A extensão da autonomia da vontade do paciente
domingo, 4 de maio de 2025
Atualizado em 2 de maio de 2025 06:37
Fato interessante, com grande repercussão bioética e, obliquamente, no biodireito, ocorreu recentemente em Miami, Estados Unidos, quando um paciente com setenta anos de idade, sem documentos ou familiares, diabético, com histórico de doenças no coração e pulmão, foi encaminhado e atendido em hospital, oportunidade em que os médicos responsáveis pela primeira avaliação, constataram uma tatuagem cravada no seu peito, que dizia: "Do not resuscitate", com o not sublinhado - conhecida pela sigla DNR. No vernáculo pátrio: Não ressuscite ou "ordem para não reanimar".
Tal advertência causou grande impacto aos profissionais estabelecendo, de plano, invencível conflito médico, obrigando-os a buscar auxílio na Comissão de Bioética da instituição que, após as discussões pertinentes, entendeu que o pleito do paciente deveria ser atendido. Assim foi feito. Será que a tatuagem, com seus dizeres, por si só, é suficiente para demonstrar a intenção do paciente? É fonte reveladora e autorizadora para que os médicos possam interpretá-la como a vontade indiscutível do paciente, no âmbito de sua autonomia?
Assim, nesta linha de raciocínio, no caso do paciente tatuado, o comitê de bioética do hospital entendeu que a manifestação de vontade estava mais do que evidenciada e não justificava, em paciente sem chance de cura, a prática de qualquer conduta que resultaria em fúteis tentativas e infrutíferas intervenções, outorgando, desta forma, total crédito à autonomia da vontade do paciente. Por tal princípio deve-se entender que a decisão por ele tomada, com plena capacidade de discernimento, em determinado momento ou que tenha deixado documento a respeito de um procedimento médico, no caso lavrado em seu próprio peito, deve ser respeitada, por ser a legítima expressão de sua vontade. Daí que a ordem de não reanimação representa a determinação de um comportamento negativo do médico, impedindo-o de utilizar as técnicas de suporte vital.
No Brasil, prestigiando a autonomia da vontade do paciente e sua determinação, a resolução 1995/12 do Conselho Federal de Medicina estabeleceu uma disciplina de final de vida, compatível com a ética médica, sem afrontar qualquer texto legal. Assim, proclama o artigo 1º: Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
Na realidade, fazendo-se uma interpretação mais restritiva e rigorosa, a tatuagem, por si só, não carrega amparo legal que, no caso específico, deveria contar com a assinatura do paciente em documento próprio ou em outro lavrado anteriormente, com tal finalidade. Mas lançando mão de uma interpretação mais liberal, consentânea com o caso, também não pode ser descartada a vontade declinada pelo paciente em tatuagem moldada em seu corpo, justamente no local onde seria feita a reanimação.
Num futuro, não muito distante, o biochip, implante corporal que fará o armazenamento de informações médicas, será o instrumento apropriado para a leitura da real vontade do paciente.
Talvez caia a tatuagem. Biochip é mais chique.