Ministro Flávio Dino pediu vista e suspendeu, no plenário virtual do STF, julgamento do Tema 1.258 da repercussão geral, que discute a exigência de estorno de créditos de ICMS em operações interestaduais com combustíveis derivados de petróleo, como óleo combustível e querosene de aviação.
A controvérsia gira em torno da interpretação do art. 155 da CF e busca definir se o contribuinte tem ou não direito de manter os créditos de ICMS obtidos em operações internas, quando esses produtos são posteriormente remetidos a outros Estados em transações interestaduais que não sofrem incidência do imposto em favor do Estado de origem.
Até a suspensão, o relator, ministro Dias Toffoli, votou pelo desprovimento do recurso, validando a exigência de estorno dos créditos ao Estado, enquanto ministro Alexandre de Moraes divergiu para propor tese mais restritiva, condicionando a manutenção de créditos a previsão legal expressa.
Entenda
Empresas que comercializam combustíveis derivados de petróleo, como o querosene de aviação, pagam ICMS no momento em que adquirem o produto dentro do Estado.
Esse pagamento gera um crédito do imposto, que em regra pode ser utilizado para compensar tributos de operações futuras, conforme o princípio da não cumulatividade.
A questão surge, porém, quando o combustível é vendido para outro Estado.
Nesses casos, a CF determina que o ICMS seja destinado integralmente ao Estado consumidor, de modo que a saída do produto do Estado de origem não é tributada.
Diante disso, instala-se a controvérsia: a empresa pode manter os créditos já acumulados com a compra, mesmo que na operação interestadual seguinte não haja incidência do imposto no Estado de origem?
Caso
O caso opõe a Raízen Combustíveis S.A. ao Estado de Minas Gerais.
A distribuidora sustenta que, segundo o art. 155, § 2º, X, b, da CF, todo o ICMS incidente sobre combustíveis derivados de petróleo deve ser destinado ao Estado consumidor, não cabendo ao ente de origem exigir o estorno de créditos.
Em sua visão, impor tal obrigação resultaria em quebra da neutralidade tributária e violação ao princípio da não cumulatividade.
Já o Estado de Minas Gerais argumenta que a CF e a lei Kandir (LC 87/96) não preveem a manutenção do crédito nessas hipóteses, cabendo ao contribuinte realizar o estorno quando a operação interestadual não sofre incidência de ICMS.
Para o ente federado, impedir o estorno faria com que o Fisco mineiro arcasse com créditos apropriados pela refinaria sem a correspondente compensação nas operações de saída.
O acórdão do TJ/MG havia validado a exigência fiscal, entendendo que a regra constitucional busca beneficiar os Estados consumidores, mas sem afastar a obrigação do estorno de créditos nas remessas interestaduais imunes.
A decisão também afastou alegações de caráter confiscatório da multa aplicada à distribuidora.
O parecer do Procurador-Geral da República foi favorável à empresa, pelo provimento do recurso.
Voto do relator
Ao votar, o relator, ministro Dias Toffoli observou que a CF, no art. 155, § 2º, X, b, atribui integralmente ao Estado de destino a competência para tributar operações com petróleo e derivados, desde a saída até o consumo.
Esse dispositivo, segundo Toffoli, consagra a regra do destino e busca favorecer Estados consumidores.
Todavia, ponderou que o mesmo texto constitucional, no art. 155, § 2º, II, b, exige o estorno de créditos de ICMS quando há isenção ou não incidência do imposto, salvo disposição expressa em contrário.
Para o ministro, não existe incompatibilidade entre essas duas normas: a primeira garante a arrecadação ao Estado consumidor, enquanto a segunda preserva o equilíbrio da não cumulatividade, impedindo que créditos sejam indevidamente mantidos quando não há tributação na operação seguinte.
Nesse ponto, Toffoli ressaltou que a lei Kandir (LC 87/96) não previu hipótese de manutenção de crédito para operações interestaduais com derivados de petróleo.
Ao contrário do que ocorre com as exportações, em que a CF assegura expressamente a manutenção dos créditos, não há previsão similar para combustíveis.
A ausência dessa previsão normativa demonstra, em sua visão, que o legislador constituinte não desejou estender a exceção para essas situações.
O relator também enfrentou o argumento da empresa de que a manutenção do crédito seria necessária para resguardar a neutralidade do sistema e o princípio da não cumulatividade.
Toffoli sublinhou que esse princípio não tem caráter absoluto, sendo passível de limitações expressas na própria CF.
Para S. Exa., admitir a manutenção de créditos quando a saída interestadual não é tributada implicaria transferir ônus ao Estado de origem, que arcaria com créditos sem a correspondente compensação na arrecadação, distorcendo a lógica do tributo.
Nesse cenário, o Estado de destino receberia a totalidade da receita, ao passo que o Estado de origem suportaria créditos indevidos, o que não encontra respaldo constitucional.
O ministro afastou, ainda, alegação de ofensa ao princípio da isonomia, sob o argumento de que o tratamento diferenciado não decorre da procedência ou do destino da mercadoria, mas sim da própria sistemática constitucional que disciplina o ICMS sobre petróleo e derivados.
Também refutou a tese de caráter confiscatório da multa aplicada, por ausência de comprovação concreta de que a penalidade comprometeria a atividade econômica da contribuinte.
Por fim, Toffoli concluiu que a exigência de estorno determinada pelo Estado de Minas Gerais está em consonância com a CF e com a legislação complementar, não havendo direito da empresa à manutenção dos créditos de ICMS.
Assim, votou pelo desprovimento do recurso extraordinário, mantendo a validade do auto de infração lavrado contra a distribuidora e propôs a seguinte tese:
"O art. 155, § 2º, inciso X, alínea b, da Constituição Federal não enseja a anulação do crédito do ICMS cobrado nas operações internas anteriores."
- Confira a íntegra do voto.
Divergência
Ministro Alexandre de Moraes apresentou voto divergente. S. Exa. defendeu que o texto constitucional é expresso ao impor, como regra, a anulação do crédito nas hipóteses de isenção ou não incidência do imposto (art. 155, §2º, II, b, da CF).
Para Moraes, o art. 155, §2º, X, b, da CF não estabelece imunidade, mas verdadeira hipótese de não incidência voltada a beneficiar o Estado de destino, e não o contribuinte.
O ministro destacou ainda que o princípio da não cumulatividade não é absoluto, sendo excepcionado pela própria CF nos casos de isenção e não incidência.
Lembrou que, diferentemente das exportações (em que a EC 42/03 garantiu expressamente a manutenção dos créditos), não há previsão semelhante para operações interestaduais com petróleo e combustíveis derivados. O silêncio constitucional, para Moraes, é eloquente.
Ao final, Alexandre de Moraes votou por negar provimento ao recurso extraordinário da empresa, fixando a seguinte tese de repercussão geral:
"A manutenção dos créditos de ICMS relativos às operações internas anteriores à operação interestadual com combustível derivado de petróleo, em que não incide o imposto em favor do estado de origem, é possível somente quando expressamente prevista em lei, nos termos do art. 155, §2º, incisos II e XII, alínea “f”, da Constituição Federal."
Leia o voto divergente.
- Processo: RE 1.362.742