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Nem mercadoria, nem tabu: A privacidade como valor na economia digital

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Atualizado às 08:24

Introdução

O PLP 234/23, apelidado de "Lei Geral de Empoderamento de Dados", propõe instituir no Brasil um ecossistema de monetização de dados pessoais, no qual os titulares poderiam supostamente participar dos benefícios econômicos gerados pelo uso de seus dados. Recentemente, uma Nota Técnica elaborada por pesquisadores da ELA-IA e do LAPIN, publicada em forma de artigo no site Outras Palavras1 e intitulada "E se nossa intimidade virar mercadoria?" examinou criticamente essa proposta legislativa, levantando questões jurídicas, tecnológicas e político-sociais sobre o PLP 234/23. O artigo aborda quatro aspectos principais: (1) o conteúdo do projeto de lei, (2) sua relação com iniciativas em curso no país, (3) as implicações e riscos associados, e (4) considerações finais com recomendações para o debate público. 

No geral, o texto adota um tom de grande cautela - senão ceticismo - quanto à ideia de monetização de dados pessoais. Em suas considerações finais, sugere que a sociedade não repita erros do passado e pondera que a "promessa de empoderamento do cidadão" via monetização de dados deve ser analisada de forma "cautelosa, criteriosa e bem-informada", questionando quais comportamentos e incentivos sociais esse sistema de valoração de dados poderia trazer. Os seus autores propõem adiar a tramitação do PL enquanto não houver maior clareza sobre a "mecânica do projeto" e recomendam aprofundar estudos técnicos antes de deliberar sobre sua aprovação. Embora prudencial, essa postura não deve interditar o debate fundamental sobre a compatibilidade da monetização dos dados pessoais com o ordenamento jurídico brasileiro, bem como os diversos benefícios que este modelo pode trazer para o desenvolvimento econômico e para a consolidação do direito fundamental aos dados pessoais.

Este artigo desenvolve uma análise crítica desses aspectos, discutindo especificamente: (i) a atualidade do tema "monetização dos dados pessoais" e a necessidade de sua regulamentação; (ii) a distinção entre o modelo de "propriedade dos dados" proposto pelo PL 234/23 e o necessário reconhecimento de uma dimensão econômica dos dados pessoais, tal como já ocorre com direitos de personalidade como a imagem; e (iii) os problemas na condução do debate até agora.

1. Monetização de dados pessoais: Proteção vs. exploração econômica

A monetização de dados pessoais não deve ser compreendida como uma simples ameaça à intimidade, mas como uma oportunidade regulatória para fortalecer a autodeterminação informacional dos indivíduos na economia digital. Ao reconhecer que os dados possuem valor econômico, torna-se possível construir um modelo normativo que, sem mercantilizar a dignidade humana, permita ao titular exercer controle consciente e legítimo sobre o uso de suas informações, inclusive mediante contrapartida. Essa abordagem híbrida, fundada na autonomia individual e cercada por salvaguardas jurídicas adequadas, representa um caminho promissor para superar a assimetria entre grandes plataformas e usuários, sem interditar, por princípio, a participação do cidadão nos benefícios gerados pelos seus próprios dados.

1.1. Por uma ampla proteção da dignidade humana2

A monetização dos dados pessoais é uma pauta legítima e compatível com o sistema jurídico brasileiro, desde que cercada das devidas salvaguardas legais. Estudos recentes3 sugerem que a exploração econômica direta de dados pelos próprios titulares não fere os princípios da proteção de dados nem a dignidade da pessoa humana, desde que seja voluntária, com liberdade real de escolha pelo indivíduo, e observados requisitos de transparência, proporcionalidade e justiça social. 

De fato, parece não haver divergência de que a dignidade da pessoa humana é o fundamento máximo do direito fundamental à proteção de dados pessoais. Esta vinculação, aliás, é reconhecida expressamente nas fontes jurisprudenciais mais remotas desse direito fundamental, seja no exterior,4 seja no Brasil.5 De um modo geral, reconhece-se que o direito à proteção de dados pessoais é decorre de uma concepção material ou negativa do princípio da dignidade da pessoa humana, que funciona como um mandado de restrição (e fruto da filosofia moral) e que, por isso, estabelece um dever ao Estado de proteger o indivíduo de práticas que o objetifiquem ou coloquem em risco valores essenciais da personalidade humana, inclusive contra sua vontade se for o caso (e.g., proibição de venda de órgãos).

