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A suporte das câmaras arbitrais no dever de revelação do árbitro e as diretrizes da IBA

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Atualizado em 25 de agosto de 2025 12:26

Retorna-se, com essas linhas, ao tão comentado tema do dever de revelação do árbitro. Os intensos debates sobre tal tema se dão em razão de um único motivo: o crescimento da arbitragem no Brasil. Tal crescimento tem sido comprovado por notáveis pesquisas, elaboradas anualmente pela professora Selma Lemes, uma das autoras da lei 9.307/1996 ("lei de arbitragem"). Na última edição da pesquisa "Arbitragem em Números"1, notou-se a existência de 1.035 arbitragens instauradas junto aos mais importantes centros arbitrais brasileiros.

O contínuo aumento do número de processos arbitrais instaurados é concomitante ao aumento do número de profissionais apontados pelas partes, ou, quando o caso, pela própria câmara, para atuar como árbitro. E, numa comunidade pequena, em que poucos são os escritórios verdadeiramente especializados em arbitragem e igualmente pequeno o leque de profissionais que aspiram à função julgadora e atuam como árbitros, é normal que as relações entre esses mesmos profissionais existam em um ou mais casos, e, com o aumento do número de candidatos a árbitro, aumenta-se o número de eventuais situações que possam denotar dúvida justificada aos olhos das partes.

Considerando a prevalência do uso da arbitragem institucional no ambiente doméstico, em especial no Brasil, tem-se notado um aprimoramento nos modelos de questionários de conflito de interesses e disponibilidade elaborados pelas principais câmaras brasileiras e que são enviados ao potencial candidato ao posto de árbitro. A instituição pioneira nesse sentido, foi o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá ("CAM-CCBC"), que, por meio da norma complementar 04/23, aprovou a inserção de novos questionamentos aos candidatos a árbitro, com especial foco nas relações mantidas não só com as partes, mas, ainda, com os patronos da causa2.

Nessa mesma linha de entendimento, e de forma notável, a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem CIESP/FIESP ("CMA"), emitiu recentemente a resolução 15/25 em que, a um só tempo, ampliou o escopo do questionário de conflito de interesses na mesma linha do quanto citado no parágrafo anterior, e objetivou o aprimoramento do suporte aos candidatos a árbitro no cumprimento do dever de revelação, previsto no art. 14, § 1º da lei de arbitragem. Nesse sentido, o CMA sugere em seu questionário o uso de uma softlaw de alta relevância na matéria, qual seja, as diretrizes do Comitê Brasileiro de Arbitragem sobre o dever de revelação do árbitro ("diretrizes - CBAr"3-4).

Tais pontos denotam, não apenas a modernização e o profissionalismo das instituições arbitrais brasileiras, que acompanham o contínuo crescimento da arbitragem no Brasil, mas, principalmente, um dever ético5 pertencente a essas instituições. Com efeito, apesar de possuir atribuições distintas daquelas que cabem aos árbitros, isto é, a câmara não julga, mas administra o processo, a câmara deve agir de modo isento e independente das partes e de seus patronos na administração dos processos arbitrais, sem qualquer tipo de privilégio a um e a outro6. Sem prejuízo do dever maior da câmara arbitral, que é o bem administrar e de garantir a confidencialidade dos processos arbitrais em curso, é de suma importância que as câmaras, na condição de verdadeiras administradoras, não só de arbitragens, mas de recursos de terceiros, ajam, por meio de seus dirigentes, com probidade e respeito à legislação a qual ela está submetida7.

Um ponto que pode ser ainda objeto de debates seria a incorporação, por referência, aos regulamentos das câmaras arbitrais, das diretrizes da International Bar Association sobre Conflitos de Interesse na Arbitragem Internacional ("Diretrizes da IBA"). De uso tradicional nas arbitragens comerciais internacionais, tais regras têm sido comumente utilizadas e aceitas em larga escala pela comunidade arbitral brasileira, em especial pelos tribunais estatais8, quando instados a julgar determinado ponto que aluda ao dever de revelação dos árbitros.

Em 2024, as diretrizes da IBA foram revistas e um determinado ponto chamou a atenção da comunidade arbitral, trata-se da nova regra prevista no art. 3.2.13: "An arbitrator and their fellow arbitrator(s) currently serve together as arbitrators in another arbitration".

Dessa forma, o novo regramento em vigor desde 2024 recomenda que um árbitro deve revelar se compõe algum painel com o mesmo árbitro numa arbitragem diversa. Por mais incomum que seja, tal nova regra foi incorporada nas situações da lista laranja das diretrizes da IBA, em que, a depender do fato, podem, aos olhos das partes, suscitar dúvidas quanto à imparcialidade ou independência do árbitro. Como é sabido, a lista laranja reflete situações nas quais se imporia ao árbitro o dever de revelar a sua existência9.

