Por maioria, a 5ª turma do STJ concedeu habeas corpus de ofício para afastar a valoração negativa de maus antecedentes em condenação por tráfico de drogas, reconhecendo a impossibilidade de utilizar condenação extinta há mais de dez anos para agravar a pena.
A decisão foi tomada nos termos do voto divergente do ministro Joel Ilan Paciornik, que entendeu ser incompatível com o princípio da razoabilidade e com a vedação constitucional de penas de caráter perpétuo considerar fatos tão antigos na dosimetria.
Ficou vencido o relator, desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti.
Entenda o caso
O recurso foi impetrado em favor de condenado por tráfico de drogas que buscava o reconhecimento da causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da lei 11.343/06 (tráfico privilegiado).
A defesa contestou o uso de condenação anterior, cuja punibilidade havia sido extinta há mais de dez anos, para caracterizar maus antecedentes e, com isso, afastar o redutor. Argumentou que a utilização de fato tão antigo violaria o direito ao esquecimento e a vedação constitucional de penas de caráter perpétuo, pleiteando, assim, o redimensionamento da pena com aplicação do redutor.
O TJ/ES, contudo, negou provimento à apelação, mantendo a condenação e a pena de sete anos de reclusão, em regime inicial fechado, o que levou à impetração do habeas corpus no STJ.
Longo lapso temporal
Em voto-vista, o ministro Joel Ilan Paciornik divergiu do relator ao reconhecer ilegalidade na valoração negativa dos antecedentes, por considerar desarrazoado utilizar condenação extinta há mais de dez anos para agravar a pena.
Destacou que, embora o CP adote o sistema da perpetuidade quanto aos antecedentes, a jurisprudência do STJ vem relativizando essa regra com base na teoria do direito ao esquecimento.
Paciornik citou precedentes das duas turmas criminais do tribunal e o leading case do STF (RE 593.818), que admitiu o afastamento de antecedentes antigos ou desimportantes na dosimetria.
“Em 2023, o STF acolheu embargos de declaração no RE 593.818, considerado como leading case, para esclarecer que não se aplica, ao reconhecimento dos maus antecedentes, o prazo quinquenal da prescrição da reincidência previsto no art. 64, inciso I, do CP, podendo o julgador, de forma fundamentada, eventualmente não promover qualquer incremento na pena-base em razão de condenações pretéritas quando as considerar desimportantes ou demasiadamente distanciadas no tempo. Em consonância com essa orientação, desde então, o STJ tem reafirmado a possibilidade de afastamento dos maus antecedentes muito antigos.”
Por fim, observou que a circunstância de o novo delito ser da mesma espécie do anterior não afasta a incidência do direito ao esquecimento, cuja origem está na vedação constitucional de penas de caráter perpétuo.
Assim, votou por dar provimento ao agravo regimental e conceder habeas corpus de ofício, a fim de afastar a valoração negativa dos antecedentes e determinar que o TJ/ES realize novo julgamento da apelação, desconsiderando a condenação anterior.
Paciornik, contudo, não aplicou diretamente o redutor do tráfico privilegiado, que deverá ser reavaliado pela instância de origem.
Direito a esquecimento
O voto foi acompanhado pelos ministros Ribeiro Dantas, Reynaldo Soares da Fonseca e Messod Azulay Neto, todos alinhados à tese da razoabilidade temporal na análise dos antecedentes.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que a interpretação adotada reflete a posição predominante da 5ª e da 6ª turmas:
“Vou acompanhar a divergência (...) que aponta a interpretação que tem prevalecido na quinta e sexta turmas em relação aos antecedentes com fatos tão longínquos que, apesar de não se reconhecer o direito ao esquecimento pela Suprema Corte, isso não pode ensejar a perpetuidade em matéria de antecedentes sem qualquer parâmetro de ponderação ou razoabilidade. E, nesse sentido, o próprio STF tem feito também tal ponderação.”
O ministro Ribeiro Dantas também acompanhou a divergência e ponderou sobre a necessidade de certos limites temporais:
“Acho que, quando o Supremo se debruçar novamente e com profundidade sobre o tema, ainda que mantenha a linha atual de que, em princípio, não existe direito ao esquecimento, ele há de estipular padrões e exceções, porque também não pode ser regra absoluta a perduração completa num sistema em que tudo fica registrado ad eternum. Como se diz de brincadeira nas redes sociais, ‘os fatos passam, mas o print é eterno’.”
Nesse sentido, ressaltou que “o print e a recordação dos registros são úteis em muitos aspectos, mas, às vezes, inviabilizam a vida das pessoas. (...) Afinal de contas, o Direito, observado historicamente, sempre conviveu com prescrições, preclusões, decadências, preempções e outros instrumentos que nos permitem, em muitos casos, deixar o passado no passado para que a gente possa voltar a viver de outra forma.”
Assim, por maioria de votos, a 5ª turma do STJ deu provimento ao agravo regimental, reformou a decisão monocrática e concedeu habeas corpus de ofício, nos termos do voto do ministro Joel Ilan Paciornik, que lavrará o acórdão.
Ficou vencido o relator, desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti.
- Processo: HC 986.675