Migalhas Quentes

Juiz manda provar necessidade de ouvir de novo testemunhas em Júri de MS

Para o magistrado, como já havia sido feita oitiva e registrada em vídeo, um depoimento presencial deve demonstrar imprescindibilidade.

15/9/2025

O juiz de Direito Aluizio Pereira dos Santos, da 2ª vara do Tribunal do Júri de Campo Grande/MS, adotou uma postura considerada inovadora, e até polêmica, ao determinar que as partes comprovem a real necessidade de reapresentar testemunhas em plenário. Ao considerar que já há vídeo de depoimento anterior, o magistrado condicionou a oitiva presencial à demonstração de imprescindibilidade, sob pena de repetição desnecessária de provas já produzidas no inquérito e em juízo.

A decisão envolve um processo de homicídio e se baseia nos artigos 422, 423 e 461 do CPP. Para o juiz, a exigência legal de que as testemunhas arroladas nessa fase sejam “indispensáveis” deve ser levada a sério, cabendo ao magistrado exercer controle sobre a liturgia do Júri.

Juiz manda provar necessidade de reouvir testemunhas em Júri de MS.(Imagem: Freepik)

Fundamentos da decisão

Segundo Aluizio Pereira dos Santos, o CPP prevê que o juiz-presidente deve ordenar diligências necessárias para sanar nulidades ou esclarecer fatos relevantes. Dessa forma, ouvir novamente testemunhas que já prestaram depoimento em delegacia e em juízo não seria imprescindível, mas mera repetição.

O magistrado ainda citou o artigo 212 do CPP, que veda perguntas que importem na repetição de respostas já dadas. Para ele, insistir em novas oitivas diante dos jurados ignora a estrutura tecnológica já disponível, como os registros em áudio e vídeo feitos durante a instrução processual. Em seu modo de ver, esses vídeos poderiam ser reproduzidos em telão, cuja estrutura também é colocada à disposição pelo Judiciário.

Além do aspecto jurídico, o juiz ressaltou fatores práticos: custos elevados ao Judiciário, sobrecarga da pauta de julgamentos e desgaste dos jurados em sessões que se estendem por todo o dia. Ele também destacou que vítimas sobreviventes e familiares ficam em situação de vulnerabilidade quando convocados a repetir depoimentos, especialmente em crimes violentos.

O argumento do juiz

O juiz fez questão de contextualizar sua decisão, evocando mudanças históricas no procedimento do Júri.

“No passado, os depoimentos eram apenas datilografados, sujeitos a falhas. Mesmo assim, não se tinha o costume de repetir toda a instrução em plenário. Hoje, com tecnologia de gravação em áudio e vídeo, não faz sentido submeter testemunhas a prestar duas vezes o mesmo depoimento”, afirmou

O magistrado também mencionou que o legislador, na reforma do CPP de 2008, já havia banido as leituras enfadonhas de peças em plenário para tornar o julgamento mais dinâmico. A seu ver, o mesmo raciocínio deve ser aplicado às oitivas de testemunhas.

O tribunal do júri não pode ter sua liturgia arraigada nos idos do Brasil-carroça. Não adianta investir em tecnologia se não houver mudança de mentalidade também no tribunal do júri”, acrescentou, citando trechos de livro de sua autoria sobre videoconferência no processo penal. 

Ao decidir, o magistrado observou que o tema toca em ponto sensível do sistema: o equilíbrio entre a tradição do Júri, a garantia de defesa plena e a eficiência processual.

Ao final, o juiz determinou que as partes apresentem, no prazo de cinco dias, justificativas claras sobre quais fatos ainda necessitam de prova oral em plenário para que se reconheça a indispensabilidade das testemunhas.

Leia a decisão.

Veja a versão completa

Leia mais

Migalhas Quentes

Para Toffoli, Júri é "peça de museu romântico"; Zanin discorda

2/10/2024
Migalhas Quentes

Toffoli diz para Congresso propor extinção do Júri: "passou da hora"

29/6/2023
Migalhas Quentes

"Não funciona”, diz Toffoli sobre Tribunal do Júri

29/9/2020