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Família e Sucessões

Desafios contemporâneos do direito de família e sucessões.

Flávio Tartuce
A viabilidade jurídica da ação de prestação de contas de alimentos é tema que sempre foi muito debatido nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Como bem demonstra Rolf Madaleno, "tratando-se de alimentos, reiteradamente a jurisprudência tem decidido não ser exigível a prestação de contas do guardião de filho credor de pensão alimentícia, em razão da irrepetibilidade dos alimentos, não havendo como o alimentante pretender a eventual restituição de alimentos desviados ou mal empregados".1De fato, podem ser encontrados vários julgados entendendo por sua impossibilidade, por ilegitimidade ativa do alimentante e pela falta de interesse processual, entre outros argumentos (ver: TJ/SP, Apelação 0003673-49.2010.8.26.0099, Acórdão 8.044.325, Bragança Paulista, 9ª câmara de Direito Privado, Rel. Des. Alexandre Bucci, julgado em 25/11/14, DJESP 20/01/15; TJ/DF, Recurso 2013.01.1.033648-0, Acórdão 766.021, 4ª turma Cível, Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis, DJDFTE 12/03/14, p. 280; TJ/MG, Apelação cível 1.0518.13.016606-0/001, Rel. Des. Washington Ferreira, julgado em 19/08/14, DJEMG 22/08/14; TJ/MG, Apelação cível 1.0643.11.000295-0/001, Relª Desª Áurea Brasil, julgado em 10/07/14, DJEMG 22/07/14; TJ/PR, Apelação cível 1204895-0, Palmas, 12ª câmara Cível, Rel. Juiz Convocado Luciano Carrasco Falavinha Souza, DJPR 12/09/14, pág. 330). Na mesma linha, conforme se retira de decisium do STJ, "segundo a jurisprudência desta Corte, o alimentante não detém interesse de agir quanto a pedido de prestação de contas formulado em face da mãe do alimentando, filho de ambos, sendo irrelevante, a esse fim, que a ação tenha sido proposta com base no art. 1.589 do Código Civil, uma vez que esse dispositivo autoriza a possibilidade de o genitor que não detém a guarda do filho fiscalizar a sua manutenção e educação, sem, contudo, permitir a sua ingerência na forma como os alimentos prestados são administrados pela genitora" (STJ, AgRg. no REsp. 1.378.928/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 3ª turma, julgado em 13/08/2013, DJe 06/09/13). Além dessa argumentação, a ação de prestação de contas das verbas em estudo vinha sendo rejeitada com base na premissa da irrepetibilidade dos alimentos.Esse era o entendimento majoritário, que foi substancialmente alterado pela lei 13.058, de dezembro de 2014; dispositivo que trouxe modificações substanciais em matéria de guarda. Uma dessas alterações diz respeito à introdução do § 5º no art. 1.583 do CC, com a seguinte dicção: "a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos". A menção à supervisão e à prestação de contas, sem dúvidas, pode estar relacionada aos alimentos.Esclareça-se, por oportuno, que a fixação da guarda compartilhada (ou alternada) não gera, por si só, a extinção da obrigação alimentar em relação aos filhos, devendo a fixação dos alimentos sempre ser analisada de acordo com o binômio ou trinômio alimentar. Em complemento, quanto à prestação das contas alimentares, passa ela a ser plenamente possível, afastando-se os argumentos processuais anteriores em contrário, especialmente a ilegitimidade ativa e a ausência de interesse processual. Igualmente, não deve mais prosperar a premissa da irrepetibilidade como corolário da inviabilidade dessa prestação de contas.De toda sorte, acreditamos que a exigência da prestação deve ser analisada mais objetiva do que subjetivamente, deixando-se de lado pequenas diferenças de valores e excessos de detalhes na exigência da prestação, o que poderia torná-la inviável ou até aumentar o conflito entre as partes. Essa também é a percepção de João Ricardo Brandão Aguirre, em palestra recentemente ministrada em evento do IBDFAM.2Interessante observar que o texto legal faz referência tanto à prestação de contas objetiva quanto à subjetiva, devendo a primeira prevalecer. Para esta proposta que se faz, entram em cena o princípio da boa-fé objetiva processual e o dever de cooperação imposto às partes da demanda, regramentos que passam a ter um tratamento mais aprofundado no novo CPC, em especial pelos seus arts. 5º e 6º.3 Consigne-se que a boa-fé objetiva já é o norte interpretativo para a conversão da mora em inadimplemento absoluto, a preencher o critério da utilidade da obrigação ao credor, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC.4 Conforme o Enunciado 162, aprovado na III Jornada de Direito Civil (2004), "a inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor". Pensamos que esses parâmetros também devem valer para a ação de prestação de contas.A esse propósito, para a prestação de contas dos alimentos, igualmente servem como guia as precisas palavras de Rolf Madaleno, para quem "sabido quão fértil se presta o Direito de Família para a prática do abuso do direito, vedado pela legislação civil (CC, art. 187), inclusive no instituto dos alimentos, quando os filhos são prejudicados pelos desvios ou pela má gestão do seu crédito alimentar, e se existe a intenção de prejudicar, pelo exercício abusivo do genitor administrador da pensão dos filhos, atenta este ascendente contra os interesses superiores das crianças e dos adolescentes, ao encontrar no desvio dos recursos da prole um meio propício às suas vantagens pessoais, e a prestação de contas exigida pelo alimentante não destituído do poder familiar é a grande reserva a favor dos interesses superiores do alimentante. Mas também pode existir abuso por parte do devedor de alimentos ao encontrar na prestação de contas uma maneira de incomodar o ex-cônjuge com reiteradas admoestações processuais, por suspeitas inconsistentes de malversação dos alimentos, devendo ser bem dosada a rendição das contas, cuja solução também pode passar por uma demanda alternativa de inspeção judicial, realizada por assistentes sociais em visita à residência do alimentando, e sua escola, escutando outros familiares, amigos e vizinhos, até onde for possível e discreto, para apurar e avaliar a realidade e dimensão da pretensão processual de rendição de contas, correndo os custos desta diligência pela parte devedora".5Como nota derradeira, é preciso fazer uma última atualização do tema frente ao Novo CPC. Isso porque os arts. 914 a 919 do CPC/73 tratavam do rito especial da ação de prestação de contas, tanto em relação àquele que teria o direito de exigi-las quanto para o obrigado a prestá-las. No Estatuto Processual emergente, o rito especial foi mantido somente no que concerne a quem tem o direito de exigi-las, nos termos dos seus arts. 550 a 553 (ação de exigir contas). Parece-nos que, para aqueles que são obrigados à sua prestação, a ação deve seguir o procedimento comum, e não mais o especial.____________________1 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense. 2010, p. 897.2 Conforme exposição realizada no Seminário "Os Novos Paradigmas do Direito de Família", promovido em João Pessoa, pelo Ministério Público do Estado da Paraíba e pelo IBDFAM, entre os dias 28 e 30 de maio de 2015, na sede da Procuradoria-Geral local.3 Novo CPC. "Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé". "Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".4 CC/2002. "Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos".5 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2010, p. 899-900.
