Migalhas Quentes

CF/88: Jovem na idade, mas muito emendada frente a outras Constituições

O elevado número de alterações fez da Constituição de 1988 uma das mais mutáveis do mundo democrático.

5/10/2025

A Constituição Federal de 1988, que neste domingo, 5, completa 37 anos, nasceu no processo de redemocratização, resultado de intensos debates na Assembleia Nacional Constituinte. Promulgada com a promessa de garantir liberdades e ampliar direitos sociais, é conhecida como “Constituição Cidadã”.

Mais de três décadas depois, porém, a Carta já não é a mesma. O texto sofreu inúmeras modificações por meio das Emendas Constitucionais, que tanto viabilizaram grandes reformas, como mudanças na Previdência e no sistema de gastos públicos, quanto ajustes pontuais em áreas diversas.

De acordo com a Câmara dos Deputados¹, o Brasil tem hoje uma das Constituições mais emendadas dos países democráticos. Desde 1988, já foram aprovadas 136 emendas em 37 anos de vigência, um ritmo que chama atenção quando comparado ao de outros países.

Pelo mundo afora

Nos Estados Unidos, a Constituição de 1787, em vigor há mais de dois séculos, soma apenas 27 emendas, segundo o National Archives². A Índia, que também tem uma Constituição extensa e detalhista, aprovou 106 emendas até 2025, de acordo com o Ministry of Law and Justice³.

Na Espanha, houve apenas 3 reformas constitucionais desde 1978, conforme registros do Congreso de los Diputados e do Senado de España4. Já a Alemanha contabiliza 67 emendas ao Grundgesetz desde 1949, segundo o site do Ministério da Justiça5.

Em Portugal, a Constituição de 1976 passou por 7 revisões constitucionais, sendo a última em 2005, de acordo com a Assembleia da República6.

Esse contraste evidencia, segundo especialistas, como a Constituição brasileira é particularmente dinâmica, o que lança luz sobre os fatores que levaram a tantas alterações desde 1988.

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A visão da ministra

Dez anos atrás, em 2015, Migalhas ouviu a ministra Cármen Lúcia sobre as constantes alterações na Constituição Federal. À época, a ministra ressaltou que a Carta Magna foi elaborada em um contexto de grandes transformações no mundo, mas que o próprio mundo também já havia passado por mudanças profundas desde então - e o Direito, sendo vivo, deve acompanhar essas transformações.

Cármen Lúcia observou que a jurisprudência constitucional precisa ter estabilidade, mas ponderou não enxergar a Constituição como um texto “sagrado demais para não ser tocado”, evocando uma ideia que remete a Thomas Jefferson ainda no século 18. “Pode ser tocada, sim, e deve ser alterada”, afirmou.

A ministra destacou, no entanto, a importância de se analisar as razões de tantas mudanças, a fim de evitar que uma mesma norma seja modificada repetidamente, o que pode comprometer a coerência e a segurança jurídica.

Assista:

Por que tantas emendas?

A Constituição de 1988 possui elevado grau de detalhamento, trazendo para dentro do texto matérias que em outros países ficariam restritas à legislação ordinária. Esse traço fez com que, ao longo dos anos, o país registrasse um número expressivo de emendas constitucionais.

Segundo o cientista político Antônio Alves Tôrres Fernandes, no artigo “Emendas constitucionais e ações diretas de inconstitucionalidade no Brasil”, “a Constituição apresenta diversas políticas de características mutáveis de governo a governo na própria Carta Constitucional, o que leva a um processo permanente de emendamentos” 7.

Assim, a cada mudança de governo, não apenas políticas públicas são redefinidas, mas o próprio texto constitucional sofre alterações.

O autor também enfatiza a força política do Executivo, apontando que “o executivo, a partir dos seus poderes e capacidade de formar coalizões, permite superar a ideia de constituição rígida, conseguindo, por meio de uma forte coalizão no congresso, passar as reformas propostas”.

Nesse contexto, a negociação entre governo e base parlamentar se torna decisiva para o avanço de reformas constitucionais.

O procedimento legislativo reforça essa dinâmica: são necessárias duas votações em cada Casa, com aprovação de 308 deputados e 49 senadores, mas o Congresso não precisa consultar nenhum outro órgão.

Assim, a decisão de alterar a Constituição fica concentrada exclusivamente nos parlamentares.

(Imagem: Arte Migalhas)

E as consequências?

O elevado número de emendas constitucionais evidencia a intensa dinâmica de mudanças na Constituição de 1988. Marcelo Schenk Duque, doutor em DIreito do Estado, em artigo publicado no Migalhas8, observa que com a prática de mudanças "abre-se caminho para um processo de erosão da identidade constitucional de uma nação”.

Esse excesso, segundo o advogado, reforça o caráter analítico da Constituição, tornando-a cada vez mais extensa e fragmentada, a ponto de ser vista como uma “colcha de retalhos”.

Para Duque, a constitucionalização de matérias que poderiam estar na legislação infraconstitucional acaba por “deturpar, de certo modo, a própria democracia”.

Por fim, o causídico alerta que, quando o texto passa a ser alterado “de forma descompromissada, sem o devido debate”, o Poder Constituinte derivado deixa de atuar como um poder apoiado pela Constituição e passa a agir de modo desvinculado, colocando em risco a própria noção de rigidez constitucional.

Referências

  1. Câmara dos Deputados. Portal da Câmara: número de emendas constitucionais (2025).
  2. National Archives. Constitution of the United States: Amendments 1–27. Nota oficial, 2025.
  3. Ministry of Law and Justice (India). Constitution Amendment Acts 1 to 106. Atualizado em 2025.
  4. Congreso de los Diputados; Senado de España. Reforma Constitucional – art. 49 (2024).
  5. Gesetze im Internet (Ministério da Justiça da Alemanha). Texto consolidado do Grundgesetz, atualizado em março/2025.
  6. Assembleia da República (Portugal). Página oficial de Revisões Constitucionais.
  7. Fernandes, Antônio Alves Tôrres. Emendas constitucionais e ações diretas de inconstitucionalidade no Brasil (1988–2016). Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 5, n. 3, 2018.
  8. Duque, Marcelo Schenk. 125 emendas constitucionais: ainda possuímos uma Constituição rígida? Migalhas – Dinâmica Constitucional, 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/dinamica-constitucional/370242/125-emendas-constitucionais-ainda-possuimos-uma-constituicao-rigida
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