ministro Dias Toffoli, votou pela improcedência do pedido, entendendo que não há omissão. Já o ministro Flávio Dino apresentou voto divergente, nesta sexta-feira, 15, reconhecendo a mora legislativa e propondo prazo de 18 meses para que o Congresso edite a norma regulamentadora.
Com a declaração de suspeição do ministro Edson Fachin e o voto favorável de Cristiano Zanin ao relator, o placar parcial é de 2 a 1 pela improcedência do pedido. O julgamento prossegue até 18 de agosto no plenário virtual.
Entenda o caso
A ação foi proposta pelo Procurador-Geral da República, que alega omissão do Congresso Nacional em regulamentar o art. 245 da CF. O dispositivo prevê que a lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o poder público dará assistência a herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito.
Segundo o PGR, a omissão legislativa compromete a efetividade do direito à assistência previsto no texto constitucional, afetando princípios como a dignidade da pessoa humana, o mínimo existencial e a proteção à família. Afirmou ainda que a mora legislativa persiste há mais de 30 anos e que a simples existência de projetos de lei em tramitação, como o PL 3.503/04, não é suficiente para afastar a inércia deliberativa do Legislativo.
Para reforçar o pedido, o requerente invocou precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que reconhecem os familiares como vítimas indiretas em casos de crimes graves, e sustentou que a ausência da norma impede o exercício pleno do direito social à assistência.
O Senado, por sua vez, sustentou que não há mora legislativa, mencionando a existência de projetos em tramitação nas duas Casas e ressaltando a complexidade orçamentária e técnica da matéria. A Advocacia-Geral da União também se manifestou pela improcedência do pedido, argumentando que a assistência prevista no referido artigo não exige prestação pecuniária específica e que o comando constitucional vem sendo cumprido de forma gradual e difusa, por meio de medidas já adotadas, como a estruturação das Defensorias Públicas e programas sociais.
Foram admitidos como amici curiae o IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família e a Associação Nacional de Membros do Ministério Público, que trouxeram contribuições ao debate sobre a necessidade de regulamentação específica e os impactos sociais da omissão normativa.
Voto do relator
O ministro Dias Toffoli votou pela improcedência da ação, entendendo que o art. 245 da CF não exige que a assistência prevista seja prestada necessariamente em forma de benefício pecuniário. Segundo o relator, a assistência pode ser efetivada por meio de serviços públicos diversos — como os oferecidos pelas Defensorias Públicas e pelo Sistema Único de Assistência Social.
Toffoli ressaltou que, desde a promulgação da Constituição de 1988, houve avanços significativos em políticas públicas voltadas às vítimas de crimes e seus familiares, nas três esferas de governo. Citou legislações federais, estaduais e municipais que, mesmo de forma descentralizada, cumprem progressivamente o comando constitucional.
Para o relator, a existência dessas medidas e a ausência de exigência de uma norma específica afastam a alegação de omissão. Ele defendeu que o controle judicial de políticas públicas deve respeitar o espaço de conformação do legislador, sobretudo diante das limitações orçamentárias, mencionando ainda o princípio da reserva do possível.
Leia o voto do relator.
Omissão legislativa
Em retorno do pedido de vista, o ministro Flávio Dino divergiu do relator por entender que o Congresso não cumpriu o dever constitucional de regulamentar o art. 245, sendo necessário conferir aos herdeiros e dependentes carentes das vítimas um estatuto jurídico próprio, que estabeleça os direitos, deveres e instrumentos de execução dessa assistência.
Dino destacou que o texto constitucional impõe um dever legislativo claro — “a lei disporá” — e que, após 37 anos da promulgação da CF/88, a ausência de norma específica configura omissão legislativa inconstitucional.
"É preciso conferir ao particular grupo vulnerável de “herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas” um estatuto legal protetivo, no qual sejam consolidados os seus direitos, de um lado, e os deveres do Poder Público, de outro, bem como as formas e os meios pelos quais o comando constitucional será concretizado."
O ministro ressaltou ainda que a existência de projetos paralisados, como o PL 3.503/04, reforça o argumento de inércia, afirmando que a jurisprudência do STF "é no sentido de que o decurso excessivo de lapso temporal, sem que o legislador dê cumprimento a inequívoco dever constitucional de legislar, configura a mora, independentemente da existência de projetos de lei em trâmite, bastando que se verifique inércia do legislador em discutir e aprovar a matéria".
Assim, propôs a fixação de prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional aprove a lei regulamentadora, seguindo precedentes do próprio STF em outras ações diretas por omissão.
Confira o voto de Flávio Dino.
- Processo: ADO 62