A atuação da Vigilância em saúde corresponde, entre outros aspectos, na sua maior medida, à análise permanente da saúde populacional, assim como ao desenvolvimento contínuo de ações destinadas ao seu controle, incluindo tanto a abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde.1
Nesse sentido, recentemente, diante da análise do quadro epidemiológico no âmbito do Estado de São Paulo, no que concerne à ocorrência dos casos de arboviroses transmitidas pelo mosquito "Aedes aegypti", tais como a Chikungunya e a Zika, em especial a Dengue, foi publicado o decreto 69.359, de 19 de fevereiro de 2025.
O referido diploma legal teve como objetivo declarar a "situação de emergência em saúde pública no Estado de São Paulo, em razão de epidemia de Dengue". A medida permitiu à Administração a adoção de ações estratégicas.
De início, adentrando na sua análise jurídica, cabe esclarecer que nos termos do inc. II do art. 47, da Constituição do Estado, compete, privativamente ao Governador. exercer com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual. Ademais, referido dispositivo guarda perfeita simetria com o inc. II, art. 84, da Constituição Federal. Corroborando tais premissas, o decreto é um ato administrativo que perfaz a competência privativa pelo Chefe do Executivo, segundo a letra "a", inc. I, art. 12 da lei 10.177, de 30 de dezembro de 1998.
Nesta perspectiva, não há discussão de que o Decreto foi a correta e mais adequada medida acautelatória do Governador do Estado para tratar o tema. Trata-se de uma normatização excepcional, caracterizada pelas circunstâncias específicas que determinaram sua edição e que prevê medidas de enfrentamento da emergência em saúde pública, com a finalidade de evitar a contaminação ou a propagação da dengue. Prevalece aqui a regra de que a lei temporária tem por finalidade acudir uma determinada situação de perigo à saúde pública e terá sua vigência durante o tempo em que for necessária (cessante ratione legis, cessat ipsa lege). Daí, é de se constatar que, cessando a razão de ser da lei excepcional, prevalece, para todos os efeitos, a regra da lei geral. O ordenamento legal, desta forma, como um avatar necessário e, somente ele, estribado na justiça geral em favor da necessidade humana, faz evidenciar não só a defesa da saúde da comunidade, como também os interesses econômicos, sociais e outros necessários para o compartilhamento harmônico das atividades humanas.
Ademais, coube à Secretaria da Saúde, segundo o art. 4º do Decreto n° 69.359, de 19 de fevereiro de 2025, por meio do Centro de Operações de Emergências (COE), instituído pelo decreto 69.329, de 23 de janeiro de 2025, a competência para elaborar diretrizes gerais para a execução das medidas de enfrentamento da situação de emergência em saúde pública. A matéria se insere perfeitamente no campo funcional da referida Secretaria, pois se trata, de modo geral, de ação voltada ao combate e controle de epidemia de dengue, não se contrapondo à sua organização pelo Decreto 26.774, de 18 de fevereiro de 1987 (e alterações posteriores).
O COE teve a representação formalizada pela resolução SS 29 de 20 de fevereiro de 2025, compondo-se por integrantes da: Secretaria da Saúde; Casa Civil; Casa Militar; Secretaria de Comunicação; Secretaria da Segurança Pública; Secretaria da Educação; Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística e Secretaria de Desenvolvimento Social. Consolida-se como um órgão colegiado, de natureza consultiva, com a finalidade de assessorar a Secretaria da Saúde, mantendo-se vinculado à referida Pasta (art. 1, decreto 69.329, de 23 de janeiro de 2025).
Na razoabilidade das medidas reside não só a prevenção como, também, buscar a eficiência dos cuidados para as pessoas infectadas, já que a epidemia se propaga de forma difusa e rápida, atingindo nível de atenção extrema. Não se olvidando que o combate às arboviroses não é dever unicamente da saúde e sim da vigilância de todos.
No âmbito federal, ademais, há o estabelecimento de critérios para a declaração de situação de emergência ou estado de calamidade pública pelos entes federativos que, segundo a portaria MDR 260, de 2 de fevereiro de 2022, alterada pela portaria MDR 3.646, de 20 de dezembro de 2022, conforme o seu art. 4º, será realizada pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, Estadual ou do Distrito Federal.
