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Crime da 113 Sul: STJ anula Júri que havia condenado Adriana Villela

Por maioria, ministros da 6ª turma acolheram a tese de cerceamento de defesa e anularam a condenação de Adriana Villela, que havia sido sentenciada a 61 anos de prisão pela morte dos pais e da empregada da família em 2009.

2/9/2025

A 6ª turma do STJ anulou, por 3 votos a 2, todos os atos do processo penal contra a arquiteta Adriana Villela, incluindo o julgamento pelo júri que a condenou a 61 anos de prisão pelo triplo homicidio no caso que ficou conhecido como “Crime da 113 Sul”.

O ministro Antônio Saldanha Palheiro e o desembargador convocado Otávio de Almeida acompanharam a divergência aberta por Sebastião Reis Júnior, que votou pela anulação da condenação desde a fase de instrução, sob o argumento de cerceamento de defesa.

Placar do julgamento

Relembre o caso

O crime, ocorrido em agosto de 2009, ficou conhecido como "Crime da 113 Sul", em referência à quadra residencial de Brasília onde os assassinatos foram cometidos.

As vítimas foram o advogado e ex-ministro do TSE, José Guilherme Villela, sua esposa, a advogada Maria Carvalho Mendes Villela, e a empregada doméstica Francisca Nascimento da Silva.

A arquiteta Adriana Villela, filha do casal, foi acusada de ser a mandante do triplo homicídio. Em 2019, após ser levada a júri popular, ela foi condenada a 67 anos e seis meses de prisão, pena posteriormente reduzida para 61 anos e três meses.

Ao longo dos anos, a defesa alegou nulidades processuais, entre elas o acesso tardio a mídias com depoimentos de corréus, que só teriam sido disponibilizadas no sétimo dia do julgamento. Para os advogados, isso comprometeu o direito ao contraditório, configurando cerceamento de defesa.

Outro ponto questionado foi a interpretação de uma carta escrita pela mãe de Adriana, com duras críticas à filha. A defesa argumenta que o documento, nunca entregue, refletia apenas desentendimentos familiares, não podendo ser considerado prova do crime.

A defesa também solicitou ao STJ tutela provisória para impedir a execução da pena enquanto o recurso permanecesse em análise.

Por outro lado, o MP/DF, o MPF e o assistente da acusação requereram a execução imediata da pena, com base no entendimento firmado pelo STF no Tema 1.068, que autoriza o cumprimento da condenação imposta pelo Tribunal do Júri mesmo com recursos pendentes.

Os órgãos sustentaram que o recurso da defesa não apresentava argumentos capazes de justificar a anulação do julgamento e reforçaram que a jurisprudência do STF já permite a prisão em tais casos, respeitando a soberania do júri.

Crime da 113 Sul: Por maioria, STJ anula júri que havia condenado Adriana Villela(Imagem: Reprodução/TV Globo)

Soberania do Júri

O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, apresentou seu voto em 11 de março de 2025, rejeitando os pedidos da defesa e votando pela execução imediata da pena.

No voto, o ministro reconheceu falhas nas investigações da Polícia Civil do DF, inclusive a condenação de uma delegada, mas entendeu que elas não invalidaram as provas produzidas em juízo.

Schietti observou que tanto a acusação quanto a defesa apresentaram elementos relevantes, devidamente analisados pelos jurados, que, em sua decisão soberana, acolheram a tese da acusação. Segundo o ministro, as nulidades apontadas não foram suscitadas no momento processual adequado, o que configura preclusão.

Ele ressaltou que o processo penal brasileiro evoluiu para um modelo mais técnico e racional, mas lembrou que essa lógica não se aplica ao tribunal do Júri, que é regido pelo princípio da íntima convicção: os jurados decidem com base em seu senso de justiça, sem necessidade de motivação técnica ou explícita.

Assim, concluiu que, embora as decisões dos jurados possam ser "profundamente irracionais" não podem ser questionadas, pois são soberanas. 

Seguindo o entendimento do STF no Tema 1.068, votou para deferir o pedido do MP para a execução imediata da pena, respeitando a soberania do veredicto do júri.

