Stablecoins: Implicações da aprovação da USDC e EURC no DFIC de Dubai
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025
Atualizado em 27 de fevereiro de 2025 10:12
Contexto
A DFSA - Autoridade de Serviços Financeiros de Dubai aprovou1 oficialmente as stablecoins USDC e EURC como tokens cripto2 reconhecidas no DIFC - Centro Financeiro Internacional, o que representa um marco regulatório significativo.
Por que isto é importante? Porque é a primeira vez que stablecoins são reconhecidas pela estrutura regulatória de Dubai destinada a criptoativos.
Tendo isto em conta, este artigo busca explorar as implicações deste reconhecimento legal. Para a total compreensão do assunto, contudo, é preciso destacar alguns pontos importantes como, por exemplo, os padrões regulatórios globais para stablecoins, bem como as medidas de compliance da USDC e EURC, em comparativo com outras stablecoins como Tether (USDT) ou Binance USD (BUSD).
Como ponto de partida, vamos traçar um panorama geral das stablecoins objeto deste artigo.
Histórico, funcionalidade, expansão tecnológica da USDC e EURC
A USDC foi criada pelo Centre, um consórcio cofundado pela Circle e pela Coinbase, e foi lançada em 26 de setembro de 20183.
Quanto à sua funcionalidade, a USDC é uma stablecoin indexada 1:1 ao dólar americano, garantida por dinheiro e equivalentes de dinheiro, e está em conformidade com várias estruturas regulatórias, como veremos a fundo mais adiante.4
Com relação à expansão tecnológica, a USDC oferece suporte nativo em várias redes blockchain com vistas a aumentar sua interoperabilidade e adoção. Atualmente, ela possui suporte nativo para 20 redes blockchain5 e também está conectada a muitos blockchains emergentes por meio de "bridges"6.
A EURC, por sua vez, é uma stablecoin lastreada na moeda fiduciária da União Europeia, o Euro, lançada pela Circle em 30 de junho de 2022, e projetada para facilitar remessas internacionais, pagamentos peer-to-peer e pagamentos de marketplaces.7
Com relação à expansão tecnológica, a EURC oferece suporte nativo em 5 redes8: Avalanche, Base9, Ethereum10, Solana11 e Stellar.
Quanto à posição no mercado, a EURC está a caminho de se tornar a principal stablecoin denominada em euros por valor de mercado.12
Mercado de stablecoins Vs. moedas fiduciárias tradicionais
Este tópico trata especialmente da USDT e da BUSD, devido ao escrutínio regulatório significativo sofrido por essas duas stablecoins, principalmente em relação à transparência e à classificação das reservas.
Esclarecido isto, o mercado de stablecoins em comparação com as moedas fiduciárias tradicionais, pode ser compreendido por meio de vários pontos-chave como o escrutínio regulatório e a dinâmica de mercado (capitalização de mercado e volume de negociação).
Sob a ótica do escrutíneo regulatório das stablecoins, a Tether ($USDT), é classificado como uma "commodity" pela CFTC - Commodity Futures Trading Commission nos EUA, o que a diferencia dos títulos mobiliários e a sujeita a diferentes padrões regulatórios.13 A USDT enfrentou uma análise minuciosa sobre a transparência de suas reservas e a falta de auditorias independentes, levantando preocupações sobre se todos os seus tokens estão totalmente respaldados em todos os momentos.14 Apesar dessas preocupações, o Tether continua sendo a stablecoin mais utilizada no mercado.
A stablecoin da Binance USD ($BUSD), por sua vez, voltou "a respirar", depois que a U.S. SEC - Securities and Exchange Commission concluiu sua investigação sobre a empresa emissora Paxos, sem tomar medidas coercitivas15 - o que foi visto como uma vitória legal para o setor cripto. Na sua notificação de encerramento, a SEC esclareceu que a $BUSD não é considerada um título mobiliário. Contudo, após esta última investigação da SEC e à decisão da Binance de retirar a $BUSD do seu livro de ordens, sua presença no mercado diminuiu significativamente16.