Como antes exposto neste canal, o novo CPC traz a opção de equalizar a união estável ao casamento em vários de seus dispositivos, o que fará com que o tema seja analisado de maneira diversa no âmbito do direito material. Também conforme o texto que antecede ao presente, começamos a analisar o art. 73 do Novo Estatuto Processual - equivalente ao art. 10 do CPC/73 -, especialmente a menção à separação absoluta, prevista no seu caput, que não encerrou polêmica anterior sobre o assunto, infelizmente. Para este novo artigo, frise-se que o impacto principal a ser estudado diz respeito à aplicação da regra do art. 73 do Novo CPC para os casos de união estável, como é expresso no seu § 3º, desde que a relação de convivência seja comprovada nos autos. No âmbito do Direito Civil, sempre existiu grande polêmica, doutrinária e jurisprudencial, quanto à incidência, ou não, do art. 1.647 do CC para as hipóteses de união estável, exigindo-se uma outorga convivencial para os atos ali referidos. De qualquer maneira, a outorga do companheiro passa a ser exigida nos casos do inciso II do art. 1.647, em diálogo com o Novo CPC. Como é notório, esse comando material - no mesmo sentido do art. 73 da Norma Instrumental - exige a outorga do cônjuge para pleitear, como autor ou réu, acerca de bens ou direitos relativos a imóveis. A dúvida que se coloca é a seguinte: nas situações dos demais incisos do art. 1.647, que dizem respeito a atos puramente materiais, como a venda ou outras alienações de imóvel, como ficam a fiança e a doação de bens comuns? Haverá necessidade de outorga convivencial em tais hipóteses?  Entre os civilistas, para uma primeira corrente, o art. 1.647 do CC aplica-se à união estável, pelo fato de que o regime de bens, que é regra tanto do casamento quanto da união estável, é o da comunhão parcial de bens (arts. 1.640 e 1.725 do CC/02). Nesse sentido, Regina Beatriz Tavares da Silva afirma que "devem ser consideradas as regras constituídas por disposições especiais (arts. 1.658 a 1.666) e as disposições gerais (arts. 1.639 a 1.657), em que se destaca a proibição de alienação de bem imóvel sem o consentimento do consorte, a não ser que seja escolhido o regime da separação absoluta (art. 1.647), sob pena de anulação do ato".  Esse entendimento é compartilhado por Paulo Lôbo, na sua obra Famílias, com primeira edição de 2008 (Saraiva). O STJ assim já decidiu anteriormente, conforme se depreende da seguinte ementa: "Processo civil. Execução fiscal. Penhora de bem imóvel em condomínio. Exigência de consentimento dos demais. 1. A lei civil exige, para alienação ou constituição de gravame de direito real sobre bem comum, o consentimento dos demais condôminos. 2. A necessidade é de tal modo imperiosa, que tal consentimento é, hoje, exigido da companheira ou convivente de união estável (art. 226, § 3º, da CF), nos termos da Lei 9.278/1996. 3. Recurso especial improvido" (STJ, REsp 755.830/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 07.11.2006, DJ 01.12.2006, p. 291). Entretanto, pontue-se que sempre seguimos uma segunda corrente, que responde negativamente, ou seja, a outorga só pode ser exigida dos cônjuges, e não dos companheiros, pelo fato de ser o art. 1.647 do CC uma norma restritiva de direitos que não comporta interpretação extensiva ou analogia. Por essa linha, a outorga somente é imposta por expressa previsão legal, o que não se verifica no tocante à união estável, a não ser agora, pela regra do art. 73 do CPC/15, para o que consta do inciso II do art. 1.647 do CC/02. Reafirme-se que essa é a melhor posição a ser adotada, mesmo existindo contrato de convivência entre as partes, inclusive celebrado por escritura pública. Concluindo desse modo a jurisprudência estadual: "Apelação cível. Ação declaratória de nulidade de ato jurídico. União estável não declarada. Venda de bem imóvel a terceiro de boa-fé. Inexistência de hipóteses de invalidade do negócio jurídico. Inexistência de nulidade. 1 - Ainda que seja possível vislumbrar pelas provas carreadas a existência de união estável entre apelante e primeiro apelado, a venda de bem imóvel a terceiro de boa-fé não é nula, tendo em vista que a Lei não exige a outorga uxória da companheira. 2 - Não provadas nenhuma das hipóteses de invalidade do negócio jurídico, previstas nos arts. 166 e ss. do CC 2002, não há nulidades a serem declaradas" (TJMG, Apelação Cível 1.0284.07.006501-6/0011, Guarani, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Pedro Bernardes, j. 17.02.2009, DJEMG 16.03.2009). "Ação declaratória de nulidade. Escritura pública de compra e venda. Imóvel. Sentença de improcedência. Negócio jurídico celebrado pelo companheiro sem a anuência da companheira. Possibilidade. Outorga uxória. Desnecessidade. Exigência legal que não se aplica à hipótese de união estável. (...)" (TJSP, Apelação com Revisão 396.100.4/6, Acórdão 2567068, Itararé, Segunda Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ariovaldo Santini Teodoro, j. 15.04.2008, DJESP 16.05.2008). Esse posicionamento segue a linha de necessidade de diferenciação da união estável em relação ao casamento. Adotando a mesma premissa, e a não subsunção do art. 1.647 do CC à união estável, vejamos recente aresto do STJ, referente a contrato de fiança, assim publicado no seu Informativo n. 535, do ano de 2014: "Direito Civil. Inaplicabilidade da Súmula 332 do STJ à união estável. Ainda que a união estável esteja formalizada por meio de escritura pública, é válida a fiança prestada por um dos conviventes sem a autorização do outro. Isso porque o entendimento de que a 'fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia' (Súmula 332 do STJ), conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade em relação à união estável. De fato, o casamento representa, por um lado, uma entidade familiar protegida pela CF e, por outro lado, um ato jurídico formal e solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico. A união estável, por sua vez, embora também represente uma entidade familiar amparada pela CF - uma vez que não há, sob o atual regime constitucional, famílias estigmatizadas como de 'segunda classe' -, difere-se do casamento no tocante à concepção deste como um ato jurídico formal e solene. Aliás, nunca se afirmou a completa e inexorável coincidência entre os institutos da união estável e do casamento, mas apenas a inexistência de predileção constitucional ou de superioridade familiar do casamento em relação a outra espécie de entidade familiar. Sendo assim, apenas o casamento (e não a união estável) representa ato jurídico cartorário e solene que gera presunção de publicidade do estado civil dos contratantes, atributo que parece ser a forma de assegurar a terceiros interessados ciência quanto a regime de bens, estatuto pessoal, patrimônio sucessório etc. Nesse contexto, como a outorga uxória para a prestação de fiança demanda absoluta certeza por parte dos interessados quanto à disciplina dos bens vigente, e como essa segurança só é obtida por meio de ato solene e público (como no caso do casamento), deve-se concluir que o entendimento presente na Súmula 332 do STJ - segundo a qual, a 'fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia' -, conquanto seja aplicável ao casamento, não tem aplicabilidade em relação à união estável. Além disso, essa conclusão não é afastada diante da celebração de escritura pública entre os consortes, haja vista que a escritura pública serve apenas como prova relativa de uma união fática, que não se sabe ao certo quando começa nem quando termina, não sendo ela própria o ato constitutivo da união estável. Ademais, por não alterar o estado civil dos conviventes, para que dela o contratante tivesse conhecimento, ele teria que percorrer todos os cartórios de notas do Brasil, o que seria inviável e inexigível" (STJ, REsp 1.299.866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25.02.2014). Ao final de 2014 surgiu uma outra forma de julgar na Superior Instância, que parece indicar uma terceira via, respondendo depende para a necessidade da outorga convivencial nos casos descritos no art. 1.647 do CC. Conforme acórdão publicado no Informativo n. 554 do Tribunal de Cidadania, de fevereiro de 2015, a invalidade da venda de imóvel comum, fundada na ausência de outorga do companheiro, depende da publicidade conferida à união estável. E essa publicidade se dá mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Cartório de Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente.  Conforme se retira da publicação do aresto, "a interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da lei 9.278/96 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CC, fazendo-as alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio - que indisfarçavelmente imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento - mostra-se presente em relação à união estável; ou seja, a proteção da família (com a qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente). Todavia, levando-se em consideração os interesses de terceiros de boa-fé, bem como a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção (ou seja, para a eventual anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum), da existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável. No casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade. Projetando-se tal publicidade à união estável, a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união" (STJ, REsp. 1.424.275/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 04.12.2014, DJe 16.12.2014). A este autor parece que, no plano jurisprudencial, a segunda corrente exposta parece ser a tendência da jurisprudência superior. Contudo, não se negue que o Novo CPC tende a aprofundar o debate a respeito dessa problemática nos próximos anos, por mencionar a necessidade da outorga conjugal para a hipótese que está prevista no inciso II do art. 1.647 do CC.Então, por que não aplicar a mesma premissa para as demais situações desse comando material? Confesso que continuo a entender, até o presente momento, que a incidência do Novo CPC diz respeito apenas ao inciso II do preceito civil. Todavia, estou refletindo sobre essa nova extensão, e o meu posicionamento até pode ser alterado no futuro._____________________1 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Novo Código Civil comentado. In: FIUZA, Ricardo. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1.427.