No entanto, a dogmática jurídica referente à privacidade informacional costuma ignorar que a dignidade humana também deve ser encarada sob uma outra perspectiva. Ao lado da concepção material/negativa, a filosofia geral6 e jurídica7 também reconhece uma dimensão formal ou positiva da dignidade humana (fruto da filosofia política), que confere ao indivíduo um mandado de empoderamento e enfatiza justamente a sua autonomia (e não a sua tutela). Curiosamente, este fundamento "esquecido" está estampado na certidão de nascimento do direito fundamental à proteção de dados: o reconhecimento do direito à autodeterminação informacional dos indivíduos pelo Tribunal Constitucional Alemão. De fato, a preocupação subjacente a esta histórica decisão está no fato de que as novas tecnologias de tratamento de dados poderiam gerar um controle indevido sobre a autonomia individual, o que justificaria uma tutela específica do Estado para garantir a plena liberdade dos indivíduos. A autodeterminação informacional nada mais é do que o reconhecimento da faculdade individual de determinar o próprio fluxo informacional e reconhecer seu poder de decisão sobre o tratamento de seus dados pessoais. 

Em síntese, uma proteção plena da dignidade humana não deve se limitar à proibição de interferências (tutela), mas também à garantia de que a cada indivíduo seja garantido o controle sobre seus dados pessoais (liberdade), permitindo-lhe escolher livremente se, quando e de que forma suas informações serão utilizadas - inclusive ponderando sobre eventuais benefícios econômicos dessa utilização. Não se trata, apenas, de resgatar a dimensão liberal do direito à proteção de dados, mas sim de reconhecer a sua primazia: o indivíduo deve ter plenos poderes para determinar a legitimidade dos fluxos informacionais referentes à sua pessoa, que, no entanto, podem e devem ser protegidos pelo Estado em situações-limite. Longe de violar a dignidade humana, o reconhecimento dessa dimensão formal, no geral, e da faculdade do titular de monetização sobre os próprios dados pessoais, no particular, é fundamental para sua ampla proteção. Em outras palavras, é possível conceber um modelo de negócios de dados pessoais que respeite a autodeterminação informacional e, simultaneamente, permita que o titular atue como agente ativo na economia digital. 

1.2. Potenciais vantagens da abordagem híbrida

A atual arquitetura da economia digital coloca os indivíduos em uma posição desvantajosa. Seus dados são coletados, processados e comercializados por grandes empresas de tecnologia sem que recebam qualquer compensação econômica proporcional ao valor gerado. Nesse contexto, o reconhecimento de uma dimensão patrimonial dos dados deve ser visto como forma de corrigir esse desequilíbrio, devolvendo aos titulares maior controle e participação ativa na cadeia de valor informacional. Tratar os dados pessoais como uma "quase-propriedade" pode reequilibrar esse cenário, devolvendo aos titulares algum poder econômico e político sobre o uso de suas informações.

Essa abordagem traria pelo menos duas vantagens. A uma, ela traria uma vantagem pedagógica, uma vez que o reconhecimento do valor econômico dos dados pessoais ajudaria a reforçar a consciência dos indivíduos sobre a importância de suas informações. Isso permitiria que os titulares participassem ativamente da economia digital, não apenas como objetos de coleta, mas como sujeitos com poder de barganha. Essa situação traria maior interesse e engajamento do indivíduo na proteção dos seus dados pessoais e, naturalmente, uma maior simetria na relação com empresas e plataformas, já que o dado seria tratado como ativo econômico sujeito a regras de negociação.

