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Nomeação sequencial e simultânea de coárbitros

terça-feira, 27 de maio de 2025

Atualizado às 10:57

O famoso ditado, segundo o qual a arbitragem vale o que vale o árbitro, além de ser verdadeiro e atual, se justifica, pois, pertence ao árbitro a obrigação de resultado de proferir um julgamento que resolva o litígio entre as partes e seja exequível. Se a arbitragem vale o que vale o árbitro1, a parte que pretende desenhar um procedimento que atenda seus interesses certamente terá a intenção de indicar árbitro de sua confiança, na forma do art. 13 da lei 9.307/96 ("Lei de Arbitragem"2). Confiança, a qual como se sabe, deve ser lida como capacidade moral e técnica da pessoa que exercerá a função de árbitro3.

Muito se estuda a respeito do processo se formação do tribunal arbitral, especialmente quanto aos efeitos da aceitação da missão jurisdicional pelos árbitros4. No entanto, ao processo de aceitação antecede outro, que é o da indicação de árbitros.

A lei de arbitragem não dispõe de regras a respeito da forma de indicação de árbitros, deixando tal ponto à conveniência das partes, no âmbito de sua autonomia. As partes podem, portanto, em determinado instrumento contratual, estabelecer convenção de arbitragem cheia que, dentre outras disposições, disponham como se dará a nomeação dos coárbitros e do presidente do tribunal arbitral, ou simplesmente remeter tal questão às regras de determinado regulamento de arbitragem provido por uma instituição, que é o que ocorre na maioria das vezes5.

A forma de nomeação de coárbitros pelas partes é um ponto que merece atenção e é pouco explorado tanto pela doutrina nacional quanto estrangeira. O estudo dos regulamentos de arbitragem das instituições mais tradicionais no Brasil e no mundo revela certa disparidade no que tange a forma de nomeação dos coárbitros. Em determinados regulamentos, as nomeações ocorrem de forma sequencial, isto é, a parte requerente indica um árbitro no requerimento de arbitragem enquanto a parte requerida indica outro árbitro na correspondente resposta. Já em outros regulamentos, a nomeação dos coárbitros se dá de forma simultânea, após a apresentação do requerimento de arbitragem e resposta. A dúvida em relação a tal ponto, e que é o tema central dessas linhas, é se um método é mais ou menos vantajoso do que o outro.

A parte quando nomeia uma pessoa a exercer a função de árbitro, como dito, o faz no caso concreto, pensando nos seus interesses de forma estratégica. Fazê-lo no requerimento de arbitragem é a forma mais usual e adotada no cenário da arbitragem internacional. Por todos6, cita-se o principal regramento de arbitragem comercial internacional existente, qual seja, o regulamento de arbitragem da CCI - Câmara de Comércio Internacional, que, em seu art. 4º, (3) (g) dispõe: "O Requerimento deverá conter as seguintes informações: (...) g) todas as especificações relevantes e quaisquer observações ou propostas relativas ao número de árbitros e à escolha destes, de acordo com as disposições dos artigos 12 e 13, bem como qualquer designação de árbitro exigida pelos referidos artigos".

Nos termos do aludido regulamento, apenas após saber quem é o árbitro indicado pela parte requerente é que a requerida terá prazo razoável para se defender, e, nessa oportunidade, indicar o seu coárbitro7.

Tal tipo de regramento de nomeação de árbitros foi reproduzida por algumas instituições arbitrais no Brasil como a CAM-FGV - Câmara de Mediação e Arbitragem da FGV8 e a CAM-B3 Câmara do Mercado9. Tal modelagem garante uma formação mais eficaz do tribunal arbitral. Isso porque, em casos mais peculiares, nada impede que a parte requerente já faça observações, inclusive, sobre o futuro presidente do tribunal. Trata-se de medida que, além de gerar eficácia procedimental, protege o direito de defesa da parte requerida, que, em resposta, indicará seu árbitro e poderá, até mesmo, concordar com as observações feitas sobre as características do presidente no requerimento de arbitragem10.

Por outro lado, regulamentos de instituições muito respeitadas e de larga utilização no sistema brasileiro, se valem de regras que promovem a nomeação simultânea de coárbitros11. Isso é feito após, a apresentação do requerimento de arbitragem e respectiva resposta. Ou seja, as partes somente têm conhecimento do árbitro nomeado pela contraparte após as matérias preliminares do litígio entrarem em discussão.