Tal nova regra é deveras questionável10. A uma, porque não se enquadra, de forma alguma, no conceito de dúvida justificada, ditada pelo art. 14, § 1º da lei de arbitragem. A duas, porque limita e constrange o profissional que tende a trabalhar com uma maior assiduidade com outro mesmo profissional em diversos painéis. Árbitro, seja na condição de indicado pela parte, seja o que atua na qualidade de presidente de determinado painel arbitral, é escolhido com base na confiança em sua probidade moral e técnica para o julgamento de determinada controvérsia. Por mais que alguns autores entendam que tal nova regra tenha como condão garantir uma alegada maior lisura no processo de "decision making"11, o novo regramento imposto pelas diretrizes da IBA parece se assemelhar mais a um movimento político para mitigar a repetição de tribunais com os mesmos árbitros, o que, repita-se, é comum, por vezes benéfico e não cria qualquer conflito de interesses.

No entanto, considerando a força que as diretrizes da IBA possuem no âmbito arbitral e, de uso frequente na fundamentação de decisões judiciais que tenham de lidar com assuntos relacionados a conflito de interesses de árbitros, é recomendável que a revelação objeto da regra prevista no art. 3.2.13 das Diretrizes da IBA ocorra, de início ou em momento superveniente de qualquer arbitragem. Nessa toada, torna-se imperioso que as câmaras arbitrais, seguindo a sua linha contributiva e auxiliadora no dever de revelação dos árbitros12, expandam o rol de esclarecimentos em seus questionários padrão, no sentido de que o eventual candidato a árbitro revele sobre a eventual atuação contemporânea com determinado membro do painel em outro caso.

Ainda que, repita-se, a nosso ver, tal revelação não se enquadre como dúvida justificada à luz da lei de arbitragem e mesmo na linha jurisprudencial dominante a respeito do assunto13, trata-se de medida útil para a preservação da integridade da arbitragem, evitando-se, inclusive, questionamentos futuros (e provavelmente frívolos) a respeito da eventual ausência nesse tipo de revelação.

__________

1 Pesquisa que pode ser acessa por meio do seguinte link. Disponível aqui. Acesso em 24/8/25.

2 Ver, a esse respeito: Norma Complementar 04/23 | Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá. Disponível aqui. Acesso em 22/8/25.

3 Ver, a esse respeito: Regras Aplicáveis - Arbitragem. Disponível aqui. Acesso em 22/8/25.

4 Para comentários a respeito das Diretrizes - CBAr ver LEMES, Selma, MARTINS, Pedro A. Batista e CARMONA, Carlos Alberto. Diretrizes do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) sobre o Dever de Revelação do(a) Árbitro(a) in Revista Brasileira de Arbitragem Vol, 82 (Abr-mai-jun 2024). Kluwer Law International, p.142-153. Ver também: CREMASCO, Suzana. Notas às Diretrizes do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) sobre o Dever de Revelação do Árbitro in Revista Brasileira de Arbitragem Vol, 82 (Abr-mai-jun 2024). Kluwer Law International, p.154-159.

5 A esse respeito, ver: NUNES, Thiago Marinho. A conduta ética na arbitragem sob a perspectiva do árbitro e seus auxiliares. In: WALD, Arnoldo; LEMES, Selma Ferreira. 25 anos da Lei de Arbitragem (1996-2021): história, legislação, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 621.

6 Nesse sentido entende Gilberto Giusti: "Perde credibilidade a entidade que porventura abrir exceções a esta ou àquela parte, que for mais benevolente na recepção de documentos ou mais complacente e prestativa no fornecimento de informações a este ou àquele patrono. O meio jurídico da arbitragem é ainda relativamente pequeno e relações de amizade ou maior contato pessoal invariavelmente surgem entre aqueles que militam no setor. Saber separar o pessoal do profissional, preservando total isenção na aplicação do regulamento e das determinações dos árbitros a todas as partes envolvidas no procedimento, é requisito ético basilar a quem pretende se firmar no mercado como instituição séria e confiável". (A ética das instituições de arbitragem, Revista brasileira de arbitragem, v. 10, n. 40, out./dez. 2013, p. 81).

