STF retomou nesta sexta-feira, 19, a análise da validade da lei 14.434/22, responsável por instituir o piso salarial nacional da enfermagem. A análise ocorre em plenário virtual e segue até o dia 26.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela procedência parcial da ação, reconhecendo a constitucionalidade da norma, mas impondo parâmetros para sua aplicação, como a fixação da jornada de 40 horas semanais como referência para o pagamento integral do piso, a limitação da obrigação de estados e municípios aos repasses federais e a exigência de negociação coletiva no setor privado.
A CNSaúde - Confederação Nacional de Saúde ajuizou a ADIn 7.222 contra a lei 14.434/22, que alterou a lei 7.498/86 para fixar o piso salarial nacional de R$ 4.750,00 para enfermeiros, com percentuais de 70% para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares e parteiras.
A entidade sustenta que a norma é inconstitucional por vício de iniciativa, além de violar a autonomia financeira de estados e municípios. A CNSaúde também alegou ausência de estudo adequado de impacto financeiro e risco de efeitos adversos, como desemprego, fechamento de unidades e sobrecarga do SUS.
Histórico
A discussão sobre o piso da enfermagem já passou por diferentes fases no Supremo. Em setembro de 2022, o ministro Barroso suspendeu a lei por entender que não estavam claras as fontes de custeio. No ano seguinte, após a edição da EC 127/22 e da lei 14.581/23, que previram assistência financeira da União a estados, municípios e entidades filantrópicas, a Corte liberou parcialmente a aplicação da norma.
Em junho de 2023, o plenário referendou o voto de Barroso, determinando a aplicação do piso, mas com condicionantes: nos municípios, a implementação dependeria do repasse federal; no setor privado, deveria haver negociação coletiva prévia.
O Tribunal também definiu que o piso seria proporcional à jornada de 44 horas semanais, com redução para cargas horárias menores.
Já em dezembro de 2023, por maioria (6 a 4), o STF deu provimento a embargos e consolidou que, no setor privado, o piso deveria ser aplicado de forma regionalizada, via negociação coletiva. Em caso de impasse, caberia dissídio coletivo na Justiça do Trabalho. Também firmou que o piso se refere à remuneração global, e não apenas ao salário-base.
Até esse momento, todas as decisões eram de caráter cautelar e provisório. Agora, com o julgamento de mérito, o STF analisará de forma definitiva a constitucionalidade da lei do piso da enfermagem.
O voto do relator
No julgamento de mérito iniciado nesta sexta, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou voto pela procedência parcial da ação:
- Servidores públicos: reconheceu a aplicação do piso também a servidores estatutários, com base na EC 124/22.
- Financiamento: condicionou a obrigação de estados, municípios e entidades conveniadas ao SUS ao limite dos recursos repassados pela União, inclusive para os encargos legais decorrentes (13º, férias, contribuições previdenciárias).
- Setor privado: defendeu que a implementação do piso pelos celetistas em geral deve ser precedida de negociação coletiva, que pode fixar valores distintos dos previstos em lei. Considerou inconstitucional a expressão “acordos, contratos e convenções coletivas” no art. 2º, §2º, da lei.
- Carga horária: propôs que o piso integral corresponda a 40 horas semanais (e não 44, como havia sido definido em 2023), com redução proporcional para jornadas menores.
Barroso destacou que a lei encontra respaldo na Constituição após a aprovação da EC 124/22, que autorizou a criação do piso para enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras, tanto no setor público quanto no privado.
Ressaltou, contudo, que a União não pode impor encargos a estados e municípios sem garantir o financiamento correspondente — ponto solucionado pela EC 127/22, que obrigou o governo federal a prestar assistência financeira complementar. Assim, a aplicação do piso nos entes subnacionais deve se limitar aos recursos efetivamente repassados.
Quanto ao setor privado, o relator observou que não seria razoável excluir esses profissionais do benefício. Para mitigar riscos de demissões e prejuízos na oferta de serviços, defendeu a prevalência da negociação coletiva, reconhecendo que acordos podem fixar valores diferentes.
Daí a declaração de inconstitucionalidade da expressão “acordos, contratos e convenções coletivas”, que impedia essa flexibilidade.
Em relação à jornada de trabalho, propôs que o cálculo do piso seja feito com base em 40 horas semanais, levando em conta a realidade predominante da categoria e recomendações internacionais de saúde e segurança, com redução proporcional quando a carga contratada for menor.
Por fim, o ministro alertou para o risco de “inconstitucionalização progressiva” da fixação de pisos nacionais em diferentes categorias, por ameaçar a autonomia federativa e a livre iniciativa. Apesar da ressalva, validou o piso da enfermagem, desde que observadas as salvaguardas mencionadas.
O julgamento segue em plenário virtual até dia 26.
- Processo: ADIn 7.222
Leia o voto do relator.