No tocante à dinâmica do mercado (capitalização de mercado e volume de negociação), a Tether já chegou a ter 75% de participação no mercado de stablecoins.17 No dia 25/2/25, a $USDT tinha uma capitalização de mercado de aproximadamente US$ 142,5 bilhões, e um volume de negociação de 30 dias de cerca de US$ 58,6 bilhões.
Já a $BUSD tem uma capitalização de mercado muito menor, de aproximadamente US$ 61,3 milhões, e um volume de negociação de 30 dias de cerca de US$ 10,1 milhões.
Pois bem, num comparativo com as moedas fiduciárias tradicionais (dólar, euro, real, etc.), as moedas fiduciárias tradicionais estão sujeitas a estruturas regulatórias abrangentes, incluindo supervisão do Banco Central e controles de política monetária, aos quais as stablecoins como o $USDT e o $BUSD não aderem totalmente.
Ademais, as stablecoins operam em um ambiente regulatório mais fragmentado, com diferentes graus de escrutínio e classificação em diferentes jurisdições18.
De outro lado, em termos de adoção e os casos de uso, as stablecoins oferecem vantagens como transações mais rápidas, custos reduzidos e acessibilidade, especialmente em regiões com acesso bancário limitado.19 E elas são cada vez mais usadas para transferências internacionais e como reserva de valor em economias voláteis, proporcionando uma ponte entre as finanças tradicionais e os criptoativos (criptomoedas, stablecoins e outros tipos de tokens).20
Compliance: USDC e EURC vs. USDT e BUSD
As medidas de conformidade da USDC e da EURC, comparadas com as de outras stablecoins, como Tether ($USDT) e a Binance USD ($BUSD), possuem diferenças significativas na adesão e transparência regulatórias.
As stablecoins do consórcio entre Circle e Coinbase, $USDC e $EURC, estão posicionadas como altamente regulamentados e transparentes.
Já a Tether ($USDT) embora seja a mais utilizada atualmente, enfrenta escrutínio contínuo e desafios regulatórios, principalmente no que diz respeito à transparência de suas reservas.
Quanto à stablecoin da Binance USD, ações regulatórias afetaram significativamente a presença de mercado da $BUSD, com a Binance interrompendo inclusive seu suporte.
Deste modo, enquanto $USDT e $BUSD enfrentam desafios regulatórios, $USDC e $EURC são líderes em conformidade e transparência regulatórias.
Importante observar que esse foco na conformidade é cada vez mais importante no mercado de stablecoin, influenciando inclusive a dinâmica do mercado e a confiança do usuário21 - principalmente os que estão dando os primeiro passos no setor cripto.
Padrões regulatórios globais e as iniciativas de compliance da Circle
A Circle tomou várias iniciativas para alinhar medidas de compliance de suas stablecoins à Stablecoin Standard, órgão do setor para emissores de stablecoin em todo o mundo que estabelece um conjunto de padrões regulatórios globais para emissores de stablecoin.22
Tais padrões buscam aumentar a resiliência operacional, a transparência e os compromissos consistentes dos emissores, e sofrem influência das recomendações do BIS - Bank for International Settlements como, por exemplo, estruturas eficazes de gerenciamento de risco e cooperação transfronteiriça.23
Sob o aspecto das ferramentas tecnológicas de compliance, a Circle introduziu uma ferramenta de conformidade chamada Compliance Engine para carteiras programáveis, que inclui ferramentas de triagem e monitoramento de transações para detectar comportamentos de risco.24
Outrossim, passou a adotar25 o the Confidential ERC-20 Framework, uma estrutura que utiliza FHE - Fully Homomorphic Encryption26 para aumentar a privacidade e a conformidade nas operações com token ERC-2027.
Implicações do reconhecimento das stablecoins USDC e EURC em Dubai
A aprovação28 oficial de $USDC e $EURC como tokens cripto29 reconhecidas no DIFC traz, de imediato, consequências que podem ser resumidas em integração em serviços financeiros, conformidade regulatória e impacto regional.
A primeira implicação é que tal reconhecimento permite às instituições que operam no DIFC integrem o USDC e o EURC em serviços de ativos digitais, pagamentos, gerenciamento de tesouraria e aplicativos financeiros.