A duas, essa abordagem traria uma vantagem transacional, pois diminuiria os respectivos custos de transação. No geral, os direitos de propriedade surgem quando os benefícios de internalização superam os custos de transação, ou seja, quando se torna economicamente eficiente atribuir titularidade exclusiva sobre um recurso8. De fato, a ausência de definição clara sobre quem pode controlar e explorar economicamente os dados pessoais cria incentivos perversos à utilização irrestrita por terceiros. Desse modo, a aplicação de um modelo "patrimonialista" aos dados pessoais permitiria reduzir significativamente os custos de transação envolvidos no seu uso econômico. Em um cenário sem um domínio claro sobre o bem jurídico, cada operação de tratamento de dados exige negociações complexas, baseadas em consentimentos fragmentados, contratos genéricos e mecanismos de fiscalização que se mostram ineficazes. O volume e a variedade de contratos envolvendo dados pessoais envolvem custos informacionais extremamente elevados, limitando ou impossibilitando que os titulares atuem efetivamente no seu controle. Essa abordagem patrimonialista poderia simplificar esse processo, padronizando direitos e deveres, sem que o titular suportasse o ônus informacional diário de ler centenas de termos de uso. Isso possibilitaria o desenvolvimento de contratos simples e claros (como já ocorre com direitos de imagem), reduzindo a atual situação de exploração sem contrapartida. Por fim, a patrimonialização facilitaria a criação de mercados organizados de dados, viabilizando a negociação dos dados pessoais com base em regras claras e previsíveis e fortalecendo o enforcement da sua proteção.9

Nesse particular, impõe-se reconhecer que a LGPD, ao reconhecer a titularidade sobre dados pessoais, já iniciou esse processo de internalização. Todavia, o uso do instituto da titularidade pode ter efeitos ambíguos: por um lado, reforça o controle individual sobre os dados; por outro, afasta uma estrutura de propriedade plena, com todos os seus atributos clássicos, como o direito de alienação. Se é verdade que o foco da LGPD está em valores personalistas, principalmente no que diz respeito à licitude do tratamento, à proteção contra abusos e ao exercício de direitos como acesso, correção e oposição, o uso do instituto da "titularidade" abre margem para a evolução normativa rumo a um modelo híbrido, que possa reconhecer, ao menos parcialmente, a dimensão econômica dos dados pessoais e sua exploração pelos titulares. De fato, à medida que os dados se tornam recursos valiosos na economia digital, é natural que cresça a pressão por modelos jurídicos que atribuam ao indivíduo direitos mais robustos de controle, de um lado, e de negociação, de outro. Assim, embora a LGPD adote explicitamente uma concepção personalista de dados pessoais, não se pode dizer que ela exclui ou impede o desenvolvimento de modelos que reconheçam a sua dimensão patrimonial, bem como a sua regulação como uma quase-propriedade. 

2. Propriedade sobre dados pessoais?

Um dos pontos centrais de controvérsia no PLP 234/23 é a tentativa de introduzir a noção de "direito de propriedade" sobre os dados pessoais do titular. A redação do projeto sugere atribuir aos titulares um direito subjetivo de propriedade, distinto da tradicional titularidade já assegurada pela LGPD. Essa proposta tem gerado críticas justamente por aparentar colisão com a tradição jurídica brasileira, que tende a enquadrar os dados pessoais na categoria dos direitos da personalidade, e não como objetos de propriedade patrimonial pura e simples.

O artigo ressalta esse desalinhamento, apontando que o PL 234/23 colide com a tutela jurídica vigente ao propor uma tutela distinta da reconhecida titularidade inscrita na LGPD. Nesse particular, a crítica constante no artigo é correta: um regime de propriedade sobre dados pessoais é realmente incompatível com o ordenamento e com a dogmática jurídica brasileira que,10 à exemplo do Direito Europeu11, reconhece os dados pessoais como uma extensão/projeção de um direito geral da personalidade, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana.

É preciso, contudo, fazer uma distinção crucial: o fato de não tratarmos dados pessoais como uma propriedade - no sentido tradicional do termo - não significa negar o reconhecimento de certas características dos direitos reais a esses bens jurídicos e impedir que o titular possa realizar a sua exploração econômica ativa. De fato, é possível reconhecer, ao mesmo tempo, que os dados pessoais, (a) embora não sejam possam ser objeto de um direito de propriedade tradicional, (b) possuem uma dimensão econômica que autoriza aos titulares a sua exploração legítima. Reconhecer um regime jurídico de quase-propriedade, com contornos híbridos de direitos pessoais e reais aos dados pessoais, parece ser o futuro da privacidade informacional12.