O ministro Og Fernandes acompanhou integralmente o relator. Para ele, as mídias foram acessadas e utilizadas pela própria defesa durante a sessão do júri, sem registro de protesto ou pedido de nulidade. Citando a jurisprudência do STJ e do STF, defendeu que mesmo nulidades absolutas estão sujeitas à preclusão se não forem arguídas tempestivamente.

Nulidade e cerceamento de defesa

Ao apresentar voto-vista no dia 5 de agosto, o ministro Sebastião Reis Júnior abriu divergência do relator quanto à alegação de cerceamento de defesa, entendendo que houve nulidade processual capaz de invalidar a condenação de Adriana Villela.

A divergência tratou da suposta violação ao Estatuto da Advocacia (art. 7º, XIII e XIV) e ao art. 479 do CPP. Segundo ministro, a defesa não teve acesso oportuno aos depoimentos extrajudiciais dos corréus Leonardo, Paulo e Francisco Mairlon, que só foram disponibilizados no sétimo dia do julgamento em plenário, apesar dos reiterados pedidos ao longo da ação penal.

Sebastião enfatizou que a irregularidade não se restringiu à sessão do júri, mas comprometeu toda a tramitação do processo. Afastou a tese de preclusão, ressaltando que a nulidade era anterior ao julgamento e já vinha sendo arguida desde a fase de instrução.

Além disso, observou que a defesa teve prazo exíguo para analisar mais de doze horas de gravações, descritas como de “áudios ruins e cortados”, sem condições adequadas para selecionar trechos ou estruturar argumentos.

“Não existe dificuldade nenhuma em aquilatar um indispensável prejuízo ao reconhecimento da nulidade, uma vez que os depoimentos extrajudiciais dos corréus foram determinantes para justificar a autoria da recorrente do crime, tanto que utilizados para justificar a manutenção da condenação no tribunal de origem.”

Ao concluir, afirmou que a falta de acesso prévio às provas violou a paridade de armas e impediu o pleno exercício do contraditório, especialmente em julgamento regido pela plenitude da defesa.

“A juntada de depoimentos extrajudiciais que incriminam a recorrente somente no sétimo dia de julgamento perante o Tribunal do Júri, impossibilitando o exercício contraditório efetivo durante a primeira e segunda fase do procedimento do Tribunal do Júri (...) configura inegável cerceamento e, por consequência, latente ofensa à paridade de armas.”

Com esses fundamentos, votou pelo provimento parcial do recurso, anulando a condenação e todo o processo desde a fase de instrução.

Omissão

Ao acompanhar a divergência, o ministro Antonio Saldanha Palheiro ressaltou que a defesa buscou reiteradamente acesso às mídias com os depoimentos dos corréus, sem obter resposta efetiva dos órgãos julgadores. Para ele, essa omissão prolongada configurou grave cerceamento de defesa.

Diferentemente de uma negativa expressa — que permitiria a contagem de prazo para contestação —, tratou-se de uma omissão, que manteve a defesa em estado de incerteza processual.

“É evidente que é um caso de extrema gravidade, controvertido, com diversas oscilações em termos de apuração de autoria, oscilações processuais, procedimentais, interferências de agentes policiais que não tinham competência ou atribuição, vamos chamar mais tecnicamente, para fazer apuração, videntes, e coisas do gênero. Esse processo é de uma conturbação extrema.”

O ministro acrescentou que a complexidade e a instabilidade do processo exigiam rigor redobrado na observância das garantias processuais, sobretudo da paridade de armas, que assegura à defesa igual acesso às provas.

Com esse grau de controvérsia que aflora da análise do processo, da análise desses atos, o segmento do rito procedimental é essencial, para que não haja dúvidas de que o Conselho de Sentença efetivamente teve acesso a todo o acervo probatório e a defesa pôde se utilizar em tempo hábil de tudo o que foi apurado, também a acusação, para fazer valer os seus direitos e, mais uma vez, prevalecer a paridade de armas."

Com esse fundamento, votou pela nulidade da condenação e de toda a ação penal desde a fase de instrução. O desembargador convocado Otávio Almeida acompanhou integralmente esse entendimento.

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