Adoecimento mental de mulheres trabalhadoras: Impactos e desafios profissionais
sexta-feira, 2 de maio de 2025
Atualizado em 30 de abril de 2025 15:04
1. Sintomas ignorados, exaustão naturalizada
O adoecimento mental tem se tornado uma preocupação crescente no mundo do trabalho, afetando especialmente as mulheres. No Brasil, os dados acerca da saúde mental das pessoas trabalhadoras são alarmantes. O Ministério da Previdência, em 2024, registrou mais de 470.000 casos de afastamento do trabalho por transtornos mentais, principalmente transtornos de ansiedade e depressão, onde 64% das vítimas eram mulheres (segundo dados do INSS)1. De acordo com o Instituto Cactus, a prevalência de condições de saúde mental é maior nas mulheres. A depressão, por exemplo, ocorre, em média, duas vezes mais em mulheres do que nos homens e pode ser mais persistente nelas. Além disso, as tentativas de suicídio são 2,2 vezes mais frequentes entre as mulheres2.
Em 2021, sintomas classificados como transtornos mentais comuns foram a terceira maior causa de afastamento laboral no país, segundo o Observatório de Segurança e Saúde do Trabalho3. Mas como os TMCs - transtornos mentais comuns impactam a vida profissional das mulheres, considerando fatores como carga de trabalho, desigualdade de gênero e as repercussões para suas trajetórias profissionais?
Os chamados TCMs incluem sintomas como insônia, exaustão física e emocional, alterações de humor, desequilíbrios alimentares, falta de organização ou de habilidade para as tarefas cotidianas que podem resultar em ansiedade, depressão e esgotamento profissional. Quando no contexto laboral, estas condições são frequentemente desencadeadas por jornadas excessivas, exigências emocionais e falta de reconhecimento. Além disso, as mulheres vivenciam constantes diminuições e negações da importância de seus sofrimentos. A menos que o problema de saúde mental interrompa o desempenho do papel esperado pela mulher, é corriqueiro que seu sofrimento fique invisível e tratado como algo inerente ao gênero feminino4.
A invisibilização do sofrimento feminino se reflete na própria assistência médica. A revista "Proceedings of the National Academy of Sciences" publicou um estudo em 2024 que revelou que os médicos tendem a subestimar a dor das mulheres5. Esse viés de gênero na saúde faz com que a dor feminina seja interpretada de forma superficial ou errônea, comprometendo o diagnóstico adequado e o devido suporte para a saúde mental das trabalhadoras. Como destaca a pesquisadora Marjorie Nogueira Chaves (coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra (PopNegra), durante séculos, as dores das mulheres foram atribuídas à histeria. Esse viés ainda persiste, impactando diretamente a forma como as trabalhadoras são tratadas no ambiente de trabalho e na assistência médica ocupacional6.
O STJ já se debruçou sobre questões relacionadas a transtornos mentais em trabalhadoras. No informativo de jurisprudência 612, discutiu-se a abusividade na limitação do número de consultas psicoterápicas para pacientes com depressão, ressaltando que a interrupção abrupta do tratamento pode ser prejudicial7.
Além disso, Tribunais Regionais do Trabalho têm enfrentado desafios ao estabelecer o nexo causal entre a atividade laboral e o adoecimento mental. Fatores como assédio moral, jornadas exaustivas e metas abusivas são frequentemente associados ao desenvolvimento de transtornos mentais em trabalhadoras. Isso evidencia a importância de reconhecer e abordar os transtornos mentais comuns entre mulheres trabalhadoras, promovendo ambientes laborais saudáveis e políticas públicas de apoio à saúde mental8.
O despreparo e a falta de perspectiva da realidade das mulheres trabalhadoras, em equipes de saúde ocupacional e em profissionais de peritagem processual é um grande problema no enfrentamento da questão. Um bom exemplo é o caso de uma bancária do Itaú Unibanco S.A. que alegou que seu quadro depressivo estava relacionado às atividades laborais. Contudo, a perícia médica concluiu que a depressão é de etiologia multifatorial, envolvendo predisposição genética, fatores intrapsíquicos e estressores diversos, não sendo possível estabelecer um nexo causal direto com o trabalho. O laudo pericial destacou que, embora houvesse dificuldade de adaptação ao ambiente laboral que poderia ter agravado levemente o quadro, os principais responsáveis pela condição eram fatores extra laborais. Com base nessas conclusões, o Tribunal decidiu pela ausência de responsabilidade do empregador9.
Pois é exatamente disso que estamos falando aqui "estressores diversos" que afetam e impactam as mulheres muito mais do que aos homens. Embora saibamos que alegar que a depressão tem uma "etiologia multifatorial" demonstra claro desinteresse do técnico em aprofundar sua causa, é importante que a sociedade e o sistema de justiça se empenhem em não ignorar que ambientes laborais organizados sem nenhuma perspectiva racial e de gênero adoecem muito mais determinados grupos humanos do que outros e o resultado disso é a ampliação da crise de saúde mental no ambiente de trabalho e o colapso dos sistemas de atendimento.
2. Mulheres trabalhadoras e vulnerabilidade ao adoecimento mental
A sobrecarga das mulheres no mercado de trabalho não se limita às exigências da função profissional. A dupla jornada, que inclui o trabalho doméstico e o cuidado com familiares, amplifica o estresse e contribui para o desenvolvimento de transtornos mentais. Além disso, desigualdades salariais, discriminação e assédio no ambiente de trabalho geram um impacto significativo na saúde mental das trabalhadoras, tornando-as mais suscetíveis ao esgotamento e à desmotivação.