De outro lado, como o DIFC impõe padrões de compliance rigorosos30, autorizando que apenas criptoativos (criptomoedas e stablecoins) por ele reconhecidos operem em seu ecossistema, tal aprovação estabelece um padrão legal de referência para outros emissores de stablecoin.
A terceira implicação diz respeito ao fato do DIFC ser um importante centro financeiro31 para o Oriente Médio, África e Sul da Ásia, abrigando mais de 7.000 empresas registradas. Nesse contexto, a inclusão de USDC e do EURC reflete a crescente clareza regulatória para criptoativos na região.
Perspectivas finais
As iniciativas para alinhar USDC e EURC com os padrões regulatórios globais tornam as stablecoins emitidas pela Circle aceitáveis em várias jurisdições.
No entanto, não se pode olvidar o papel das plataformas DeFi na adoção de stablecoins, dado que as utilizam para fornecimento de liquidez, empréstimos e financiamentos em uma infraestrutura descentralizada.
Assim, não só medidas de conformidade afetam a dinâmica e a confiança do mercado, mas também a obtenção de clareza regulatória relacionada às infraestruturas e plataformas DeFi.32
1 Disponível aqui.
2 Revoredo, Tatiana; In: Dubai: Stablecoins e novo regime regulatório para tokens cripto, Coluna Criptogalhas - Portal Migalhas, 2024, disponível aqui.
3 Disponível aqui.
4 Disponível aqui.
5 Algorand, Aptos, Arbitrum, Avalanche C-Chain, Base, Celo, Ethereum, Hedera, Flow, NEAR, Noble, OP Mainnet, Polkadot, Polygon PoS, Solana, Stellar, Sui, TRON, Unichain e ZKsync.
6 Bridges são plataformas de software que ligam serviços de criptomoedas que, de outra forma, não se podem comunicar entre si. Permitem que os utilizadores transfiram tokens de uma cadeia de blocos, ou livro-razão digital, para outra. Estas ligações facilitam aos utilizadores de criptomoedas o investimento numa multiplicidade de projectos diferentes. Também tornam o ecossistema mais interligado - o que pode significar torná-lo mais vulnerável se as entidades mais fracas tiverem problemas. E depois há a sua vulnerabilidade a crimes cibernéticos - desde maio de 2021, os hacks em bridges levaram a perdas superiores a US$ 3,2 bilhões.
7 Disponível aqui.
8 Disponível aqui.
9 Disponível aqui.
10 Disponível aqui.
11 Disponível aqui.
12 Disponível aqui.
13 Disponível aqui.
14 Disponível aqui.
15 Disponível aqui.
16 Disponível aqui.
17 Disponível aqui.
18 Disponível aqui.
19 Disponível aqui.
20 Disponível aqui.
21 Disponível aqui.
22 Disponível aqui.
23 Disponível aqui.
24 Disponível aqui.
25 Disponível aqui.
26 Disponível aqui.
27 ERC-20, ou Ethereum Request for Comment 20, é um padrão técnico usado para emitir e implementar ativos na blockchain Ethereum. O padrão descreve um conjunto comum de regras que um ativo deve seguir para funcionar corretamente no ecossistema Ethereum. Essas regras dizem respeito à forma como os ativos ERC-20 são transferidos dentro do blockchain da Ethereum e como seus saldos de fornecimento e endereço são registrados de forma consistente.O principal objetivo do padrão ERC-20 é garantir a interoperabilidade entre diferentes ativos e aplicativos na blockchain Ethereum.
28 Disponível aqui.
29 Revoredo, Tatiana; In: Dubai: Stablecoins e novo regime regulatório para tokens cripto, Coluna Criptogalhas - Portal Migalhas, 2024, disponível aqui.
30 Revoredo, Tatiana; In: Dubai (VARA): O primeiro regulador do mundo dedicado só a criptoativos, Coluna Criptogalhas - Portal Migalhas, 2024, disponível aqui.
31 Revoredo, Tatiana; In: EAU: Isenção tributária e cooperação entre reguladores torna Dubai um hub cripto, Coluna Criptogalhas - Portal Migalhas, 2024, disponível aqui.
32 Disponível aqui.