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O termo inicial do prazo para impugnação da sentença arbitral

terça-feira, 29 de julho de 2025

Atualizado em 28 de julho de 2025 08:22

O processo arbitral se insere num microssistema dissociado do processo judicial, e se desenvolve por etapas pré-definidas, tendo seu ato final revestido pela sentença arbitral, contra a qual, conforme expressa previsão legal, não cabe recurso1. No entanto, a sentença arbitral, se inquinada por um dos vícios elencados no rol taxativo constante do art. 32 da lei 9.307/1996 (Lei de arbitragem), poderá ser impugnada, seja por meio de ação anulatória (art. 33, caput, da lei de arbitragem), seja em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3º da lei de arbitragem).

Outro ponto relevante diz respeito ao prazo que a parte interessada dispõe para exercer seu direito de impugnar a sentença arbitral. O processo arbitral, como é sabido, possui início, meio e fim2 e, considerando-se que a sentença arbitral produz o efeito imediato de coisa julgada material3, a necessidade de se estabelecer um limite temporal condizente com a estabilidade e a harmonia que permeiam o ambiente empresarial, houve por bem o legislador brasileiro fixar o derradeiro prazo de 90 (noventa) dias para tal impugnação. Esse prazo deve ser observado à risca, inclusive no que concerne às sentenças parciais de mérito4, ainda que não haja o ajuizamento de ação anulatória, caso opte a parte impugnante por deduzir seu pedido anulatório em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral5 6.

Um ponto que tem sido objeto de recentes decisões, em especial nos tribunais superiores, diz respeito ao termo inicial (dies a quo) para a propositura da medida que vise à invalidação da sentença arbitral. A esse respeito, a lei de arbitragem, em seu art. 33, § 1º é clara: "A demanda para a declaração de nulidade da sentença arbitral, parcial ou final, seguirá as regras do procedimento comum, previstas na lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (CPC), e deverá ser proposta no prazo de até 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos".

Ou seja, notificada a parte a respeito do envio da sentença arbitral, ou do envio da decisão sobre eventual pedido de esclarecimentos apresentado face à sentença, tem início o prazo de noventa dias aqui discutido. Tal questão fora recentemente enfrentada pelo STJ, que decidiu, conforme a ementa abaixo transcrita:

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA ARBITRAL. PRAZO DECADENCIAL. NOVENTA DIAS. PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS. INTERRUPÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DE REJEIÇÃO OU ACOLHIMENTO. ART. 33, §1º DA LEI DE ARBITRAGEM.

1. Ação anulatória de sentença arbitral ajuizada em extraído o presente recurso especial, interposto em 7/5/2021 30/4/2024 gabinete em 14/11/2024.

2. O propósito recursal consiste em decidir se o prazo decadencial para ajuizar ação anulatória de sentença arbitral inicia a partir da notificação da própria sentença ou da notificação da sentença do pedido de esclarecimentos quando esse é rejeitado.

3. Não há ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC quando o Tribunal de origem examina, de forma fundamentada, a questão submetida à apreciação judicial e na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte.

4. O pedido de esclarecimentos interrompe o prazo para ajuizamento da ação anulatória da sentença de arbitragem, mesmo que não tenha sido acolhido.

5. No recurso sob julgamento, restou consensado entre as partes que as notificações sobre as decisões ocorreriam por meio de publicação interna na 12/8/2021 Secretaria da 2ª Corte. A sentença que julgou o pedido de esclarecimentos foi publicada em 12/8/2021. Portanto, o ajuizamento da ação anulatória de sentença arbitral em 10/11/2021 está dentro do prazo decadencial de 90 (noventa) dias previsto no art. 33, §1º da lei de arbitragem brasileira.

6. Recurso especial conhecido e desprovido"7.

Apesar de correta, a decisão acima incorre em equívoco terminológico ao fazer constar que o pedido de esclarecimentos tem o condão de interromper o curso do prazo para ajuizamento de ação anulatória. Tal equívoco se explica pelo fato de a ação anulatória de que trata o art. 33, § 1º da lei de arbitragem possuir natureza constitutiva8, ou seja, faz com que a parte interessada permaneça em estado de sujeição, independentemente de sua vontade. E, como é sabido, tal estado de sujeição, cria um direito potestativo9 cujo exercício é condicionado à iniciativa do titular desse direito. Tal explicação fundamenta a razão pela qual tais direitos caducam ou decaem10, em determinado prazo. Com efeito, prazos de decadência não podem ser objeto de interrupção11 12. Quando muito, o pedido de esclarecimentos apenas postergaria o prazo para o ajuizamento de ação anulatória de sentença arbitral.