Por mais que tal método tenha sua razão de ser, isto é, evitar com que haja manipulação na formação do tribunal arbitral, ele pode dar margem a táticas pouco ortodoxas pelas partes. Por exemplo, a parte requerente, preocupada em quem será nomeado árbitro pela parte requerida, indica pessoa que sabidamente está conflitada com as partes contendentes ou mesmo pessoa que declaradamente não exerce a função de árbitro e não aceitará a missão. Independentemente de quem ela nomeie, a Secretaria da instituição responsável pela administração do caso circulará mensagem com os coárbitros indicados pelas partes, para que esses apresentem seus respectivos questionários de conflitos de interesses. A parte requerente, no caso, ciente de que indicou pessoa que não poderá atuar como coárbitro saberá quem é o outro coárbitro e pensará em outra pessoa a nomear, justamente para que sua estratégia no caso não fique comprometida pela surpresa de saber quem é o árbitro indicado pela parte adversa.

A situação hipotética acima, apesar de não ser ilícita, constitui expediente reprovável, pois manipula, de forma maliciosa, a natureza das regras de determinado regulamento. Por outro lado, não se deve deixar de lado que a parte que pratica tal ato pode estar, no fundo, preocupada com o seu direito de defesa.

E por isso que, regras como as do regulamento da CCI, que também foram adotadas por regulamento nacionais como o da CAM-FGV e CAM-B3 são mais eficazes e não dão margem a manobras procedimentais pelas partes. Não interessando o prazo para que tal exercício ocorra, a parte requerida deve ter a oportunidade de saber quem é o coábitro indicado pela outra parte como forma de exercício de seu legítimo direito de defesa na arbitragem12. Poder-se-ia até mesmo pensar que a nomeação do árbitro de forma sequencial garantiria vantagem indevida à parte requerida, já que ela poderia escolher um nome que tivesse a opinião contrária ao árbitro já escolhido, por exemplo. Talvez seja essa a motivação para que alguns regulamentos arbitrais adotem, a regra da indicação simultânea de coárbitros, mas ela não tem razão de ser.

Com efeito, assim como a parte autora deve expor na petição inicial toda a matéria de fato e de direito que fundamentam seus pedidos, e não pode aditar a petição inicial após a citação do réu (a menos que haja o consentimento deste com o aditamento da inicial13), não pode o réu após a apresentação da contestação, apresentar matéria não abarcada anteriormente, dado o ônus de impugnação específica a que está sujeito14. Trata-se de regra racional sob o ponto de vista processual que igualmente encontra a sua razão de ser quando uma parte apresenta seu requerimento de arbitragem e indica seu árbitro. Não há qualquer surpresa ou vantagem indevida, mas tão somente legítimos direitos de ataque e defesa das partes litigantes.

Tribunais arbitrais atuam de forma coesa, harmônica e coerente. Não são órgãos firmados por "árbitros da parte"15, a decidirem favor da parte que o nomeou. Muito pelo contrário: tribunais arbitrais formam um colegiado em que três pessoas que, além de se relacionarem politicamente bem, procurarão convergir de modo a resolver determinada controvérsia. Haverá barganha, cessões, concessões e debates, até que se chegue a um denominador comum e um resultado justo16 17. Para que essa harmonia prevaleça, a prática de se nomear o coárbitro de forma sequencial, como fazem algumas instituições, parece ser mais estratégica e eficiente, uma vez que se evitará o efeito surpresa da nomeação simultânea, e as partes poderão, desde cedo, debater acerca do tribunal ideal a ser constituído, contribuindo, inclusive, para a celeridade de sua formação.

O objetivo dessas linhas é procurar demonstrar que a forma de nomeação de coárbitros nos regulamentos de arbitragem merece ser repensada. A prática mais tradicional da arbitragem, em especial a internacional, demonstra que a nomeação dos coárbitros deve vir no requerimento de arbitragem e na subsequente resposta. Além de preservar os direitos fundamentais de ambas as partes, tal método dá menos margem para manobras procedimentais pela parte não satisfeita em não saber quem é o árbitro da outra parte, contribuindo para a uma maior célere e eficaz constituição do tribunal arbitral.

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1 Segundo Selma Ferreira Lemes: "Discorrer sobre o papel do árbitro no procedimento arbitral impõe, inicialmente, refletir sobre um adágio mundialmente conhecido: 'a arbitragem vale o que vale o árbitro", fato incontroverso. E mais, saliento que "o árbitro representa a chave da abóbada da arbitragem e ao seu redor gravitam todos os temas e conceitos afeitos à arbitragem'." Disponível aqui.

