Por unanimidade, a 1ª câmara de Direito Público do TJ/SC decidiu anular auto de infração milionário do Procon de Florianópolis/SC contra o iFood, por suposta prática abusiva (venda casada) na imposição de valor mínimo para pedidos realizados por meio da plataforma.
O colegiado acompanhou o voto-vista do desembargador Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, que divergiu do relator, desembargador Jorge Luiz de Borba, levando-o a rever seu posicionamento inicial e dar provimento ao recurso da empresa.
Entenda
O caso teve origem em procedimento administrativo instaurado após reclamações de consumidores sobre a exigência de um valor mínimo para concluir compras no aplicativo.
O Procon municipal entendeu configurada prática abusiva, equiparável à venda casada, e aplicou multa administrativa superior a R$ 2,5 milhões, posteriormente reduzida em sede recursal.
Na esfera judicial, a sentença manteve a penalidade, reconhecendo a competência do Procon e a suficiência da motivação do auto de infração.
Em apelação, o iFood sustentou nulidades no processo administrativo e defendeu a licitude da conduta, argumentando que a definição de valores mínimos é feita pelos próprios estabelecimentos parceiros, e não pela plataforma, que atua como intermediária tecnológica.
Posição inicial
No voto inicial, o relator, desembargador Jorge Luiz de Borba, defendeu a manutenção da multa, reconhecendo a responsabilidade do iFood como fornecedor na cadeia de consumo.
Para ele, a atuação da plataforma "extrapola a simples listagem de estabelecimentos", alcançando processamento de pagamentos, integração logística e atendimento, o que a tornaria corresponsável por práticas comerciais adotadas no ambiente digital que ela própria estrutura e governa.
Segundo o relator, condicionar o fechamento da compra a um valor mínimo impõe limite quantitativo injustificado ao consumidor, restringindo a liberdade de escolha e caracterizando prática equiparável à venda casada.
"[...] o requisito de gasto mínimo, imposto como condição de conclusão da compra, a despeito do consumidor se dispôr a pagar o item desejado e a taxa de entrega, extingue indevidamente a escolha e, na prática, força o consumo além do interesse inicial", afirmou.
Também rechaçou as teses de nulidade processual levantadas pela empresa, destacando que o processo administrativo atendeu aos princípios da motivação e da ampla defesa e que o controle judicial de atos sancionatórios deve se restringir à legalidade, sem revaloração do mérito administrativo.
Assim, em um primeiro momento, o relator votou por negar provimento ao recurso, mantendo a validade do auto de infração e a proporcionalidade da multa imposta.
Mudança de entendimento
Após o voto-vista do desembargador Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, que defendeu não se tratar de venda casada e reconheceu que a imposição de valor mínimo decorre exclusivamente de decisão dos estabelecimentos comerciais, o relator reconsiderou seu voto e passou a acompanhar a divergência.
"Não é o iFood que bota o preço. Um bota R$ 5, outro bota R$ 15. Então, quem bota o preço mínimo mesmo é o estabelecimento que está vendendo, não o iFood. Eu acho que de fato nós não podemos obrigar ninguém a ter prejuízo e tampouco restringir o direito do consumidor", observou o relator.
Confira a reconsideração do voto:
Com a mudança de posicionamento do relator, o colegiado decidiu declarar a nulidade do auto de infração e julgar procedente o pedido inicial formulado pela empresa.
A decisão reconhece a inexistência de prática abusiva na exigência de valor mínimo para pedidos, desde que tal política seja adotada pelos restaurantes parceiros de forma autônoma.
- Processo: 5120252-63.2022.8.24.0023
Veja a ata de julgamento.
Nota
Em nota, o iFood destacou que a decisão reforça a modernidade do mercado, garante a cobertura dos custos de operação dos estabelecimentos parceiros e reconhece a autonomia dos restaurantes.
A empresa afirmou que o valor mínimo é uma prática comum no setor, também presente em pedidos feitos por telefone ou aplicativos próprios, e que a proibição prejudicaria especialmente pequenos negócios que dependem do delivery para operar.