No atual contexto social pós-pandêmico, estamos presenciando um agravamento da exaustão e da intensificação do trabalho, com exigência de metas absurdas e desempenho excepcional constante. O retorno ao trabalho presencial e híbrido manteve a lógica de hiperdisponibilidade do home office, resultando em uma sobrecarga ainda maior. Nesse ambiente, o assédio moral tem se tornado um problema estrutural, sendo as mulheres as principais vítimas dessa prática abusiva.
A gestão empresarial (e podemos aqui considerar a da administração pública) baseada no estresse e na superexploração do trabalho, que prioriza apenas o desempenho e não a saúde da pessoa trabalhadora, contribui para um ambiente insalubre e inseguro10. Enquanto, de um lado, há a invisibilização da dor da mulher e do seu adoecimento mental, de outro, há o escancaramento dos sintomas desse apagamento nas estatísticas de afastamento e na degradação das condições laborais.
Os transtornos mentais entre mulheres trabalhadoras resultam em múltiplos desafios na trajetória profissional. Muitas mulheres enfrentam afastamentos temporários ou permanentes, o que pode comprometer sua estabilidade financeira. A redução da produtividade e a dificuldade de progressão na carreira são alguns dos principais impactos, uma vez que o estigma da saúde mental ainda persiste em diversos setores.
Desequilíbrios emocionais, hiper sensibilidade, fragilidade são estereótipos colados às mulheres. Isso impede muitas mulheres de buscarem ajuda, por medo de serem vistas como incapazes. Esse preconceito se manifesta na dificuldade de retorno ao trabalho, na perda de oportunidades de promoção e até na demissão velada, reforçando a desigualdade de gênero no mercado. Além disso, o afastamento por razões psicológicas é frequentemente deslegitimado, sendo tratado com desconfiança por empregadores e colegas, o que contribui para o isolamento e o agravamento do sofrimento.
Além do impacto social, as consequências também atingem a economia. De acordo com a OMS - Organização Mundial da Saúde, os transtornos mentais representam um prejuízo global de aproximadamente um trilhão de dólares, segundo um estudo de 2022. O impacto financeiro reflete não apenas a perda de produtividade, mas também o alto custo com afastamentos e tratamentos. Empresas que não investem em ambientes de trabalho saudáveis acabam contribuindo para a perpetuação desse problema estrutural.
Para enfrentar essa realidade, é essencial que empresas adotem políticas mais inclusivas, garantindo suporte psicológico, ambientes de trabalho mais saudáveis e a promoção de uma cultura que reconheça a importância do bem-estar mental sem punição ou estigma.
3. Considerações que devemos levar adiante
O adoecimento mental das mulheres trabalhadoras reflete não apenas um problema de saúde pública, mas também uma questão de desigualdade social e econômica. A necessidade de políticas que promovam melhores condições de trabalho, acesso a suporte psicológico e uma divisão mais justa das responsabilidades domésticas e de cuidado se faz urgente.
É fundamental que empresas adotem práticas mais inclusivas e respeitosas, garantindo espaços de trabalho seguros e saudáveis. O combate ao estigma da saúde mental e a criação de mecanismos de apoio para mulheres trabalhadoras são essenciais para reduzir os impactos do adoecimento mental no mundo do trabalho.
Por fim, futuras pesquisas podem aprofundar o entendimento sobre as especificidades do adoecimento mental em diferentes setores e grupos sociais, contribuindo para a formulação de políticas públicas mais eficazes e a criação de um mercado de trabalho mais equitativo e sustentável.
1 G1. Crise de saúde mental: Brasil tem maior número de afastamentos por ansiedade e depressão em 10 anos. São Paulo, 2025. Disponível aqui. Acesso em 11/3/25.
2 Instituto Cactus e Instituto Veredas. Caminhos em Saúde Mental. São Paulo, 2021. Disponível aqui. Acesso 11/3/25.
3 Notícias TRT13a Região: Transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil - Disponível aqui. Acesso em 13/3/25.
4 Passos, R. G.; Pereira, M. O. Luta antimanicomial, feminismos e interseccionalidades: notas para o debate. pp. 25-51. In: Luta Antimanicomial e Feminismos: discussões de gênero, raça e classe para a Reforma Psiquiátrica brasileira. Pereira e Passos (orgs). Rio de Janeiro: Autografia, 2017.
5 Tozer, Lily, 2024. Estudo Disponível aqui. Acesso em 11/3/25.
6 Metrópoles. Gaslighting médico: por que a dor das mulheres é levada menos a sério? Brasília, 2025. Disponível aqui.
7 Superior Tribunal de Justiça. Disponível - Informativo no 612 - 25/10/2017. Disponível aqui. Acesso em 13/3/25.
8 Notícias Site TRT18 - Transtornos mentais relacionados ao trabalho são desafios a serem enfrentados na nova organização do trabalho. Disponível aqui. Acesso em 13/3/25.
9 Processo ROT 0011421-27.2002.5.18.0054. Disponível aqui. Acesso em 13/3/25.
10 Paparelli, Renata. Crise Mental: o impacto no trabalho. Podcast O Assunto, com Natuza Nery. São Paulo, 10 de março de 2025.