Aliás, o ordenamento brasileiro já oferece exemplos elucidativos dessa distinção. O direito à imagem, por exemplo, é classicamente um direito da personalidade de caráter extrapatrimonial (ligado à dignidade e à identidade pessoal), mas que comporta uma dimensão econômicas: uma pessoa pode licenciar o uso de sua imagem mediante remuneração, celebrando contratos para exploração comercial (como em publicidade), sem que isso transforme a imagem em uma "coisa" alienável. Mesmo sendo permitida a exploração econômica, o direito de imagem não perde as limitações inerentes à sua natureza: imprescritibilidade, irrenunciabilidade e inalienabilidade. Em qualquer circunstância, a imagem permanecerá indissociável da pessoa (ninguém "perde" o direito à própria imagem ao licenciá-la), mas seus usos econômicos podem ser objeto de negócio jurídico limitado e condicionado. 

Assim como os direitos da personalidade podem ser objeto de disposição, embora nunca completamente alienados, os dados pessoais podem ingressar em relações contratuais nas quais o titular licencia, autoriza ou compartilha certas informações em troca de alguma vantagem (pagamento, desconto, acesso a serviço etc.), sem que isso importe em abrir mão definitiva de seus direitos. Na prática, isso já ocorre nas chamadas relações de consumo de dados: por exemplo, consumidores fornecem dados em troca de serviços "gratuitos" na internet. De fato, não parece haver razão legítima para impedir que o regime jurídico da cessão do direito de imagem seja estendido a outros dados pessoais que denotam um expressivo valor econômico (e.g. hábito de consumo, rotina de deslocamento etc.).13

Verifica-se, portanto, que, apesar de partir de um ponto de vista equivocado e perigoso14 - a compatibilidade de um regime de propriedade sobre dados pessoais -, o PL 234/23 tem o mérito de dar início aos debates legislativos sobre monetização ativa dos dados pessoais, apresentando um modelo que remunere o titular e invertendo a lógica atual que apenas beneficiam as grandes empresas. Uma alternativa legislativa seria estabelecer sobre os dados pessoais um regime misto, de "quase-propriedade", nos moldes de um direito de personalidade negociável, tal como se faz com a imagem ou outros atributos da personalidade. Isso implicaria estabelecer mecanismos contratuais e regulatórios que permitam ao titular autorizar usos e receber contrapartidas, mas sempre com preservação de um núcleo de direitos inegociáveis (inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade). O desafio está em desenhar um regime sui generis, que não seja nem a propriedade plena irrestrita (que permitiria vendas irrevogáveis de dados, algo inaceitável), nem a proibição absoluta de qualquer transação (o que ignoraria a economia real e possivelmente tolheria o próprio titular de oportunidades legítimas). Essa distinção deve ser enfatizada para que o debate não resvale em falsos dilemas: proteger a privacidade não exclui permitir ao cidadão obter renda de seus dados; e viabilizar essa renda não exige transformar dados em meras commodities desconectadas de sua base constitucional na dignidade humana.

3. Necessidade de ampliação do debate público

Nos itens 3 e 4 da nota técnica, os autores direcionam críticas contundentes à forma como o debate sobre o PL 234/23 vem sendo conduzido. Um dos alertas é que o projeto tramita sem a devida publicidade e transparência, tendo sido apresentado e encaminhado a Comissão Especial sem amplo conhecimento da sociedade. Aponta-se uma inquietante assimetria de informação: trata-se de um tema tecnicamente complexo (envolvendo algoritmos de valoração de dados, arquitetura de data wallets, criptografia, blockchain etc.) que cria uma barreira para o cidadão comum e mesmo para legisladores não especialistas, dificultando um diálogo em pé de igualdade. Em outras palavras, há o risco de decisões serem tomadas sem que seus impactos sejam plenamente compreendidos pela coletividade, o que mina a legitimidade do processo legislativo em matéria tão sensível.

Ademais, o artigo destaca o papel de certos atores privados na promoção e possível implementação do ecossistema de monetização de dados proposto. Observe-se, preliminarmente, que não há nada de inerentemente ilícito em empresas de tecnologia proporem soluções inovadoras ou caminhos legislativos; contudo, o debate não pode ficar restrito a uma lógica particular, ditada por interesses ou modelos de negócios específicos. A potencial captura da agenda pública por interesses privados específicos é um perigo real quando falta diversidade de vozes e rigor técnico na discussão. Nesse particular, o artigo também traz uma crítica relevante, uma vez que a discussão sobre a regulamentação de modelos de negócio que tenham por objetivo a monetização de dados pessoais deve passar por um escrutínio público mais amplo.

