21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres: O urgente enfrentamento da violência patrimonial
sexta-feira, 21 de novembro de 2025
Atualizado às 09:08
Introdução
Os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres constituem uma campanha internacional que ocorre todos os anos entre os dias 20 de novembro e 10 de dezembro. A iniciativa busca promover a conscientização e o combate às diversas formas de violência de gênero, abrangendo datas simbólicas como o Dia da Consciência Negra (20/11), o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher (25/11) e o Dia dos Direitos Humanos (10/12).
No Brasil, a mobilização assume particular relevância diante da persistente cultura de desigualdade e violência contra a mulher, exigindo uma abordagem interseccional e multidisciplinar.
Neste ano, ganha especial urgência o debate sobre a violência patrimonial. Estudos recentes revelam que esse tipo de violência cresceu significativamente no país, mas segue invisibilizado. Entre 2018 e 2023, a violência patrimonial contra mulheres aumentou cerca de 56,4%, segundo o Instituto Igarapé, e apenas em 2022 houve um crescimento adicional de 12,5% em relação ao ano anterior, conforme dados divulgados pela Forbes Brasil.
Esses números evidenciam que a violência patrimonial se intensifica em períodos de instabilidade econômica, disputas familiares e desigualdades estruturais aprofundadas no pós-pandemia. Assim, discuti-la neste momento é não apenas necessário - é urgente para compreender e enfrentar as múltiplas camadas da violência de gênero.
Um recorte necessário: O impacto da violência patrimonial
A violência patrimonial é frequentemente invisibilizada, camuflada sob pretextos de gestão familiar ou dependência financeira. Trata-se de qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de bens, documentos pessoais, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher, inclusive os destinados a satisfazer suas necessidades. É a violência que impede, controla ou restringe o acesso da mulher à sua própria autonomia material.
O art. 7º, inciso IV, da lei Maria da Penha, define:
"Entende-se por violência patrimonial qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades."
Essa forma de violência, embora menos visível que as agressões físicas ou psicológicas, é tão devastadora quanto, uma vez que opera diretamente na autonomia e na dignidade da mulher, dificultando sua emancipação e, muitas vezes, impossibilitando a ruptura com outros tipos de abusos.
Violência patrimonial como instrumento de controle e opressão
Ao considerar a dependência econômica como um dos grandes fatores que perpetuam ciclos de violência doméstica, a violência patrimonial revela seu caráter estratégico dentro das dinâmicas abusivas. O agressor, manipulando os recursos da mulher, subtraindo seus bens ou restringindo seu acesso ao trabalho remunerado, cria um ambiente de dominação, onde a vítima se vê aprisionada a um contexto hostil, mas do qual não consegue se desvincular por falta de meios.
Casos comumente relatados incluem apropriação de salário ou aposentadoria por parte do parceiro, apropriação de bens comuns do casal, como aluguéis de imóveis que pertencem a ambos, ou de heranças, impedimento de acesso a contas bancárias ou cartões de créditos, fazer a vítima contrair empréstimos ou dívidas, proibição de trabalhar, entre outros. Ainda assim, a denúncia dessa violência esbarra em mecanismos de silenciamento e naturalização, muitas vezes reforçados pelo próprio contexto familiar ou social.
A lei Maria da Penha e o enfrentamento jurídico
A lei Maria da Penha é uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher, perdendo apenas para Espanha e Chile. Ela traz mecanismos de proteção e medidas protetivas de urgência que podem e devem ser acionadas também em casos de violência patrimonial. Entre essas medidas, o juiz pode determinar a restituição de bens, o afastamento do agressor do lar, a proibição de venda ou transferência de patrimônio comum, entre outras.
É importante ressaltar que a violência patrimonial também pode configurar crime, tipificado no CP, especialmente nos crimes de dano, apropriação indébita, estelionato, ou no art. 24-A da própria lei 11.340/06, que trata do descumprimento de medidas protetivas de urgência.
Contudo, o que se observa na prática é a dificuldade das vítimas em reconhecer a violência patrimonial como uma forma legítima de agressão, e dos operadores do Direito em tratar o tema com a gravidade e urgência que ele demanda. Ainda são recorrentes decisões judiciais que relegam esse tipo de violência a uma questão meramente patrimonial, desconsiderando seus efeitos psicológicos e sociais profundos.
O papel dos 21 Dias de Ativismo
Nesse panorama, a campanha dos 21 dias vem cumprir um papel essencial: o de educar, mobilizar e sensibilizar a sociedade e, em especial, o sistema de Justiça e as autoridades públicas, para o reconhecimento e a repressão dessa forma de violência. Para que a violência patrimonial deixe de ser invisível, é necessário que seja nomeada, denunciada e punida.
A articulação da sociedade civil, de redes de apoio e dos próprios órgãos de defesa da mulher, como as delegacias de Defesa da Mulher, os centros de referência e o Ministério Público, é fundamental para que essa violência seja enfrentada de forma eficaz. É preciso também investimento em capacitação dos profissionais que atuam na ponta, para que saibam identificar e acolher adequadamente casos dessa natureza.
O papel do advogado de família e as medidas de proteção ao patrimônio da vítima
O advogado de família desempenha papel essencial no enfrentamento da violência patrimonial. Cabe a ele identificar rapidamente os sinais de abuso, orientar a cliente sobre seus direitos e adotar medidas urgentes para prevenir a dilapidação ou ocultação de bens.
Entre tais medidas, destacam-se:
- Pedido de medida protetiva - a lei Maria da Penha permite a restrição de movimentações financeiras e a suspensão de procurações ou poderes que possibilitem a alienação de bens.
- Ação cautelar de arrolamento ou sequestro de bens, para preservar o acervo patrimonial até a conclusão da partilha;
- Ação de prestação de contas, quando o agressor administra recursos da vítima;
- Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, quando a vítima contribuiu para construção patrimonial não reconhecida.
- Ação de divórcio ou dissolução de união estável cumulada com partilha, com pedidos liminares de bloqueio;
Essas medidas são fundamentais em separações litigiosas e casos em que o agressor tenta ocultar ou destruir patrimônio.
Considerações finais
A luta contra a violência patrimonial é um passo indispensável para a emancipação feminina plena. Enquanto os recursos financeiros e materiais forem controlados ou manipulados como instrumentos de dominação, a violência de gênero seguirá se perpetuando, mesmo que oculta.
Durante os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, é urgente que a sociedade - especialmente o operador do direito - amplie seu olhar e perceba que a violência patrimonial é mais do que uma disputa material: é uma violação de direitos humanos que compromete a liberdade, a dignidade e o futuro das mulheres. Que possamos, juntas e juntos, erguer nossas vozes e fortalecer as ferramentas legais e sociais que ajudem a rompê-la.
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Referências
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 ago. 2006.
CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, 1994.
MACHADO, Carolina Valença Ferraz. Violência patrimonial e doméstica: a ação e omissão do poder judiciário frente à aplicação da Lei Maria da Penha. Revista de Ciências do Estado, v. 5, n. 2, 2020.
SANTANA, Erika M. Violência patrimonial contra mulheres: invisibilidades e desafios. Revista Jurídica LEX, v. 35, n. 207, p. 50-65, 2018.
ONU MULHERES. 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Disponível aqui. Acesso em: 18/11/2025.
INSTITUTO IGARAPÉ. A violência contra mulheres no Brasil nos últimos cinco anos. Disponível aqui.
MIRA, Eduardo. Violência patrimonial: obstáculo silencioso à independência financeira feminina. Forbes Brasil, 2024. Disponível aqui.

