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Com divergências, julgamento de lei que libera amianto é suspenso no STF

Análise foi interrompida por pedido de vista do ministro André Mendonça.

27/10/2025

O STF, no plenário virtual, suspendeu julgamento que analisa a constitucionalidade da lei 20.514/19, do Estado de Goiás, que autoriza, para fins de exportação, a extração e o beneficiamento do amianto da variedade crisotila.

A análise, reiniciada na última sexta-feira, 24, foi interrompida por vista do ministro André Mendonça. Até o pedido, os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Nunes Marques e Edson Fachin haviam votado pela inconstitucionalidade da norma, divergindo, contudo, quanto à modulação dos efeitos.

Entenda o caso

A norma foi sancionada em 2019, dois anos após o Supremo ter declarado a inconstitucionalidade do art. 2º da lei 9.055/95, que permitia a exploração do amianto no país.

Na ação, a ANPT - Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho sustentou que a lei estadual violava os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado, previstos nos arts. 6º, 7º, XXII, 196 e 225 da Constituição, configurando tentativa de burlar a proibição nacional já reconhecida pelo STF em diversos precedentes.

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O Estado de Goiás defendeu a validade da norma, afirmando que ela tinha caráter restrito e destinava-se apenas à exportação, sem risco direto à população local.

O debate ganhou destaque em razão do impacto econômico e social da medida sobre o município de Minaçu/GO, sede da principal mina de amianto da América Latina, explorada pela empresa Sama Minerações Associadas.

Voto do relator

Para o relator, ministro Alexandre de Moraes, a norma estadual contrariou dispositivos constitucionais de proteção à saúde e ao meio ambiente.

"A extração mineral e o tratamento de amianto crisotila (amianto branco), fibra natural de larga utilização em setores vitais da indústria, embora aparente demonstrar menor grau de nocividade que as demais variedade de asbestos, terminam por contrapor os vetores constitucionais do desenvolvimento econômico e do equilíbrio ecológico, cuja conjugação, contudo, deve conformar um crescimento pautado na sustentabilidade, além de refletir um prudente e precavido escopo de equidade intergeracional."

O ministro ressaltou ainda que o princípio da sustentabilidade está implícito na Constituição e deve orientar qualquer atividade econômica que impacte o meio ambiente. Assim, lembrou que o amianto crisotila é reconhecidamente prejudicial à saúde e que o ordenamento jurídico brasileiro, ao incorporar a convenção 162 da OIT por meio do decreto 10.088/19, reforçou o compromisso do país com o abandono progressivo do uso do mineral.

Além disso, destacou que o STF já havia reconhecido a inconstitucionalidade da utilização do amianto, declarando que a lei 9.055/95, que antes autorizava a exploração da substância, tornou-se incompatível com a Constituição diante do avanço científico que comprovou os riscos à saúde e ao meio ambiente.

Nesse sentido, segundo afirmou, mesmo a exploração voltada exclusivamente à exportação não se desvincula da proibição consolidada pelo Tribunal, pois mantém os riscos ambientais e sanitários, além de contrariar compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Modulação dos efeitos

Inicialmente, o relator propôs que os efeitos da decisão de inconstitucionalidade tivessem início 12 meses após a publicação da ata do julgamento, a fim de permitir uma transição gradual e minimizar os impactos socioeconômicos em Minaçu/GO.

Posteriormente, em complemento de voto, ampliou a modulação para 24 meses, em razão da edição da lei estadual 22.932/24, que fixou prazo de cinco anos para o encerramento das atividades e previu a assinatura de termos de compromisso entre o Estado e as mineradoras.

O ministro entendeu que, embora o novo prazo fosse excessivo, o debate legislativo demonstrou a necessidade de um período maior de adaptação “por razões de segurança jurídica e de excepcional interesse público”.

Leia o voto do relator.

STF suspende análise de lei que libera exploração de amianto em Goiás(Imagem: Marcelo Justo/Folhapress)

Divergências

O ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator quanto à inconstitucionalidade da norma, mas divergiu parcialmente na modulação. Em voto-vista, defendeu que os efeitos deveriam ocorrer após cinco anos, prazo previsto na lei 22.932/24.

Para Gilmar, a paralisação das atividades das mineradoras em curto prazo poderia inviabilizar economicamente a cidade.

A declaração pura e simples da inconstitucionalidade da lei, sem alternativas de diversificação econômica, poderia inviabilizar a própria subsistência da cidade”, afirmou.

Apesar de defender o prazo de cinco anos, Gilmar aderiu à proposta ajustada de Moraes, caso fosse vencido, aceitando o prazo de 24 meses.

Leia o voto do ministro Gilmar Mendes.

Acompanhando o entendimento, ministro Nunes Marques reconheceu a inconstitucionalidade da lei 20.514/19, mas ressaltou que o encerramento imediato das atividades provocaria severos impactos sociais e econômicos para a população de Minaçu/GO.

Segundo afirmou, o Estado de Goiás demonstrou, com a lei 22.932/24, disposição para promover uma transição responsável e que o prazo de cinco anos seria “razoável e proporcional” para permitir o reordenamento econômico da região.

É prudente reconhecer a competência do Estado de Goiás para planejar a transição econômica de Minaçu, de forma coordenada e compatível com os valores constitucionais da proteção ambiental e da justiça social”, declarou.

Subsidiariamente, Nunes Marques também afirmou que, caso prevalecesse a posição do relator, aderiria ao prazo de 24 meses proposto no complemento de voto.

Leia o voto do ministro Nunes Marques.

A ministra Rosa Weber, então presidente do STF, por sua vez, apesar de acompanhar o relator qunto à inconstitucionalidade da norma, rejeitou qualquer modulação, afirmando que a lei foi editada em desrespeito à jurisprudência consolidada do STF, e que permitir sua vigência por mais tempo seria transgredir "o postulado da segurança jurídica”.

Para a ministra, não estão presentes razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social que legitimem a modulação de efeitos, devendo a decisão produzir efeitos imediatos.

Leia o voto de Rosa Weber.

O ministro Edson Fachin acompanhou a divergência. Em voto, afirmou que o Estado de Goiás editou a lei 20.514/19 “em franca violação à jurisprudência já alicerçada no âmbito desta Suprema Corte” e considerou não haver justificativa constitucional para preservar os efeitos de norma que afronta decisões anteriores do próprio Tribunal.

Fachin também rejeitou a modulação de efeitos.

Leia o voto de Fachin.

Veja a versão completa

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