O Novo CPC teve a feliz opção de equalizar expressamente a união estável ao casamento em vários de seus preceitos, o que trará consequências para o modo como a comparação dessas entidades familiares é feita no âmbito do direito material, especialmente pelo fato de o CC brasileiro ter tratamento distinto entre o casamento e a união estável.Antes da exposição dos dispositivos legais, não se olvide que, quando da elaboração do Estatuto Processual anterior, a união estável não era reconhecida expressamente como entidade familiar, o que somente ocorreu, concretamente e no plano legal, com a CF de 88, por força do seu art. 226, § 3º. De qualquer forma, esclareça-se que a maioria das regras logo expostas já recebiam a mesma interpretação pela doutrina e pela jurisprudência. De início, o art. 144 do CPC/15, em seus incisos III e IV, ampliou os impedimentos do juiz para os casos em que, no feito, for parte ou estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do MP, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive. Como é notório, o art. 134, incisos IV e V, do CPC/73 somente fazia alusão ao cônjuge do juiz, e não ao seu companheiro. Louva-se, sem dúvidas, a nova norma que passou a estender o impedimento para as situações em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive (art. 144, inciso VIII, do CPC/15). O último preceito tem conteúdo ético indiscutível, na linha da boa-fé processual adotada pela nova legislação instrumental. Igualmente no que diz respeito à suspeição do julgador, é seu motivo o fato de ser qualquer uma das partes credora ou devedora de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive (art. 145, inciso III, do Novo CPC). Mais uma vez, constata-se que o art. 135, inciso II, do anterior diploma processual não mencionava o companheiro, mas apenas o cônjuge. Quanto à citação, esta não será feita, salvo para evitar perecimento de direito ao cônjuge, ao companheiro ou a qualquer parente do morto, consanguíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral em segundo grau, no dia do falecimento e nos sete dias seguintes, visando à proteção do luto da família, verdadeiro direito da personalidade. Isso consta do art. 244, inciso II, do CPC/15, sendo certo que a menção ao convivente não estava no art. 217, inciso II, do CPC/73.No que tange às provas, o companheiro não é obrigado a depor sobre fatos que gerem a desonra de seu consorte (art. 388, inciso III, do CPC/2015); quando é certo que não se mencionava o convivente no CPC anterior ou no CC de 2002. Na mesma linha e ainda sobre a prova, nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis alheios, a confissão de cônjuge ou companheiro não valerá sem a do outro, salvo se o regime de casamento for o da separação absoluta de bens (art. 391, parágrafo único, do CPC/15). No art. 350, parágrafo único, da norma processual anterior, não havia regra relativa à união estável, mais uma vez. Quanto às testemunhas, ainda nessa seara probatória, são impedidos para tanto "o cônjuge, o companheiro, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito" (art. 447, § 2º, inciso I, do CPC/15, com destaque). A lei anterior, novamente, apenas expressava o cônjuge (art. 405, § 2º, inciso I, do CPC/73). Em matéria de inventário, passou-se a reconhecer, na nova norma, a legitimidade do companheiro para a sua abertura e para ser nomeado como inventariante (arts. 616 e 617 do Novo CPC); o que não estava previsto no sistema anterior, apesar do reconhecimento dado por doutrina e jurisprudência. O companheiro também é legitimado expressamente a opor embargos de terceiro para a tutela da sua meação pelo art. 674 do Novo Codex; quando é certo que o art. 1.046 do CPC/73 não o expressava. Seguiu-se, assim, o entendimento que era consolidado pela jurisprudência, especialmente pela superior, cabendo colacionar, por todos: "é parte legítima para embargar a execução companheira que, garantida com partilha de bens já decretada, deles ainda não dispõe por falta de homologação da partilha. Legitimidade ativa da possuidora mediata, garantida com a partilha, para fazer uso dos interditos, inclusive embargos de terceiro" (STJ, REsp 426.239/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 04.05.2004, DJ 28.06.2004, p. 230). Sem prejuízo de outros novéis comandos, o que parece gerar maiores repercussões para o direito material é o art. 73 do CPC/15, a seguir confrontado com o art. 10 do Código de Processo anterior, para os devidos aprofundamentos: Novo Código de Processo Civil Código de Processo Civil Antigo Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens. § 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação: I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens; II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles; III - fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família; IV - que tenha por objeto o reconhecimento, constituição ou extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges. § 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado. § 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos. Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários (redação dada pela lei 8.952, de 13/12/94). § 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações (parágrafo único renumerado pela lei 8.952, de 13/12/94): I - que versem sobre direitos reais imobiliários (redação dada pela lei 8.952, de 13/12/94);II - resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles (redação dada pela lei 5.925, de 1º/10/73);III - fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados (redação dada pela lei 5.925, de 1º/10/73)IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges (redação dada pela lei 5.925, de 1º/10/73). § 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados (incluído pela lei 8.952, de 13/12/94). Foi mantida a regra antecedente, agora no art. 74 do CPC/15, no sentido de que tal consentimento para as ações reais sobre imóveis possa ser suprido judicialmente quando for negado por um dos cônjuges sem justo motivo, ou quando lhe seja impossível concedê-lo. Em complemento, a falta de consentimento invalida o processo quando necessário e não suprido pelo juiz. Essas eram as premissas expostas no art. 11 do CPC/73, sem qualquer mudança mais substancial. Sem dúvidas, a grande inovação é a necessidade de vênia ou outorga convivencial para as ações reais imobiliárias, constante do último parágrafo do art. 73, sem correspondente no dispositivo instrumental anterior, como se percebe.1 A novidade deve ser confrontada com o art. 1.647 do CC de 2002, que tem a seguinte redação: Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;III - prestar fiança ou aval;IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. A norma material transcrita representa um dos mais importantes comandos legais do CC de 2002, elencando hipóteses de legitimação, capacidade especial exigida por lei para determinados atos e negócios. No caso, a lei prevê a necessidade de concordância do outro cônjuge, manifestada por uma autorização para o ato. O instituto se situa no plano da validade do negócio jurídico, envolvendo a capacidade (art. 104, inciso I, do CC/02). Por isso é que a lei estabelece, como consequência da falta da outorga conjugal, a anulabilidade do ato correspondente (art. 1.649 do CC/2002), não havendo o eventual suprimento judicial (art. 1.648 do CC/02). Como é notório, forçoso utilizar a expressão genérica outorga conjugal, a englobar tanto a outorga marital (do marido) quanto a outorga uxória (da esposa, do latim uxor). Didaticamente, deve-se evitar mencionar apenas a última, porque traz o sentido de discriminação que constava da codificação material anterior, de 1916, especialmente no seu art. 233, segundo o