7 Nesse sentido, aduz Gilberto Giusti: "As chamadas arbitragens institucionais ou administradas, em oposição àquelas ditas ad hoc, têm a inquestionável vantagem de fornecer às partes e aos árbitros, além da facilidade de utilização de regulamentos no mais das vezes práticos, objetivos e transparentes no que tange às regras procedimentais básicas do procedimento, a prestação de serviços de gerenciamento que vão desde a garantia do rápido fluxo e registro de informações, até a administração dos recursos necessários ao pagamento dos honorários dos árbitros e outras despesas (honorários de peritos, serviços de suporte a audiências, entre outros) (...). Para tanto, as instituições de arbitragem contam, cada vez mais, com profissionais especializados em secretariado, contabilidade e finanças. O custo-benefício de uma arbitragem institucional tem se mostrado bastante vantajoso para as partes, cujos advogados ficam livres para focar no trabalho postulatório em defesa das pretensões e dos interesses de seus clientes, enquanto os árbitros se concentram no papel de julgador, ainda que, claro, tenham sempre a última palavra no tocante à condução do procedimento naquilo que o regulamento da instituição for omisso ou inaplicável (...). Em especial nas questões atinentes à administração dos recursos necessários ao desenvolvimento da arbitragem, é de todo conveniente que haja uma instituição que trate da cobrança e do pagamento desses valores. É sempre muito constrangedor, dada sua independência e imparcialidade, que os árbitros se imiscuam na cobrança direta de seus honorários às partes (...). Nesse contexto, as instituições de arbitragem são verdadeiras prestadoras de serviços e exercem, assim, independentemente de visarem ou não o lucro, atividade eminentemente empresarial. Estão, pois, sujeitas à ética empresarial, ou seja, aquela que se espera de todo homem de negócios probo e consciente dos avanços atingidos e compromissos assumidos pela empresa na sociedade moderna (...)". (A ética das instituições de arbitragem, Revista brasileira de arbitragem, v. 10, n. 40, out./dez. 2013, p. 81).  

8 A esse respeito, vide os seguintes julgados: STJ - Terceira Turma, REsp nº 2.101.901/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.06.2024; TJSP - 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível nº 1093678-77.2022.8.26.0100, Rel. Des. Grava Brazil, j. 24/9/2024; TJSP - 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível nº 1116375-63.2020.8.26.0100, Rel. Des. Maurício Pessoal, j. 1/8/2023.

9 A esse respeito, afirma Ricardo Dalmaso Marques: "A "lista laranja", que descreve situações em que, aos olhos das partes, poderia surgir ao menos alguma dúvida justificável quanto à impar­cialidade ou à independência do árbitro. Essas são as situações que, a rigor, devem ser reveladas, mas, se não questionadas, levariam à renúncia pela parte de alegá-las posteriormente para atacar a indi­cação ou a sentença arbitral (...)" (MARQUES, Ricardo Dalmaso. O Dever de Revelação do Árbitro. São Paulo: Almedina, 2018, p. 183).

10 Essa parece ser a opinião de Carlos Eduardo Stefen Elias: "Outra inovação é instituída pelo item 3.2.13, e diz respeito ao árbitro que compõe outro painel com um (ou mais) de seus pares. Embora a medida seja louvável no que diz respeito à transparência, ela nada tem a ver com conflito de interesses - o mote das Guidelines -, ou com assimetria informacional entre as partes ou com qualquer outra circunstância que possa ensejar, mesmo aos olhos das partes, dúvidas quanto à imparcialidade do árbitro" (ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. A Versão 2024 das IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration: alguns comentários in Revista Brasileira de Arbitragem Vol, 83 (Abr-mai-jun 2024). Kluwer Law International, p. 128-129).

11 A esse respeito, entendem Annet Kuhli-Spatscheck e Anna Kapperberger: "Section 3.2.13 of the Guidelines endorses a differentiated approach. The decisive factor is whether arbitrators only work together occasionally or frequently, as frequent collaboration can increase the risk of conflicts of interest. This could strengthen personal or professional ties and influence the decision-making process. If two of the three arbitrators frequently work together in other proceedings, the parties have a legitimate interest in being informed. However, the fear of impartiality should only be relevant in exceptional cases, for example if arbitrators in other proceedings have already been appointed. An obligation to disclose joint proceedings is therefore appropriate in order to protect the parties' interests and avoid an excessive extension of the obligations". Fonte: disponível aqui.  What to Do if Two Arbitrators Have Been Appointed in Another Arbitration? | Kluwer Arbitration Blog.  Disponível aqui. Acesso em 22/8/25

12 Nesse sentido, aduz Enrico Pizao Said: "(...) Pelo contrário, nas arbitragens institucionais, as câmaras assumiram para si funções de extrema proeminência, de regulação e operacionalização do dever de revelação, tornando-o prático e concreto (...) Enquanto reguladoras, as instituições têm trabalhado com a finalidade de melhor delimitar o dever de revelação, seja sugerindo uma ampliação dos fatos que devem ser revelados, seja definindo o seu momento no tempo, ou, como visto acima, dividindo-o com as partes, em maior ou menor medida" (SAID, Enrico Pizao. Arbitragem e dever de revelação. Londrina: Editora Thoth, 2025, p. 89).

13 A esse respeito, ver: STJ - Terceira Turma, REsp nº 2.101.901/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.06.2024. Para comentários a respeito, ver: NUNES, Thiago Marinho e DABUS, Rodrigo. O STJ e o dever de revelação: a importância da distinção de fato não revelado e parcialidade do árbitro. Fonte: A distinção de fato não revelado e parcialidade do árbitro - Migalhas. Disponível aqui. Acesso em 23/8/25.