2 Art. 13 da Lei de Arbitragem. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.

3 Ver, a esse respeito: NUNES, Thiago Marinho. A conduta ética na arbitragem sob a perspectiva do árbitro e seus auxiliares. In: WALD, Arnoldo.; LEMES, Selma Ferreira. 25 anos da Lei de Arbitragem (1996-2021): história, legislação, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

4 Como pondera Pedro Batista Martins, a fase pré-arbitral tem o seu termo final apenas com a confirmação dos árbitros, o que implica dizer que "somente com a confirmação dos árbitros (e não da sua aceitação) se terá por instituída a arbitragem" (MARTINS, Pedro A. Batista. As três fases da arbitragem. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, ano XXVI, nº 87, p. 88, 2006)

5 Art. 5º da Lei de Arbitragem. Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.

6 Outras instituições internacionais também contêm regras similares do ao Regulamento de Arbitragem da CCI no que tange à nomeação de coárbitros: Regulamento de Arbitragem da UNCITRAL (arts. 3.4(c) e 9.1), Regulamento de Arbitragem da London Court of International Arbitration (arts. 1.1(v) e 2.1(v)), Regulamento de Arbitragem da Swiss Chambers` Arbitration Institution (arts. 3.3 (h) e 4.1 (f)).

7 Regulamento de Arbitragem da CCI, art. 5º (1): O requerido deverá, no prazo de 30 dias contados do recebimento do Requerimento enviado pela Secretaria, apresentar a sua resposta (a "Resposta"), que deverá conter as seguintes informações: (...) e) quaisquer observações ou propostas relativas ao número e à escolha de árbitros à luz das propostas do requerente e de acordo com as disposições dos artigos 12 e 13, e qualquer designação de árbitro exigida pelos referidos artigos.

8 Art. 16 do Regulamento de Arbitragem da CAM-FGV.

9 Art. 3.3 do Regulamento de Arbitragem da CAM-B3.

10 Nesse sentido, a opinião de abalizada doutrina internacional: "If a three member arbitral tribunal must be constituted, the claimant should, not only nominate an arbitrator in the request of arbitration, it may also provide already its comments and male proposals regarding the selection of the president of the arbitral tribunal, or the qualifications which in its view the president should have. The respondent will then be able to provide its comments thereto in the answer to the request for arbitration and this may accelerate the constitution of the arbitral tribunal" (VERBIST, Herman, SCHAFER, Erik, IMHOOS, Christophe. ICC Arbitration in Practice. Kluwer Law International, 2016, p. 34).

11 É o caso do Regulamento de Arbitragem do CAM-CCBC (art. 11.1); Regulamento de Arbitragem do CMA-CIESP/FIESP (art. 2.2). Regulamento de Arbitragem da CAMARB (art. 4.2).

12 Por analogia ao direito processual civil, como frisado por Heitor Vítor Mendonça Sica: "É inegável que existe, entre ação e defesa, diferença quanto à iniciativa, visto que ao autor cumpre a escolha quanto ao momento de exercer o direito de ação, e, quando o faz, impõe ao réu o ônus de se defender. Essa diferença entre ação e defesa é incontornável, pois o autor é quem instaura o processo, ao passo que o réu, citado, têm o ônus de se defender em um processo que foi instaurado independentemente de sua vontade" (O Direito de Defesa no Processo Civil Brasileiro: um Estudo sobre a Posição do Réu. São Paulo: Atlas, 2011 p. 47-48.)

13 Nesse sentido, o art. 329, inciso II, do Código de Processo Civil.

14 Nesse sentido, o art. 341 do Código de Processo Civil.

15 Correta nesse sentido, a crítica do saudoso Jacob Dolinger a respeito: "Psicologicamente, os interessados partem da premissa de que o árbitro nomeado pela outra parte será parcial, por isso querem que seu árbitro também veja tudo de acordo com os interesses de quem o nomeou, para contrabalançar a posição oposta. Veremos como isso, além de antiético, é praticamente errado". (DOLINGER, Jacob. O Árbitro da Parte - Considerações Éticas e Práticas in Revista Brasileira de Arbitragem vol 6 (abr/mai/jun 2005). Porto Alegre: Thomson-IOB, p. 31).

16 Structuring a bargaining process in Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 59

17 No mesmo sentido ver: NUNES, Thiago Marinho. Os bastidores da atividade do árbitro na fase arbitral: a fase decisória. Disponível aqui.