qual o marido seria o chefe da entidade familiar. Em relação aos regimes que necessitam da outorga conjugal, a dispensa se dá apenas no regime da separação absoluta, tanto por previsão material quanto, agora, processual. Em outras palavras, a outorga conjugal é necessária para os atos elencados nos regimes da comunhão parcial de bens, da comunhão universal de bens e da participação final nos aquestos, em regra. Quanto ao último regime, é possível que o pacto antenupcial traga regra que preveja a livre disposição dos bens imóveis, conforme o art. 1.656 do CC, afastando a necessidade da outorga se isso for convencionado. De toda sorte, esse último regime, introduzido pelo CC de 2002, praticamente não encontrou aplicação prática nos seus mais de dez anos de vigência. A expressão separação absoluta gerou muito debate entre os civilistas e foi repetida pelo Novo CPC no dispositivo aqui exposto (art. 73). Sabe-se que a separação de bens pode ser, inicialmente, legal ou obrigatória, nos três casos descritos no art. 1.641 do CC/02. O primeiro deles está associado à presença de uma das causas suspensivas do casamento, consagradas pelo art. 1.523 do CC. A segunda hipótese envolve as pessoas que se casam com idade superior a 70 anos, o que foi modificado pela lei 12.344/10, pois o sistema anterior previa a idade de 60 anos. A terceira situação de imposição do regime da separação legal diz respeito às hipóteses de pessoas que necessitam de suprimento judicial para o casamento, caso dos menores que não atingiram a idade núbil de 16 anos (arts. 1.517 e 1.520 do CC). Ademais, a separação de bens será convencional quando decorrer de opção dos cônjuges, por pacto antenupcial. Expostos tais conceitos, qual regime seria esse, mencionado tanto no CC/02 quanto no CPC/15, o regime da separação absoluta de bens? Respondendo, não há controvérsia quanto ao regime da separação convencional de bens, uma vez que o art. 1.687 do CC é claro no tocante à livre disposição dos bens, presente uma separação absoluta em casos tais. A polêmica está na separação legal ou obrigatória, girando em torno da incidência ou não da antiga Súmula n. 377 do STF, editada em abril de 1964, com a seguinte redação: "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento". Pelo seu teor, no regime da separação obrigatória haveria algo próximo de uma comunhão parcial, comunicando-se os bens havidos durante a união pelo esforço patrimonial dos cônjuges. Em suma, se ainda incidente a súmula, na separação legal, não haveria uma separação absoluta, pois alguns bens se comunicam. Deve ficar claro que este autor segue o entendimento pela necessidade de prova do esforço comum para que surja o direito à participação do cônjuge na separação legal ou obrigatória de bens (nesse sentido: STJ, REsp 442.629/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 02.09.2003, DJ 15.09.2003, p. 324, REPDJ 17.11.2003, p. 332). Todavia, a dedução não é pacífica, diante da existência de entendimento que dispensa a prova do citado esforço comum para a aplicação da súmula (STJ, REsp 1.171.820/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 07.12.2010, DJe 27.04.2011; REsp 1.090.722/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 02.03.2010, DJe 30.08.2010; REsp 736.627/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 11.04.2006, DJ 01.08.2006, p. 436). Como se nota pelas menções aos julgados, os acórdãos superiores mais recentes dispensam a prova do esforço comum, transformando a separação obrigatória de bens em comunhão parcial, uma vez que todos os bens havidos durante o casamento se comunicam.Mas a questão a ser respondida é se a súmula 377 do STF ainda tem, ou não, aplicação, o que repercute diretamente na interpretação do art. 1.647, caput, do CC/02. Duas são as correntes que podem ser apontadas a respeito de tão intrincada questão. Para uma primeira corrente, a súmula está cancelada, pois o CC/02 não repetiu o art. 259 do CC/16, que supostamente lhe dava fundamento: "Art. 259. Embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento". Na doutrina, encabeçam esse entendimento Silvio Rodrigues,2 Francisco Cahali3 e José Fernando Simão.4 Para essa vertente, haveria separação absoluta tanto na separação convencional quanto na separação legal de bens, pois nos dois regimes nada se comunica. Para uma segunda corrente, a súmula não está cancelada, diante da vedação do enriquecimento sem causa retirada dos arts. 884 a 886 do CC. Assim, urge a comunicação de alguns bens havidos para se evitar o locupletamento sem razão. Essa corrente parece ser a prevalente na doutrina nacional, sendo seguida por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery,5 Zeno Veloso,6 Rodrigo Toscano de Brito,7 Paulo Lôbo,8 Maria Berenice Dias,9 Maria Helena Diniz,10 Sílvio Venosa,11 Eduardo de Oliveira Leite,12 Rolf Madaleno,13 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,14 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho.15 Destaque-se que alguns doutrinadores dispensam até a prova do esforço comum, caso de Paulo Lôbo e Maria Berenice Dias. Nessa mesma linha, somente há separação absoluta na separação convencional; eis que, na separação legal, haverá comunicação dos bens havidos pelo esforço comum, entendimento ao qual se filia o autor deste texto. Apesar da adesão à segunda corrente, que tende a prevalecer também na jurisprudência, cabe reafirmar que esse é um dos temas mais divergentes no Direito de Família contemporâneo nacional. O Novo CPC manteve a controvérsia, pois continua a utilizar a expressão separação absoluta. Se tivesse mencionado apenas a separação convencional nos comandos transcritos, o debate talvez houvesse diminuído ou se encerrado. Perdeu-se, assim, chance de pacificação de grande controvérsia, que parece ainda persistir no Direito Brasileiro. Mas não é só. A menção à união estável no último parágrafo do art. 73 do CPC/15 traz outras repercussões de cunho material ainda mais profundas e controversas, que serão analisadas em texto futuro, neste mesmo canal.____________________1 Essa alteração legislativa já era defendida por: DIDIER JR., Fredie. A participação das pessoas casadas no processo. In: MAZZEI, Rodrigo Reis (coord.). Questões processuais no novo Código Civil. São Paulo: Manole, 2006. p. 460-462.2 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Direito de família. 28. ed. 3. tir. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6, p. 169-173.3 CAHALI, Francisco José. A súmula 377 e o novo Código Civil e a mutabilidade do regime de bens. Revista do Advogado. Homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo, Associação dos Advogados de São Paulo, ano XXIV, n. 76, jun. 2004.4 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil. Direito de família. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. v. 5, p. 169-173.5 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 737.6 VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 55. 7 BRITO, Rodrigo Toscano de. Compromisso de compra e venda e as regras de equilíbrio contratual do CC/2002. In: DINIZ, Maria Helena (coord.). Atualidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, n. 5, 2004. 8 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 300. 9 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 205. 10 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1.169. 11 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010. p. 1.511-1.512. 12 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado. Direito de família. São Paulo: RT, 2005. v. 5, p. 300. 13 MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 46-47. 14 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 221. 15 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 6, p. 316.