A elucidação desse equívoco terminológico incorrido pelo julgado acima citado é relevante para que não se interprete que uma eventual ação prévia à ação anulatória de sentença arbitral seja capaz de interromper o prazo para o seu ajuizamento. Seria, por exemplo, o caso de uma parte que, em caráter antecedente, ajuíze tutela cautelar visando a suspender o prazo que tenha sido determinado na sentença arbitral para pagamento de uma determinada condenação. Apesar de as tutelas cautelares ajuizadas em caráter antecedente demandarem o ajuizamento da ação principal no prazo de trinta dias, na forma do art. 308 do CPC13, tal medida não estanca o curso do prazo decadencial previsto no art. 33, § 1º da lei de arbitragem. Essa questão foi objeto de análise pelo TJ/SP que, em julgado recente, decidiu:

"Declaratória de anulação de sentença arbitral. Propositura do pedido principal ocorrera em prazo superior a 90 dias, de acordo com o disposto no art. 33, §1º, da lei de arbitragem. Lapso cronológico é óbice para análise de outros itens pendentes. Alegação da apelante de que anteriormente propusera ação cautelar antecedente em prazo inferior se apresenta insuficiente para afastar a decadência. Legislador exige que o pedido principal não seja diverso do cautelar. Observância do art. 308, "caput", do CPC. Jurisprudência e Decadência doutrina configurada. ressaltam que a inobservância do prazo legal referido inclusive impossibilita eventual impugnação de cumprimento de sentença "a posteriori". Devido processo legal observado. Improcedência da ação deve prevalecer, porém por fundamento diverso. Apelo desprovido"14.

De início, o prazo de trinta dias, contido no art. 308 do CPC não guarda qualquer relação com o prazo de noventa dias ditado pelo art. 33, § 1º da lei de arbitragem. Primeiro, porque o prazo a que alude o art. 308 tem natureza processual e se conta e dias úteis, enquanto o prazo de noventa dias para impugnar a sentença arbitral, por ter natureza decadencial, possui caráter material15 e é contado em dias corridos, não sendo objeto de interrupção e/ou suspensão. Segundo, porque o aludido prazo de trinta dias tem relação direta com a eficácia da medida liminar e não com a ação principal que é proposta, cujo direito à propositura permanece intocada, gerando apenas a cessação da eficácia da medida provisória16, caso não observado o trintídio previsto na lei processual. Do contrário, estar-se-ia não só distorcendo o racional proposto pelo legislador processual, mas, o que é pior, gerando um descabido diferimento do prazo para ajuizamento da ação anulatória, sujeita, repita-se, a prazo decadencial.

Diante das decisões acima colacionadas, objetiva-se com essas linhas deixar extreme de dúvidas o exato termo inicial para ajuizamento de ação de anulatória de sentença arbitral. Para tanto, é preciso que, antes de tudo, se compreenda a natureza decadencial do prazo a que se refere o art. 33, § 1º da lei de arbitragem.

_______

1 Nesse sentido, o art. 18 da Lei de Arbitragem: O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

2 Ver, a esse respeito: NUNES, Thiago Marinho. Processo arbitral: início, meio e fim. Disponível aqui. Acesso em 25 jul. 2025.

3 Ver, a esse respeito, NUNES, Thiago Marinho. Sentença arbitral e coisa julgada material. Disponível aqui. Acesso em 25 jul. 2025.