Em síntese, defende-se aqui que pauta em si não deve ser arquivada. Ela deve - isto sim - ser debatida sob condições diferentes. É fundamental promover uma discussão técnica, abrangente e despersonalizada, na qual participem diversos segmentos da sociedade: especialistas em Direito Digital e proteção de dados, autoridades regulatórias, academia, representantes do setor privado, organizações de defesa do consumidor e da privacidade, entre outros. Somente com um debate plural e informado poderemos separar o joio do trigo: identificar quais aspectos da proposta do PL 234/23 são positivos e merecem avanço, e quais são problemáticos e precisam ser revistos ou rejeitados. Um projeto dessa natureza - que pode redefinir a relação dos brasileiros com seus dados pessoais - deve sim avançar, mas sob termos plurais e democráticos.

Considerações finais

A pergunta provocativa - "E se nossa intimidade virar mercadoria?" - serviu de título para o artigo analisado e sintetiza o dilema enfrentado pela sociedade diante do PLP 234/23. Transformar aspectos da nossa vida privada (nossos dados pessoais, reflexos de quem somos) em objetos de comércio desperta compreensível inquietação. Por outro lado, há uma reivindicação legítima subjacente: a de que os indivíduos retomem o controle e participem dos benefícios da economia dos dados, em vez de serem explorados passivamente por grandes corporações. A crítica acadêmica desenvolvida neste texto buscou justamente equilibrar essas duas perspectivas, apontando caminhos para um debate construtivo.

De fato, o artigo traz uma provocação válida: a implementação de um ecossistema de monetização de dados deve ser precedida de estudo aprofundado e ampla discussão pública. Medidas como a suspensão temporária da tramitação do PL e/ou a formação de grupos de trabalho técnicos e multidisciplinares durante os trabalhos legislativos, por exemplo, são acertadas e urgentes. Por outro lado, a cautela não deve servir como tabu. A pauta da monetização consciente de dados pessoais merece lugar de destaque na agenda regulatória. O empoderamento do titular no ecossistema econômico-digital é um debate necessário e urgente, que deve, no entanto, ser objeto de uma reflexão mais profunda e qualificada. Que esse debate seja levado adiante de forma técnica, ampla e plural.

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1 (Cunha et al. 2025)

2 O argumento contido no presente tópico já foi apresentado, com pequenas modificações, aqui: Valadão 2025a

3 Sobre este ponto, cf.: Custers e Malgieri 2022, Ritter e Meyer 2018, Malgieri e Custers 2018, Valadão 2025b

4 BVerfGE 65, 1 (Volkszählungsgesetz), j. 15.12.1983.

5 ADI nº 6.529 MC, Pleno, Relatora Ministra Cármen Lúcia, j. 13.08.2020.

6 Pfordten 2006

7 Christoph Möllers 2009

8 "Internalização" pode ser definida como o processo pelo qual os efeitos benéficos ou prejudiciais de uma atividade - que antes eram suportados por terceiros - passam a ser considerados diretamente pelas decisões do agente que exerce o controle sobre o recurso. Internalizar significa trazer para dentro da esfera de cálculo econômico de uma pessoa todos os custos e benefícios de sua conduta, normalmente por meio da definição ou reorganização dos direitos de propriedade. Isso reduz as externalidades negativas e aumenta a eficiência alocativa dos recursos. Segundo Demsetz, os direitos de proprie-dade tendem a emergir quando os ganhos advindos da internalização das externalidades superam os custos de transação envolvidos em defini-los e mantê-los. Demsetz 1967

9 Uma defesa mais ampla desses argumentos pode ser encontrados aqui: Hazel 2020

10 Valadão 2025b

11 Custers e Malgieri 2022

12 Custers e Malgieri 2022, Ritter e Meyer 2018, Malgieri e Custers 2018

13 Note-se, por óbvio, que o regime jurídico da cessão dos direitos de imagem seria apenas um ponto de partida para a elaboração de modelos que regulem a exploração econômica de outros dados pessoais. Sobre o tema, cf.: Valadão 2025b

14 Ao tentar positivar um direito de propriedade dos dados, corre-se o risco de subverter a natureza desses direitos, esva-ziando seu conteúdo personalíssimo e gerando conflitos com a ideia de que privacidade é direito fundamental inalienável (art. 5º, X, CF).

Bibliografia

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