Conforme desenvolvido em trabalho anterior, um grande equívoco da lei 13.058/14 foi o de confundir a guarda compartilhada com a guarda alternada, trazendo ambas as modalidades no texto do Código Civil de 2002. Neste artigo, gostaríamos de enfatizar um segundo grave problema da novel modificação legal, qual seja, a obrigatoriedade na fixação da guarda compartilhada (ou alternada).Como é notório, o caput do art. 1.584 do CC/2002, sem qualquer alteração legislativa em 2014, preconiza que a guarda unilateral ou compartilhada poderá ser efetivada por dois meios. O primeiro deles diz respeito às hipóteses em que é requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar. Essa primeira opção envolve o pleno acordo dos genitores, devidamente homologado pelo juiz da causa. O segundo caminho para a fixação da guarda é a decretação pelo juiz, em atenção às necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Estabelecia o § 2º do mesmo art. 1.584 da norma material codificada que, quando não houvesse acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, seria aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. Constata-se, portanto, que essa categoria passou a ser a prioridade, diante da emergência da lei 11.698/08. A lei 13.058/14 alterou esse comando, dispondo atualmente que, "quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor". Por essa norma é que a guarda compartilhada passa a ser obrigatória ou compulsória, o que justifica a nomenclatura dada por este autor à nova legislação. A obrigatoriedade fica clara pelo fato de que o afastamento da guarda compartilhada - ou alternada - deve ser devidamente motivado pelo genitor, cabendo ao juiz da causa analisar a questão sempre sob a perspectiva do princípio do maior interesse da criança ou do adolescente. Sendo assim, mesmo havendo argumentos do genitor para declinar a suposta guarda compartilhada, o juiz pode entender pela sua implementação compulsória, de acordo com o regramento citado. Apesar da expressa previsão legal anterior de prioridade, dos esforços interdisciplinares suscitados pela doutrina anterior e no entendimento jurisprudencial, sempre se acreditou na existência de certos entraves para a efetivação da guarda compartilhada. Isso porque, para que seja possível a concreção dessa modalidade de guarda, este autor acredita ser necessária certa harmonia entre os cônjuges, uma convivência pacífica mínima. Ressalte-se, nesse contexto, a existência de prejuízos à formação do filho, pelo clima de guerra existente entre os pais. Nessa linha, já entendia o Tribunal de Justiça Gaúcho, antes mesmo da alteração legislativa de 2008, cabendo trazer à colação a seguinte ementa: "Guarda compartilhada. Caso em que há divergência entre as partes quanto à guarda. A guarda compartilhada pressupõe harmonia e convivência pacífica entre os genitores" (TJ/RS, processo 70008775827, 12.08.2004, 8.ª câmara Cível, rel. Juiz Rui Portanova, origem Porto Alegre). Mais recentemente, vejamos dois outros acórdãos estaduais, que trazem a mesma conclusão, pela necessidade de existência de certo grau de pacifismo no relacionamento dos pais: "AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, CUMULADA COM PEDIDO DE GUARDA DE MENOR, ALIMENTOS E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES CONTRA SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. REFORMA PARCIAL. 1. Guarda. Pretensão do pai à transferência para si da guarda do filho ou, ao menos, da guarda compartilhada. Impossibilidade. Criança em tenra idade que deve ser mantida sob os cuidados maternos, nos termos de Estudo Social. Pai que já foi acusado de maus-tratos e cuja visitação é, por ora, supervisionada. Guarda compartilhada inadequada no caso, em especial diante da relação conturbada do ex-casal. Recurso do autor não provido. 2. Alimentos. Pretensão da mãe à majoração. Admissibilidade. Binômio necessidade-possibilidade. Criança pequena, cujas despesas são evidentes somada à intolerância à lactose. Possibilidade financeira do pai que se qualifica como comerciante, reside em casa própria com a mãe, de quem conta com ajuda. Majoração determinada. Pedido acolhido. Recurso da ré provido" (TJSP, Apelação n. 0025974-26.2011.8.26.0302, Acórdão n. 8008487, Jaú, Terceira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto de Salles, julgado em 11/11/2014, DJESP 20/01/2015). "Guarda compartilhada. Adolescente. Situação familiar não propícia ao implemento da medida. Deferimento de guarda única à avó paterna. Direito de visitação da genitora. O melhor interesse da criança ou do adolescente prepondera na decisão sobre a guarda, independentemente, dos eventuais direitos daqueles que requerem a guarda. O implemento da guarda compartilhada requer um ambiente familiar harmonioso e a convivência pacífica entre as partes que pretendem compartilhar a guarda do menor. O conjunto probatório dos autos revela que, lamentavelmente, não há qualquer comunicação, contato e muito menos consenso entre a autora (avó) e a ré (mãe) necessários ao estabelecimento da guarda compartilhada. Assim sendo, há que se instituir no caso concreto a tradicional modalidade da guarda única em favor da autora, legitimando-se a situação de fato. Também merece reparo o regime de visitação imposto na r. sentença, o qual passará a ser em fins de semana alternados e somente aos domingos, de 8 às 20 horas ou em qualquer outro dia da semana e horário que for acordado entre mãe e filho, medida necessária para que o adolescente restabeleça seu vínculo com a mãe até que atinja a maioridade civil. Precedente citado: TJRS, 70001021534/RS, Rel. Des. Maria Berenice Dias, julgado em 02.03.2005" (TJRJ, Acórdão n. 2007.001.35726, Capital, Rel. Des. Roberto de Souza Cortes, j. 27.11.2007, DORJ 14.02.2008, p. 312). De toda sorte e em sentido contrário, cumpre destacar a existência de julgados no STJ, segundo os quais a guarda compartilhada pode ser imposta pelo magistrado, mesmo não havendo o citado consenso entre os genitores. De início, colaciona-se aresto precedente, que deduz: "A guarda compartilhada (art. 1.583, § 1º, do CC/2002) busca a proteção plena do interesse dos filhos, sendo o ideal buscado no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico do duplo referencial. Mesmo na ausência de consenso do antigo casal, o melhor interesse do menor dita a aplicação da guarda compartilhada. Se assim não fosse, a ausência de consenso, que poderia inviabilizar a guarda compartilhada, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente porque contraria a finalidade do poder familiar, que existe para proteção da prole. A drástica fórmula de imposição judicial das atribuições de cada um dos pais e do período de convivência da criança sob a guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal letra morta. A custódia física conjunta é o ideal buscado na fixação da guarda compartilhada porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência das fontes bifrontais de exercício do poder familiar. A guarda compartilhada com o exercício conjunto da custódia física é processo integrativo, que dá à criança a possibilidade de conviver com ambos os pais, ao mesmo tempo em que preconiza a interação deles no processo de criação" (STJ, REsp 1.251.000/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23.08.2011, publicação no seu Informativo n. 481). Como se percebe, o acórdão admite a guarda compartilhada com a alternância de lares e o duplo referencial, o que foi confirmado em outro julgamento mais recente daquela Corte Superior, com mesma relatoria (STJ, REsp 1.428.596, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 03/06/2014). Com o devido respeito, sempre criticamos essa forma de julgar, pois o compartilhamento em situações tais tende a aumentar os conflitos e gerar situações de maiores prejuízos ao filho, inclusive em decorrência de alienações parentais praticadas por ambos os genitores. Infelizmente, a lei 13.058/14 confirma essa última forma de pensar o Direito, impositiva, e acreditamos que trará mais problemas do que soluções, especialmente