4 Assim dispõe o art. 33, § 1º da Lei de Arbitragem.

5 Nesse sentido, a posição do STJ: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL AJUIZADA APÓS O DECURSO DO PRAZO DECADENCIAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL. IMPUGNAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL. POSSIBILIDADE LIMITADA ÀS MATÉRIAS DO ART. 525, § 1º, DO CPC/15. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Recurso especial interposto em 19/06/2019 e distribuído ao gabinete em 06/10/2020. Julgamento: CPC/15. 2. O propósito recursal consiste em decidir acerca da aplicação do prazo decadencial de 90 (noventa) dias, previsto no art. 33, § 1º, da Lei 9.307/96, à impugnação ao cumprimento de sentença arbitral. 3. A declaração de nulidade da sentença arbitral pode ser pleiteada, judicialmente, por duas vias: (i) ação declaratória de nulidade de sentença arbitral (art. 33, § 1º, da Lei 9.307/96) ou (ii) impugnação ao cumprimento de sentença arbitral (art. 33, § 3º, da Lei 9.307/96). 4. Se a declaração de invalidade for requerida por meio de ação própria, há também a imposição de prazo decadencial. Esse prazo, nos termos do art. 33, § 1º, da Lei de Arbitragem, é de 90 (noventa) dias. Sua aplicação, reitera-se, é restrita ao direito de obter a declaração de nulidade devido à ocorrência de qualquer dos vícios taxativamente elencados no art. 32 da referida norma. 5. Assim, embora a nulidade possa ser suscitada em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, se a execução for ajuizada após o decurso do prazo decadencial da ação de nulidade, a defesa da parte executada fica limitada às matérias especificadas pelo art. 525, § 1º, do CPC, sendo vedada a invocação de nulidade da sentença com base nas matérias definidas no art. 32 da Lei 9.307/96. 6. Hipótese em que se reputa improcedente a impugnação pela decadência, porque a ação de cumprimento de sentença arbitral foi ajuizada após o decurso do prazo decadencial fixado para o ajuizamento da ação de nulidade de sentença arbitral e foi suscitada apenas matéria elencada no art. 32 da Lei 9.307/96, que não consta no § 1º do art. 525 do CPC/2015. 7. Recurso especial conhecido e não provido. (STJ, Recurso Especial nº 1.1900.136-SP, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, J. 06.04.2021, DJe de 15.04.2021).

6 Para comentários a esta decisão ver: NUNES, Thiago Marinho. O prazo fatal para impugnação da sentença arbitral. Disponível aqui. Acesso em 24 jul. 2025.

7 STJ, Recurso Especial nº 2179459-GO, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, J. 23.04.2025, DJe de 25.04.2025.

8 Por todos, ver a lição de Cândido Dinamarco: "A demanda de sua anulação [da sentença arbitral], tem claramente constitutiva negativa, porque a pronúncia de sua procedência tem por efeito a implantação de uma situação jurídica nova, mediante a eliminação da sentença impugnada do mundo jurídico". (DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 236).

9 Como bem afirma Agnelo Amorim Filho: "Outras características dos direitos potestativos: são insupcetíveis de violação e a eles não corresponde uma prestação" (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 300, p. 7, 1960).

10 Uma vez mais, a lição de Agnelo Amorim Filho: "o prazo previsto expressamente em lei, para exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo" (AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 300, p. 7, 1960).

11 Nesse sentido, o art. 207 do CC: Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

12 Segundo Silvio de Salvo Venosa: "O fato de o prazo decadencial não se submeter a impedimento, suspensão ou interrupção era um dos aspectos que a doutrina apontava como distintivos da prescrição. Os prazos de decadência se prendem aos direitos potestativos, não dependendo de uma violação de direito, nem se associando ao direito de outrem. Dependem exclusivamente da iniciativa do interessado. Daí por que os princípios que regem o impedimento, a interrupção ou a suspensão da prescrição não se aplicam à decadência. No entanto, essa regra, por opção legislativa, comporta exceções legais, como a do art. 208, que obsta o prazo decadencial contra os absolutamente incapazes. No entanto, o princípio descrito nesse artigo não pode ser afastado por vontade privada". (VENOSA, Sílvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Código Civil interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 649. E book).

13 Art. 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

14 TJSP, Apelação Cível nº 1129825-05.2022.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Natan Zelinschi de Arruda, j. 13/8/2024.

15 Ver, a esse respeito: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Na pauta do STJ: o pedido de esclarecimentos "interrompe" o prazo para propositura de "ação anulatória" de sentença arbitral? In: AGIRE | Direito Privado em Ação, n.º 161, 2025. Disponível aqui. Acesso em 25/7/2025.

16 Nesse sentido, a lição de Cândido Rangel Dinamarco: "No tocante às tutelas urgentes concedidas em caráter antecedente, dispõe o Código que sua eficácia cessa também quando "o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal" (art. 309, inc. I). Essa regra associa-se à do art. 308, segundo a qual, "efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de trinta dias" - contado esse prazo do dia em que houver sido efetivada a tutelar urgente e não do ato de sua concessão por decisão judicial. Superado esse prazo sem que a demanda principal haja sido proposta, o direito à propositura permanece intacto mas a eficácia da medida provisória cessa". (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Juspodium e Editora Malheiros., 9ª edição, 2024, p.880