Pois bem, declarada a emergência, foram autorizadas as providências de que trata o inc. I, art. 2º do decreto 69.359, de 19 de fevereiro de 2025, referentes às aquisições e contratações, segundo os termos do art. 75, inc. VIII e § 6°, da lei Federal 14.133, de 1° de abril de 2021, quais sejam:
"Art. 75. É dispensável a licitação:
(...)
VIII - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso;
(...)
§ 6º Para os fins do inciso VIII do caput deste artigo, considera-se emergencial a contratação por dispensa com objetivo de manter a continuidade do serviço público, e deverão ser observados os valores praticados pelo mercado na forma do art. 23 desta lei e adotadas as providências necessárias para a conclusão do processo licitatório, sem prejuízo de apuração de responsabilidade dos agentes públicos que deram causa à situação emergencial."
A norma, em comento, é completamente pertinente no bojo do Decreto Emergencial, pois são fundamentais ações eficientes para conter a situação epidêmica, em conjunto com a agilizada e a rapidez na execução das medidas requeridas pela administração.
Dando ênfase à velocidade dessas medidas, permitiu-se a dispensa da prévia manifestação do Comitê Gestor do Gasto Público, nos termos referidos no inc. IX, art. 2º do decreto 64.065, de 3 de janeiro de 2019, concedendo-se um prazo de 30 dias, a contar da assinatura do contrato, para a sua comunicação nos casos de contratação.
O decreto sub studio, por si só, autorizou a contratação de servidores temporários para o enfrentamento do problema, medida que vai ao encontro do esforço em fortalecer e ampliar a força de trabalho nos locais e horários necessários, dentro da estratégia de combate ao contágio e demais consequências da dengue, levando-se em consideração também a especificidade da região. Não se trata de medida incomum. Ademais, referida permissão legal tem respaldo na lei complementar 1.093, de 16 de julho de 2009, vejamos:
"Artigo 1° - Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, a contratação por tempo determinado de que trata o inciso X do artigo 115 da Constituição Estadual será realizada nas condições e prazos previstos nesta lei complementar.
(...)
§ 1° - Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:
(...)
2 - a assistência a emergências em saúde pública, inclusive combate a surtos, epidemias, endemias e pandemias;" (g.n.)
Em continuidade à análise, importante destacar que com a declaração da situação de emergência em saúde pública no território paulista, a lei complementar 791, de 9 de março de 1995 autorizou a transferência de recursos do Estado para o financiamento de ações ou serviços não previstos nos planos de saúde municipais, conforme disposição do seu art. 50, § 3º:
"Artigo 50. O processo de planejamento e orçamento do SUS será ascendente, do nível local até o estadual, passando pelo regional, ouvidos os respectivos conselhos de saúde, e compatibilizando-se, em planos de saúde estadual e municipal, os objetivos da política de saúde no Estado com a disponibilidade de recursos
(...)
§ 3º. É vedada a transferência de recursos do Estado para o financiamento de ações ou serviços não previstos nos planos de saúde municipais, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública na área da saúde. (g.n.)"
Diante do exposto, fica evidente que a estratégia adotada pelo Decreto nº 69.359, de 19 de fevereiro de 2025, foi medida plenamente justificada e amparada legalmente. Mostra-se pertinente para o contexto atual, no qual a situação epidêmica ultrapassa as divisas do Estado, permeando o território nacional, dentro do contexto de suas respectivas particularidades.
Em outro aspecto, a medida em comento consolidou-se como uma decisão estratégica, permitindo ao Estado de São Paulo responder rapidamente à epidemia, com o intuito de proteger a saúde da população, garantir a continuidade dos serviços públicos e, assim, minimizar impactos epidemiológicos, sociais e econômicos decorrentes da situação.
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1 Plano de contingência das arboviroses urbanas dengue, chikungunya e zika 2025/2026. Disponível aqui. Acesso em 30/3/2025.