porque a modalidade que passa a ser obrigatória não é a guarda compartilhada, mas a guarda alternada. Imagine-se, por exemplo, as hipóteses de cônjuges que residam em locais distantes ou em cidades diferentes. Como impor uma alternância de lares em situações tais? Acredita-se que a norma simplesmente não terá aplicação em muitos casos concretos familiares. A propósito, José Fernando Simão pensa que, mesmo com a modificação legislativa, não haverá a citada obrigatoriedade. Para ele e com razão, "no caso da guarda compartilhada, em situações de grande litigiosidade dos pais, assistiremos às seguintes decisões: 'em que pese a determinação do CC de que a guarda deverá ser compartilhada, no caso concreto, a guarda que atende ao melhor interesse da criança é a unilateral e, portanto, fica afastada a regra do CC que cede diante do princípio constitucional'. A lei não é, por si, a solução do problema como parecem preconizar os defensores do PL 117/03. A mudança real é que o Magistrado, a partir da nova redação de lei, precisará invocar o preceito constitucional para não segui-la. Nada mais".1 Para concluir, reafirmamos que interesses pessoais de alguns pais nortearam a modificação legislativa efetivada no final de 2014. Como arremate, pensamos ser possível salvar o texto legislativo, deixando esses interesses de lado. Primeiro, aplicando a verdadeira guarda compartilhada, e não a guarda alternada, que está escondida na norma. Segundo, mitigando a máxima da sua obrigatoriedade, especialmente quando não houver o mínimo consenso entre os genitores. O modo como a jurisprudência se comportará nos próximos anos será fulcral para a correta efetivação da lei, em atendimento ao seu fim social.____________________1 SIMÃO, José Fernando. Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2014.
Para esta segunda coluna do Migalhas resolvi tratar da nova legislação relativa à guarda compartilhada, promulgada ao final de 2014. Penso ser muito importante, neste momento, aprofundar a abordagem do preceito emergente, o que será feito em dois textos. Conforme tenho destacado em aulas e exposições sobre o assunto, parece-me que o novo diploma tende a intensificar os conflitos familiares nos próximos anos, gerando ainda mais problemas. Como é notório, após cuidar da separação judicial e do divórcio, o Código Civil de 2002 elenca as regras referentes à "Proteção da Pessoa dos Filhos". Sobre esse tema, a codificação material traz disposições importantes, em especial nos seus arts. 1.583 e 1.584. Tais artigos foram profundamente modificados pela lei 11.698, de 13 de junho de 2008. Sucessivamente, houve nova alteração por meio da lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, originária do projeto de lei 117/2013, denominada por alguns como Lei da Guarda Compartilhada Obrigatória. O projeto aprovado modificou outros comandos da codificação privada, mas aqui vamos nos ater aos citados arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil. Voltando a momento anterior ao Código Civil de 2002, a lei 6.515/1977 estabelecia a influência da culpa na fixação da guarda. De início, o art. 9.º da Lei do Divórcio prescrevia que, no caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual, seria observado o que os cônjuges acordassem sobre a guarda dos filhos. No caso de separação judicial fundada na culpa, os filhos menores ficariam com o cônjuge que não tivesse dado causa à dissolução, ou seja, com o cônjuge inocente (art. 10, caput). Se pela separação judicial fossem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficariam em poder da mãe, salvo se o juiz verificasse que tal solução pudesse gerar prejuízo de ordem moral aos filhos (art. 10, § 1.º). Sendo verificado pelo juiz que os filhos não deveriam permanecer em poder da mãe nem do pai, seria possível deferir guarda a pessoa notoriamente idônea, da família de qualquer dos cônjuges (art. 10, § 2.º, da Lei do Divórcio). No sistema da redação original do Código Civil de 2002, preceituava o art. 1.583 que, no caso de dissolução da sociedade conjugal, prevaleceria o que os cônjuges acordassem sobre a guarda de filhos, no caso de separação ou divórcio consensual. Na realidade, a regra completava a proteção integral da criança e do adolescente consagrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/1990). Não havendo acordo entre os cônjuges, nos termos da redação original da codificação material, a guarda seria atribuída a quem revelasse as melhores condições para exercê-la (art. 1.584 do CC/2002). O parágrafo único deste comando legal enunciava que a guarda poderia ser atribuída a terceiro, se o pai ou a mãe não pudesse exercê-la, de preferência respeitada a ordem de parentesco e a relação de afetividade com a criança ou o adolescente. Percebe-se que o Código Civil de 2002, em sua redação original, mudou o sistema anterior de guarda, uma vez que a culpa não mais influencia na determinação do cônjuge que a deterá, ao contrário do que constava do art. 10 da Lei do Divórcio, norma revogada tacitamente pela codificação privada, diante de incompatibilidade de tratamentos. Assim, constata-se que não houve qualquer impacto da Emenda do Divórcio (EC/2010) sobre a guarda, eis que a culpa já não mais gerava qualquer consequência jurídica em relação a tal aspecto. A expressão melhores condições, constante da redação originária do art. 1.584 do CC/2002, sempre foi como uma cláusula geral. E para preenchê-la a doutrina nacional reiteradamente propunha o atendimento do maior interesse da criança e do adolescente. Nesse contexto, Maria Helena Diniz, com base na doutrina francesa, sempre apontou a existência de três critérios, três referenciais de continuidade, que poderiam auxiliar o juiz na determinação da guarda, caso não fosse possível um acordo entre os cônjuges. O primeiro deles seria o continuum de afetividade, pois o filho deve ficar com quem se sente melhor, sendo interessante ouvi-lo, sempre que isso for possível. O segundo é o continuum social, pois a criança ou adolescente deve permanecer onde se sente melhor, levando-se em conta o ambiente social, as pessoas que o cercam. Por fim, cabe destacar o continuum espacial, eis que deve ser preservado o espaço do filho, o "envoltório espacial de sua segurança", conforme ensina a professora Titular da PUC/SP1. Justamente por esses três critérios é que, geralmente, quem já exercia a guarda unilateral sempre teve maiores chances de mantê-la. Até então a guarda unilateral com regulamentação de visitas era a única opção prevista expressamente em lei Reafirme-se que com a edição da lei 11.698, de 13 de junho de 2008, as redações dos arts. 1.583 e 1.584 do CC/2002 sofreram alterações substanciais. De início, o art. 1.583, caput, passou a expressar que a guarda será unilateral ou compartilhada. Assim, seguindo o clamor doutrinário, a lei passou a consagrar, expressamente, a última modalidade de guarda. Nos termos legais, a guarda compartilhada é aquela em que há a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. O § 1.º do art. 1.583 define a guarda unilateral como a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua. Esses diplomas não sofreram qualquer mudança com a lei 13.058/2014. Porém, determinava o § 2.º do art. 1.583 do CC/2002 que a guarda unilateral seria atribuída ao genitor que revelasse as melhores condições para exercê-la, o que era repetição da anterior dicção do art. 1.584 do CC/2002. Todavia, o preceito foi além, ao consagrar alguns critérios objetivos para a fixação dessa modalidade de guarda, a saber: a) afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; b) saúde e segurança; c) educação. Tais fatores estavam na linha dos parâmetros expostos por Maria Helena Diniz, o que demonstrava que a lei apenas confirmava o que antes era apontado pela doutrina nacional. Com a lei 13.058/2014 o diploma passou a estabelecer que "na guarda compartilhada, o tempo de custódia física dos filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos". Em suma, nota-se que os critérios antes mencionados foram retirados, com a revogação dos três incisos do art. 1.583, § 2º, da codificação privada; o que não nos parece salutar. Ademais, com o devido respeito ao pensamento contrário, a este colunista a novel legislação traz outros sérios problemas. O principal deles é a menção a uma custódia física dividida, o que parece tratar de guarda alternada e não de guarda compartilhada. Continuamos a seguir a ideia de que a guarda alternada é aquela em que o filho permanece um tempo com o pai e um tempo com a mãe, pernoitando certos dias da semana com o pai e outros com a mãe. A título de exemplo, o filho fica sob a custódia do pai de segunda a quarta-feira; e da mãe de quinta-feira a domingo. Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança, como bem desenvolve a juspsicanalista Giselle Câmara Groeninga em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Como ela destaca, a guarda alternada acaba por privilegiar mais o que os pais vêem como seus direitos, "sem considerar os seus reais efeitos para o desenvolvimento da criança"2. Dois desses direitos dos pais, notoriamente egoísticos, podemos destacar de imediato. O primeiro é o de reduzir ao máximo os encontros com o antigo consorte, o que é facilitado pela existência de dois lares. O segundo diz respeito aos pleitos de redução ou exoneração de valores alimentícios, o que vem ocorrendo perante o Poder Judiciário sob a vigência da nova lei. Em verdade, a nova norma até pode parecer bem intencionada, sob o argumento de trazer a ideia de igualdade parental, superando o modelo monista da guarda unilateral. Porém, ela verdadeiramente esconde em seu conteúdo uma armadilha jurídica, como um Cavalo de Tróia Legislativo. A propósito, conforme destacado por Waldyr Grisard Filho na última Revista Informativa do IBDFAM, ainda em comentários ao projeto que gerou a lei, "a norma projetada não só mantém vivos alguns dos velhos equívocos à sua atribuição como ressuscita outros, de nefasta memória, como a guarda alternada, nunca disciplinada em nosso ordenamento jurídico. Assim, a guarda compartilhada permanece na berlinda"3. Pertinente lembrar que a guarda alternada é também chamada de guarda do mochileiro, pois o filho sempre deve arrumar a sua mala ou mochila para ir à outra casa. Não se trata de um mito, mas de uma realidade que deve ser mais profundamente debatida. Se existem estudos de psicanalistas e juristas que apontam não existir problema na alternância de lares; também existem outros relevantes trabalhos que afirmam o contrário, como o da professora Giselle Groeninga, aqui exposto. Se há séria divergência, especialmente em aspectos meta-jurídicos, melhor seria não mudar a lei, ou pelo menos debater a então proposta legislativa mais profundamente, o que não ocorreu. Efetivou-se uma tentativa de solucionar o problema da prevalência da guarda unilateral com a instituição generalizada da guarda alternada, o que é lamentável. Continuamos a afirmar que a alternância de guarda e de lares é altamente inconveniente, pois a criança perde seu referencial, recebendo tratamentos diferentes quando na casa paterna e na materna. O problema não diz respeito a gênero, mas a espaço e a convivência social. Qual será a turma de amigos do filho? Onde ele irá desempenhar as atividades complementares, esportivas e intelectuais, para a sua formação? Estudará na escola próxima a qual dos lares? Conviverá mais com os filhos dos amigos do pai ou da mãe? Como irá trabalhar psicologicamente as informações recebidas nos dois ambientes? Em grandes cidades e em situações concretas de pais que moram em municípios distintos a nova lei é praticamente inaplicável. Acrescente-se que o equívoco foi percebido pelo Professor José Fernando Simão, que participou da audiência pública no Senado Federal de debate do então projeto de lei n, 117/2013. Conforme artigo publicado ao final de 2014, pontua o jurista: "Este dispositivo é absolutamente nefasto ao menor e ao adolescente. Preconiza ele a dupla residência do menor em contrariedade às orientações de todos os especialistas da área da psicanálise. Convívio com ambos os pais, algo saudável e necessário ao menor, não significa, como faz crer o dispositivo, que o menor passa a ter duas casas, dormindo às segundas e quartas na casa do pai e terças e quintas na casa da mãe. Essa orientação é de guarda alternada e não compartilhada. A criança sofre, nessa hipótese, o drama do duplo referencial criando desordem em sua vida. Não se pode imaginar que compartilhar a guarda significa que nas duas primeiras semanas do mês a criança dorme na casa paterna e nas duas últimas dorme na casa materna. Compartilhar a guarda significa exclusivamente que a criança terá convívio mais intenso com seu pai (que normalmente fica sem a guarda unilateral) e não apenas nas visitas ocorridas a cada 15 dias nos finais de semana. Assim, o pai deverá levar seu filho à escola durante a semana, poderá com ele almoçar ou jantar em dias específicos, poderá estar com ele em certas manhãs ou tardes para acompanhar seus deveres escolares. Note-se que há por traz da norma projetada uma grande confusão. Não é pelo fato de a guarda ser unilateral que as decisões referentes aos filhos passam a ser exclusivas daquele que detém a guarda. Decisão sobre escola em que estuda o filho, religião, tratamento médico entre outras já é sempre foi decisão conjunta, de ambos os pais, pois decorre do poder familiar. Não é a guarda compartilhada que resolve essa questão que, aliás, nenhuma relação tem com a posse física e companhia dos filhos"4. Sabe-se que o desenvolvimento do ser humano desde os anos iniciais de vida demanda muito tempo e muita dedicação. Empenho, disciplina e esforço são palavras de ordem para os pais, havendo exigências sobre as figuras paternas e maternas que não eram realidade no passado. Já é difícil a construção de laços afetivos sociais, internos e externos, em um lar apenas. Imaginem em dois. A sociedade contemporânea exige papéis dos pais como se fossem Super-homens e Mulheres-Maravilhas, quando a realidade nos coloca muito distantes das fantasias de super-heróis. Repise-se que a guarda compartilhada ou guarda conjunta representa a hipótese em que pai e mãe dividem as atribuições relacionadas ao filho, que irá conviver com ambos, sendo essa sua grande vantagem. Esse é o conceito que permanece no art. 1.583, 1º, do Código Civil, como antes exposto. Todavia, há uma total contradição da norma ao estabelecer, no § 3º do mesmo diploma, a ideia de divisão de moradias, comum na alternância da guarda. O paradoxo também pode ser retirado do inciso II do art. 1.584 da própria codificação, ora modificada, ao enunciar que a guarda compartilhada poderá ser decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Distribuir o tempo de convívio igualmente é comum na guarda alternada. Para sanar o conflito existente na própria lei, talvez a solução futura seja fixar a verdadeira guarda compartilhada, sem considerar a alternância de lares que o comando introduziu. Expostas essas ideias e conceitos, fica a reflexão final deste texto: a lei 13.508/2014 é uma norma sobre guarda compartilhada obrigatória ou uma lei sobre guarda alternada obrigatória? Tenho respondido pelo segundo enquadramento. Por isso o título desta coluna, a demonstrar um dos dois principais problemas do preceito emergente. O segundo problema, a obrigatoriedade propriamente dita, será abordado no nosso próximo artigo. __________ 1DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 5. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 28ª edição, 2010, p. 347-348. 2GRONENIGA, Giselle Câmara. Direito à convivência entre pais e filhos: análise interdisciplinar com vistas à eficácia e sensibilização de suas relações no Poder Judiciário. Tese de doutorado. Acesso em 11 de fevereiro de 2015. 3GRISSARD FILHO, Waldyr. A guarda compartilhada na berlinda. Revista do IBDFAM n. 18. Belo Horizonte: IBDFAM, Janeiro de 2015, p. 12. 4SIMÃO, José Fernando. Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? O que muda com a aprovação do PL 117/2013. Acesso em 28 de novembro de 2014.
