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O estupro e a palavra da vítima (Caso Daniel Alves)

domingo, 13 de abril de 2025

Atualizado em 11 de abril de 2025 11:13

É muito difícil e até mesmo, se assim prosperar a pretensão, uma ousadia tecer comentários jurídicos a respeito de um fato perquirido por um processo criminal em que as informações que chegam ao público foram registradas unicamente pela imprensa. Não que não sejam idôneas, mas falta o olho clínico profissional para captar as circunstâncias determinantes de uma decisão.

O jogador brasileiro Daniel Alves foi condenado - em primeira instância pela Justiça espanhola pela prática do crime de estupro - a cumprir uma pena de quatro anos e meio de prisão, além de outras obrigações impostas na sentença. Recorreu e logrou provimento em seu apelo dirigido ao tribunal espanhol que entendeu que a sentença, que teve como suporte a palavra da vítima, trazia lacunas, imprecisões, inconsistências e contradições sobre os fatos, uma vez que, pela justiça local, cabe à ofendida o ônus da prova.

A liberdade sexual, após o rompimento de muitos entraves morais e legais, é hoje considerada um direito inalienável à pessoa, integrando o casulo protetivo da dignidade humana, consagrado constitucionalmente. Assim, apresenta-se como uma conquista do homem e da mulher para escolherem o parceiro que for do seu afeto e conveniência. Neste terreno prevalece a reciprocidade. Se, porventura, ocorrer a incidência de grave ameaça ou violência para o ato sexual, incompatíveis com o propósito, rompe a linha de confiança e torna-se insuportável qualquer convivência. É o verdadeiro estupro.

O crime de estupro em sua origem, acompanhando sua etimologia (stuprum), carrega duas vertentes em sua definição. A primeira relacionada com a desonra, a vergonha de uma pessoa e a segunda atrelada à agressão sexual para atingir o coito forçado. Esse último conceito prevaleceu e ficou sedimentado para as pessoas comuns que no estupro obrigatoriamente deveria ocorrer a conjunção carnal entre homem e mulher, mediante violência. Porém, nem sempre a vontade popular coincide com a do legislador. Tanto é que tal conceito não é compartilhado por ele que, deliberadamente, inseriu no tipo penal também a prática de outro ato libidinoso, diverso da conjunção carnal.

A palavra da vítima ganha relevo na Justiça brasileira e é de vital importância para esclarecer o crime de estupro que, cometido sem a presença de testemunhas (solus cum sola in solitudinem), busca na versão da ofendida o único caminho informativo e, como tal, núcleo de todo trabalho policial e judicial. Paralelamente, outros indícios, que são os fatos que circundam a conduta principal, serão coletados para formarem um conteúdo probatório que seja coerente e guarde veracidade com a versão apresentada.

Conta, também, na montagem do quebra-cabeças investigativo, além da prova pericial, com os laudos periciais que formarão um conjunto de convicção mais apropriado e viável para o deslinde do crime. São os olhos ocultos, ausentes do local do crime, que a tudo veem, são os ouvidos que captam as vozes dos vestígios e escrevem o que eles revelam.

Tanto é que a vítima de estupro, sentindo-se abusada sexualmente, comparece à delegacia de polícia e apresenta sua versão a respeito dos fatos, escancarando sua intimidade sexual, oportunidade em que será submetida a exames de corpo de delito. Em juízo ficará novamente exposta e, inevitavelmente, irá reiterar sua versão inicial.

Mas não se pode olvidar que as provas no processo penal pátrio têm credibilidade relativa. O processo penal busca uma harmoniosa integração entre todas elas para encontrar a verdade real. Mesmo até sem o laudo pericial em caso de estupro, a palavra da vítima, se coerente e endossada por outras provas, tem valor por si só. Neste sentido a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Dando relevância à palavra da vítima, o Tribunal da Cidadania assim se pronunciou: "Em delitos contra a dignidade sexual, normalmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima, reforçada pelos demais elementos de prova - no caso, a prova testemunhal -, assume especial relevância. (...)".