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STJ nega dano coletivo por trote que obrigava calouras a prometer sexo

Para a 4ª turma, a repercussão nas redes sociais, por si só, não comprova lesão a valores fundamentais da coletividade, requisito essencial para a configuração do dano moral coletivo.

28/10/2025

A 4ª turma do STJ manteve indeferimento de pedido do MP/SP para condenar ex-aluno de Medicina da Unifran - Universidade de Franca por declarações machistas em trote universitário, ao entender que o caso não configurou dano moral coletivo.

Na ação, o parquet alegou que a ampla divulgação do episódio nas redes sociais teria causado ofensa a valores sociais e morais, justificando a indenização coletiva. No entanto, para o colegiado, a mera repercussão digital do fato não basta para caracterizar lesão a valores fundamentais da coletividade, requisito essencial para a configuração do dano.

Entenda

O caso teve início em 2019, quando o ex-aluno da universidade e ex-integrante da atlética do curso de medicina, participou de um trote universitário que recepcionava os novos calouros.

Sob o pretexto de apresentar o hino da instituição, ele conduziu os ingressantes a entoarem um juramento com frases de cunho misógino, sexista e pornográfico, dirigido especialmente às mulheres presentes.

De acordo com a ação proposta pelo MP/SP, o ex-aluno fez com que as calouras jurassem “nunca recusar a uma tentativa de coito de veteranos de medicina, mesmo que eles cheirassem ‘cecê’ ou fossem desprovidos de beleza”, enquanto os calouros homens deveriam prometer “usar, manipular e abusar” das colegas sem ligar no dia seguinte.

Para o parquet, o discurso reproduziu estereótipos machistas, atentou contra a dignidade das mulheres e reforçou a cultura do estupro, gerando humilhação e ofendendo não apenas as participantes do evento, mas todas as mulheres.

Conforme destacou, os vídeos do trote foram gravados, divulgados nas redes sociais e repercutiram na imprensa nacional, gerando diversas manifestações de repúdio, e essa reação social seria prova do dano coletivo e da violação à tranquilidade pública.

Diante disso, pediu que o ex-aluno fosse condenado ao pagamento de indenização por dano moral coletivo e dano social, no valor de 40 salários-mínimos.

Animus jocandi

Em 1ª instância, o juízo negou o pedido ao entender que o discurso não causou ofensa à coletividade das mulheres, uma vez que o aluno se dirigiu apenas ao grupo restrito de pessoas presentes.

A sentença, contudo, foi alvo de críticas por conter a observação de que "o movimento feminista colaborou para a degradação moral que vivemos".

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A decisão foi mantida pelo TJ/SP, ao considerar que as declarações foram realizadas em tom de brincadeira, destacando que “o 'animus jocandi' é capaz de excluir até mesmo o dolo da responsabilidade criminal, em crimes contra a honra, afinal, não se pode criminalizar o humor, ainda que julgado seu conteúdo como imoral, discriminatório e machista".

STJ nega dano moral coletivo por discursos misóginos em trote universitário.(Imagem: Alessandro Shinoda/Folhapress)

Liberdade de expressão x Direitos fundamentais

Ao analisar o caso no STJ, o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, reconheceu o caráter "inequivocamente misógino" das declarações, ressaltando que “tais manifestações objetificam a mulher, perpetuam estereótipos de gênero e promovem visão degradante da dignidade feminina, merecendo repúdio por sua natureza discriminatória”.

No entanto, afirmou que o dano moral coletivo é instituto de aplicação excepcional e exige demonstração rigorosa de lesão a valores fundamentais da sociedade.

Segundo o relator, “a mera capacidade de mobilização da opinião pública digital não constitui parâmetro juridicamente idôneo para aferir a gravidade objetiva da lesão exigida para caracterização do dano coletivo”.

Nesse sentido, o ministro enfatizou que a repercussão nas redes não substitui a comprovação de nexo causal entre a conduta e a suposta lesão coletiva, o que entendeu não ter sido demonstrado:

É necessário demonstrar nexo causal direto entre a conduta específica do agente e a alegada lesão coletiva, não bastando a repercussão posterior provocada por terceiros ou a dimensão que o fato adquiriu nas mídias sociais”, observou.

Conforme afirmou, aceitar a repercussão digital como parâmetro jurídico equivaleria a “submeter o ordenamento jurídico às oscilações do humor coletivo nas redes sociais”.

Assim, para o relator, os fatos demonstraram que o evento teve caráter restrito e espontâneo, com “participação voluntária dos envolvidos e ausência de reação negativa imediata”, o que limita a análise ao plano da responsabilidade individual.

Ao concluir o voto, o ministro destacou que a decisão “não implica tolerância ou aprovação do conteúdo discriminatório das manifestações”, mas reflete a necessidade de preservar o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a tutela de direitos fundamentais.

O entendimento foi acompanhado por unanimidade pelo colegiado.

Leia o voto do relator e o acórdão.

Veja a versão completa

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