Foi com muita honra que recebi e aceitei o convite formulado pelo editor do Migalhas, Miguel Matos, para, a partir deste ano de 2015, escrever colunas mensais neste informativo, tratando dos principais desafios do Direito de Família e das Sucessões no Brasil. São várias as razões da minha felicidade. Primeiro, porque o Migalhas tornou-se a principal ferramenta de informação jurídica pela internet do país. Sou seu leitor assíduo, seu fã incondicional. Para mim tornou-se um verdadeiro dever a sua leitura diária, para atualização do conhecimento e para a informação sobre os principais fatos que envolvem a atuação jurídica no país. Tenho utilizado o Migalhas com grande frequência, para alimentar os meus blogs, site e os meus escritos em geral. Segundo, eu e Miguel somos da mesma região do país. Ele de Patrocínio Paulista; eu de Passos, Minas Gerais. Vivemos em cidades próximas quando da infância e da adolescência e pudemos desfrutar, desde jovens, dos encantos dessa parte do interior do Brasil. Fomos forjados pela mesma terra, roxa e produtiva. A terceira razão é que o Direito de Família e o das Sucessões têm oferecido muitos desafios para os aplicadores de Direito em geral, alcançando uma abrangência teórica e prática que não existia até um passado próximo. Tenho o costume de dizer que essas searas são as mais problemáticas do Direito Privado nacional. Os problemas e os constantes conflitos existem em todas as esferas: nas contendas entre os seus personagens principais, nas disputas ideológicas entre os estudiosos e doutrinadores, nos conflitos entre decisões díspares em praticamente todos os Tribunais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça. Quanto ao último, vale citar o debate que se trava quanto à concorrência sucessória ou não do cônjuge sobrevivente no regime da separação convencional de bens, por interpretação do art. 1.829, inciso I, do Código Civil. Foi a codificação privada de 2002 que acentuou esses embates, notadamente por ter sido elaborada em um outro momento histórico, com valores sociais bem distantes do que se percebe neste início de século XXI. Porém, a Lei Geral Privada vigente também trouxe uma possibilidade de abertura, pela adoção de um modelo baseado em cláusulas gerais, princípios e conceitos legais indeterminados. Isso ocasionou, por exemplo, o reconhecimento da afetividade como valor jurídico, com natureza de verdadeiro princípio do Direito de Família contemporâneo. Sua densidade principiológica é facilmente percebida por aqueles que conciliam a teoria com a prática familiarista, como bem observou Ricardo Calderon em sua dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal do Paraná, obra publicada pela Editora Renovar. Em um campo de profundos choques ideológicos, movido por paixões - inclusive dos juristas, que muitas vezes com furor querem fazer prosperar suas teses -, temos muitas questões a esclarecer nos próximos anos. Gostaria de destacar algumas, nesta coluna inaugural. De início, será que a Nova Lei da Guarda Compartilhada, lei 13.058/2014, conseguirá amenizar ou resolver as disputas relacionas aos filhos menores, após o fim do casamento ou da união estável? Acredito que não. Tenho sustentado, na linha de José Fernando Simão, Rolf Madaleno e Giselle Groeninga, que a norma não trata de guarda compartilhada, mas de guarda alternada. Essa pode ser boa para os pais, que queiram contatos mínimos entre si; mas também pode ser péssima à criança, que deixa de ter um referencial único, como a terra roxa e produtiva que aqui antes mencionei. Ademais, o diploma emergente parece ter dado um tom de obrigatoriedade à guarda compartilhada (na verdade, alternada, reafirme-se), o que para muitos parece não ser a melhor alternativa, pois somente geradora de mais conflito. Teremos um ano de grandes discussões sobre o Novo CPC, aguardando sanção da presidência da República. E o novo Estatuto Processual é farto na regulamentação de questões relativas ao Direito de Família e das Sucessões. Ele aperfeiçoa as regras do inventário e da partilha, trata do companheiro sempre ao lado do cônjuge, regulamenta a mediação e a conciliação, traz um capítulo próprio para as ações de família, trata da desconsideração inversa da personalidade jurídica e, infelizmente (muito infelizmente) mantém a separação judicial e a extrajudicial. Nesse último aspecto, com o devido respeito a quem pensa de forma contrária, o Novo CPC representa um profundo retrocesso. Teremos uma lei instrumental que tenta reduzir o conflito e a burocracia, agilizando procedimentos em muitos de seus trechos; mas que mantém um instituto anacrônico, conflitivo e superado pela Emenda Constitucional 66/2010, em outro. Além dessas questões, temos outros problemas represados a resolver, que merecem ser analisados mais atentamente. A culpa ainda pode ser debatida em sede de ações de dissolução de casamento e união estável?Qual a extensão e quais são os limites dos alimentos entre cônjuges e companheiros? A responsabilidade civil deve ser amplamente aplicada ao Direito de Família?Há uma tendência de contratualização desse ramo jurídico? Deve ser reconhecida a igualdade plena entre casamento e união estável, inclusive para fins sucessórios? O art. 1.790 do Código Civil, que trata da sucessão do companheiro, é inconstitucional? A legítima sucessória deveria ser revista ou extinta? O testamento vital é um testamento?As manifestações de atos de última vontade deveriam ser facilitadas?Quais os limites para o chamado planejamento sucessório? Dentro das minhas possibilidades, procurarei responder a essas indagações nas próximas colunas deste importante informativo jurídico brasileiro.